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BRASIL

Apontamentos sobre eleição para presidência da Câmara dos Deputados

Tomás Cardoso, de Niterói, RJ
(Fábio rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Brasília – Reeleição do deputado Rodrigo Maia para a presidência da Câmara dos Deputados

O Brasil começa o ano de 2021 atingindo a terrível marca dos 200 mil mortos pelo COVID-19, número este bastante subdimensionado devido ao elevado número de subnotificações. Temos um presidente com postura abertamente negacionista, que minimiza os efeitos da pandemia desde o seu início, atuando, na prática, como um aliado do coronavírus e contra os brasileiros. A tragédia que assola Manaus é exemplificativa da situação de calamidade pública que Bolsonaro conscientemente ajuda a instalar no país. Além disso, ainda não temos um plano de vacinação claro que dê conta de imunizar toda a população brasileira. O auxílio emergencial federal está prestes a acabar e o desemprego só aumenta. Portanto, derrubar o governo Bolsonaro antes de 2022 se coloca como uma necessidade urgente de toda a oposição.

É neste contexto que se dá a discussão acerca da eleição para a presidência da Câmara dos Deputados e da sua nova mesa diretora, que ocorrerá no dia 1º de fevereiro. Há, até o momento, oito candidaturas que irão disputar a vaga de próximo/a presidente da Câmara: Alexandre Frota (PSDB-SP), André Janones (Avante-MG), Arthur Lira (PP-AL), Baleia Rossi (DEM-SP), Capitão Augusto (PL-SP), Fábio Ramalho (MDB-MG), Luiza Erundina (Psol-SP) e Marcel Van Hattem (Novo-RS). Os favoritos na disputa são Arthur Lira e Baleia Rossi, sendo Lira o candidato oficialmente apoiado por Bolsonaro e cujo bloco é formado por PP, PL, PSD, Avante, Patriota, Republicanos, PSL (recentemente migrou para este bloco) e busca a confirmação do PTB e do Pros. Por outro lado, Baleia é o candidato oficialmente apoiado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, cujo bloco é formado por MDB, DEM, PSDB, PT, PSB, PDT, PCdoB, Rede, Cidadania, PV e Solidariedade. Tem-se colocado Lira como representante da extrema-direita bolsonarista e Baleia Rossi como representante da direita tradicional neoliberal.

POSSÍVEIS TÁTICAS DO CAMPO DA ESQUERDA

Frente a este cenário, abriu-se no campo da esquerda uma ampla discussão acerca de qual seria a melhor tática a ser adotada nas eleições para a presidência da Câmara: (1) o lançamento de uma candidatura unificada de esquerda no primeiro turno e o comprometimento a votar contra o candidato bolsonarista no segundo turno, ou (2) o apoio ao Baleia Rossi no primeiro turno, dado o risco de Lira vencer já no primeiro turno, uma vez que o voto é secreto e coloca-se a possibilidade de deputados votarem contra a orientação de seus partidos. Ambas as posições são legítimas e devem ser discutidas a sério, apresentando-se as vantagens e desvantagens de cada uma delas e o porquê de cada tática ser a melhor para combater o bolsonarismo.

Acredito ser consensual entre militantes e simpatizantes do PSOL que o melhor cenário seria o lançamento de uma candidatura de esquerda unificada para se contrapor tanto ao candidato bolsonarista, quanto ao candidato da direita tradicional. No entanto, dois dos três partidos de esquerda da Câmara (PT e PCdoB) e todos de centro esquerda (PDT, PSB, Rede) optaram pelo apoio a Baleia Rossi já no primeiro turno, o que colocou o PSOL em uma situação peculiar e dividiu ao meio a opinião de sua bancada federal. A Executiva do partido se reuniu em 15 de janeiro e deliberou a favor da construção de uma candidatura própria no primeiro turno e, caso esta candidatura não esteja no segundo turno, orientou-se o voto da bancada do PSOL em quem representar uma alternativa àquele apoiado por Bolsonaro. No mesmo dia, foi anunciada a deputada Luiza Erundina como candidata do PSOL à presidência da Câmara. Esta decisão provocou descontentamento e críticas de muitos militantes e ativistas sinceros que desejariam a adesão do PSOL ao bloco de Baleia Rossi no primeiro turno, a fim de impor uma derrota a Lira logo no primeiro turno, alegando irresponsabilidade ou excesso de “purismo ideológico” por parte do partido. É com estas pessoas que desejo dialogar neste texto, uma vez que julgo acertada a decisão tomada pela Executiva do PSOL.

A NECESSIDADE DO IMPEACHMENT

Primeiramente, volto ao parágrafo que abre o presente texto. Diante da tragédia que assola o país, parto do pressuposto de que derrubar o governo Bolsonaro antes de 2022 é a tarefa central da oposição. Bolsonaro já deixou mais que claro que não tem intenção de vacinar toda a população ou prolongar o auxílio emergencial. A eleição para a presidência da Câmara deve ser tomada como um importante momento na luta contra Bolsonaro e, neste sentido, a luta pelo seu impeachment é extremamente importante.

Quando confrontado sobre a possibilidade de pautar o impeachment, Baleia respondeu: “Eu acho que nós não podemos fazer um exercício de futurologia. Quando eu for presidente da Câmara, se Deus me der essa oportunidade, vamos fazer a análise dentro da Constituição. É prerrogativa do Parlamento e nós não podemos abrir mão de nenhuma prerrogativa do Parlamento”, ou seja, tentou sair pela tangente sem desagradar gregos nem troianos. Acho desnecessário indicar que Arthur Lira tampouco se manifestou favoravelmente à abertura do processo. De todas as oito candidaturas postas, apenas a de Luiza Erundina se manifestou publicamente a favor do impeachment.

Recentemente, Rodrigo Maia subiu o tom contra Bolsonaro nas redes, inclusive declarando que o mesmo tem culpa pelas 200 mil mortes de brasileiro. Porém, ele continua ignorando os 61 pedidos de impeachment que, na prática, poderiam dar alguma substância às suas declarações vazias de conteúdo. Isto leva a crer que sua recente elevação de tom foi parte de um cálculo político para agradar as siglas de esquerda que apoiam seu candidato.

BALEIA REPRESENTA UMA OPOSIÇÃO CONSEQUENTE A BOLSONARO?

É falso separar mecanicamente os candidatos entre “governista” e “oposição”. Segundo um levantamento feito pela consultoria Arko Advice, em 2019, Baleia votou a favor do governo em 90,24% das votações e contra em 9,75%. Já Lira, votou a favor em 86,29% das vezes e contra em 13,70% das vezes. Em 2020, Baleia votou a favor do planalto em 77,82% das votações e 22,18% contra, sendo as cifras para Lira 70,59% e 29,41%, respectivamente.

Acho desnecessário apontar como Baleia votou em relação à reforma da previdência, à medida provisória da liberdade econômica e ao novo marco do saneamento básico, que na prática facilita e incentiva a concessão do saneamento básico à iniciativa privada. Trata-se de pautas econômicas demandadas pela fração ultraliberal do governo, encabeçada por Paulo Guedes, que ajuda a dar sustentação política a Bolsonaro. Vale ressaltar também que, recentemente, parlamentares da dita bancada ruralista (representantes do agronegócio) declararam apoio a Baleia Rossi.

Aqui, muitos irão argumentar que Maia não colocou em pauta os projetos do “núcleo duro” bolsonarista, portanto essas cifras contariam apenas uma parte da história. Neste caso, vale relembrar que foi o Rodrigo Maia que colocou em pauta o pacote anticrime do Sérgio Moro (ainda que desidratado) no final de 2019, inclusive com voto favorável do próprio Baleia Rossi ao pacote. O projeto de lei conhecido como PL das Armas, também aprovado na Câmara em 2019 após sofrer desidratação, também contou com voto positivo de Baleia Rossi. Estas não representam pautas do núcleo duro bolsonarista? Não estou entre aqueles que acham que Lira e Baleia são iguais, que “tanto faz, tanto fez”, porém não devemos superdimensionar as diferenças que, repito, existem entre ambos. Projetos mais polêmicos e abertamente reacionários, tais como o “Escola sem Partido”, muito provavelmente encontram maior apoio por parte de Lira do que de Baleia.

BLOCO DEMOCRÁTICO?

Tampouco acho honesto definir o bloco de Baleia Rossi como sendo o “bloco democrático”, como parte da mídia tem se esforçado em fazer, na tentativa de criar uma polarização entre direita e extrema direita. Não nos esqueçamos que o bloco supostamente democrático reúne os principais partidos articuladores do golpe contra Dilma em 2016 (com votos favoráveis tanto de Baleia Rossi quanto de Arthur Lira).

“Democrático”, quando não corretamente contextualizado, acaba por se tornar um termo vazio de conteúdo, principalmente quando se toma como parâmetro de comparação o neofascista Jair Bolsonaro. É democrático derrubar uma presidenta eleita sem crimes de responsabilidade? É democrático aprovar contrarreformas que prejudicam as condições materiais de vida da população? Não pautar o impeachment de um presidente cuja atuação frente à pandemia mata milhares de pessoas?

ENGOLIDOS PELA BALEIA

Com quais pautas da oposição Baleia Rossi efetivamente se comprometeu publicamente em apoiar? Em qualquer negociação, espera-se que todas as partes envolvidas saiam com ganhos. Já vimos que Baleia Rossi não se manifestou publicamente a favor do impeachment. Tampouco se mostrou favorável a interromper as privatizações e a agenda econômica ultraliberal. O que Baleia Rossi disse publicamente é que o legislativo atuará de forma independente do executivo. Uma coisa seria o apoio a Baleia Rossi após este se comprometer explícita e publicamente com uma série de demandas dos partidos da oposição, como o impeachment, a não privatização dos correios e independência do banco central, um amplo programa de vacinação para todos e o fortalecimento do SUS. O que parece estar ocorrendo, ao contrário, é a adesão da oposição ao bloco sem que suas principais demandas sejam publicamente apoiadas por Baleia Rossi. A candidatura do PSOL é a única que incorpora estas demandas em seu programa.

“A CANDIDATURA DO PSOL SERVE APENAS PARA FORTALECER O LIRA”

Esta afirmação, que tem encontrado determinado eco nas redes sociais, não procede. É estritamente falso que uma candidatura do PSOL fortalece a candidatura do Lira. Lira é unicamente fortalecido por votos depositados em sua candidatura.

Caso Lira, hipoteticamente, já tivesse 257 votos garantidos no primeiro turno, não haveria segundo turno e os 10 votos dos deputados do PSOL não fariam qualquer diferença caso tivessem sido depositados na candidatura do Baleia. Por outro lado, caso Baleia hipoteticamente já tenha os 257, os 10 votos do PSOL tampouco fariam diferença alguma. A única situação em que os 10 votos do PSOL fariam alguma diferença seria para garantir a vitória do Baleia já no primeiro turno, caso este hipoteticamente tenha entre 247 e 256 votos. Portanto, é falso que a candidatura da Luiza Erundina fortalece a candidatura do Lira.

Nenhum voto ao Lira será dado pela bancada do PSOL, tanto no primeiro turno, quanto em um eventual segundo turno. Em uma eleição de dois turnos, no primeiro turno apresenta-se um programa e no segundo reduz-se danos.

Quem efetivamente fortalece a candidatura do Lira são os deputados de partidos que compõem o bloco de Baleia Rossi e contrariam suas orientações partidárias. Apesar de não concordar com ela, respeito a posição de partidos de esquerda e centro esquerda em apoiar Baleia Rossi no primeiro turno. No entanto, deputados de partidos de oposição contrariarem seus partidos e apoiarem o candidato bolsonarista é inaceitável. O fato de o voto ser secreto, de certa forma, blinda estes candidatos de críticas por parte de seus eleitores e de sofrerem sanções dos seus partidos por descumprimento de deliberação partidária. Quem deve ser cobrado por efetivamente fortalecer a candidatura do Lira são os deputados que votarem nele, em contrariedade à orientação partidária. Este não é o caso do PSOL.

ELEIÇÕES DE 2022

Em último lugar, as tendências que se desenham na disputa para a presidência da Câmara podem representar, com as devidas mediações, possíveis cenários da disputa presidencial de 2022. Os grandes oligopólios de mídia, inspirados pela realidade das eleições norte-americanas, já estão a todo vapor propagandeando uma falsa polarização entre a extrema direita bolsonarista e a direita tradicional neoliberal (“centro moderado”), com vistas a apagar a esquerda do cenário político de 2022. O governador de São Paulo, João Dória (PSDB), também conhecido em 2018 sob a alcunha de “Bolsodória”, tenta a todo instante colher frutos políticos em cima da vacinação e provavelmente se colocará como um candidato “sensato” e “moderado” contra Bolsonaro em 2022. O mesmo Dória que acorda moradores de rua de São Paulo com jatos de água fria, que, inclusive, já está sendo construído como candidatura viável pela última edição da IstoÉ.

Repito novamente, há sim diferenças entre os dois campos que não devem ser ignoradas. Extrema direita e direita tradicional não são a mesma coisa. Porém, colocá-los como dois polos opostos, como noticia a grande imprensa, é uma operação que apenas serve para apagar a esquerda do cenário político. O que a realidade norte-americana nos ensina é que apenas as mobilizações da classe trabalhadora e dos setores oprimidos, tal como ocorreu com o histórico levante antirracista protagonizado pelo Black Lives Matter, é capaz de impor uma mudança na correlação de forças e uma derrota ao projeto autoritário de extrema direita.

UMA VERDADEIRA OPOSIÇÃO

A candidatura do PSOL, encabeçada Luiza Erundina, tem como objetivo contrapor tanto à direita bolsonarista, quanto à direita tradicional. É uma candidatura que diz: “a esquerda não morreu, estamos aqui e somos a verdadeira oposição”. É uma candidatura que coloca a necessidade urgente de interromper este governo para salvar vidas. De garantir um robusto programa de vacinação para toda a população. De prolongar o auxílio emergencial. De derrubar o teto de gastos que drenam recursos da saúde e da educação. De acabar com o genocídio da população negra promovida pelo Estado. Luiza Erundina cumpriu um importantíssimo papel como candidata a vice-prefeita de São Paulo ao lado de Guilherme Boulos e novamente demonstra grandeza ao se disponibilizar como candidata do PSOL para a presidência da Câmara. O melhor cenário para a direita, tanto tradicional quanto bolsonarista, é que a disputa dos rumos do país seja restrita a estes dois polos e que a esquerda fique sem iniciativa própria.

Ao contrário do que dizem os críticos, não é uma candidatura meramente para “marcar posição”, é uma candidatura para fazer o debate para fora da câmara, para apresentar um programa alternativo e popular para o povo. Não devemos reduzir a atuação parlamentar da esquerda a um fim em fim mesmo, ela está a serviço da mobilização dos trabalhadores e dos setores oprimidos. Sabemos que as chances de vitória são baixas, mas a importância dessa candidatura é colocar a esquerda novamente no debate público e quebrar a falsa “polarização” entre direita neoliberal e direita bolsonarista. Querendo ou não, a disputa para a presidência da Câmara tem sim influência sobre os possíveis cenários de 2022, e não apresentar um campo alternativo agora pode representar o apagamento da esquerda como alternativa viável no próximo período. Façamos o debate para fora da Câmara e apostemos na mobilização da classe trabalhadora!

Nas últimas semanas, as palavras de ordem “fora bolsonaro” e “impeachment já” tiveram grande crescimento nas redes sociais. Em consequência, carreatas pela saída de Bolsonaro foram convocadas em dezenas de cidades. São em iniciativas como esta que a esquerda deve apostar para mudar a correlação de forças e impor um fim a este governo genocida. Atribuir unicamente ao embate institucional a tarefa de fazer oposição ao Bolsonaro é um grave erro.

 

*Tomás Cardoso é da Resistência-PSOL, em Niterói, RJ