Dias como o de hoje, 15 de janeiro, hão de ser lembrados ainda por anos, pelo menos enquanto a humanidade trabalhadora permanecer vivendo em tempos não redimidos. É que num ocasião como essa, em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo tombava, junto com outros companheiros e companheiras de luta, vítima da contrarrevolução em curso e que logo em seguida haveria de tomar de assalto, não só a Alemanha nazista, como parte significativa do mundo dominado pelo imperialismo. Passados pouco mais de um século do brutal assassinato da judia polaca-alemã, o seu exemplo de marxista revolucionária, a solidez teórica de obra e a integridade humanas de sua pessoa continuarão sendo absolutamente necessários e imprescindíveis, especialmente em momento que o capitalismo demonstra o seu potencial ilimitado de destruição da humanidade e da natureza.
Uma das muitas provas de sua inquietante atualidade vem das lições que podemos extrair de seus escritos, como, por exemplo, um artigo chamado “A dança do escravo amarela”, publicado em 10 de fevereiro de 1914. Envolto já pelo clima de uma guerra que anunciava “pilhas de corpos humanos dilacerados”, exalando “pestilência, extermínio e miséria”, a autora chama a atenção para a responsabilidade de parcelas da própria classe trabalhadora e sua liderança principal (leia-se os partidos da social democracia e a II Internacional), por terem se deixado levar pelo canto de hiena da dominação de classe burguesa e sua ideologia chauvinista, pré condição para as massas dos diferentes países terem sido usadas como buchas de canhão de uma carnificina humana poucas vezes vistas até então. Em suas palavras: “As tentativas de transformar as vítimas da exploração em instrumentos dispostos a eternizar o próprio sistema de exploração, de fazer os oprimidos externar entusiasmo pela própria opressão, são tão antigas quanto as formas de exploração e da dominação de classes.
Desde sempre, o poder econômico foi utilizado pelos seus beneficiários não apenas para espremer os trabalhadores fisicamente como um limão em prol de seu próprio enriquecimento, como também para pisoteá-los moralmente, ironizar sua dignidade humana, abusar de sua fragilidade, afim de mandá-los trabalhar amarrando suas próprias correntes, para fazer essas correntes ressoar com prazer e alegria (…). Acresce a violência arrebatadora da crise, que entrega ao terror do capitalismo, sem piedade, as vidas mais frágeis, trabalhadores velhos, doentes, que sofrem com pesadas circunstâncias familiares”. Contudo, como os mais lúcidos marxistas de ontem e de hoje, Rosa era pessimista na análise, mas otimista na vontade. Nesses termos, para ela: “A lei histórica da luta de classes não se deixa violentar em ludibriar por macaquices. Por trás da máscara do palhaço logo aparecerá o rosto pálido da vítima torturada (…). Da mesma forma, logo se revoltará a dignidade humana pisoteada e a autoestima dos pobres proletários, os quais hoje sofrem o pior abuso que se pode cometer contra um ser humano: a traição na luta de libertação da própria classe”.
Naquele contexto, dos escombros da Primeira Guerra Mundial (1914/1918) explodiu a revolução russa, visando subverter as bases de uma ordem social que tantos horrores produzia e produz. É verdade que a pressão do fascismo capitalista, a incúria do reformismo e a burocracia stalinista usurpadora do poder popular da classe trabalhadora, em conjunto esvaziaram com o tempo as promessas radicais e emancipatórias que 1917 anunciou para o mundo. Não obstante, a centelha não foi de todo apagada.
A luta desde então continuou e continua nos dias que correm, por caminhos e descaminhos. Mesmo que estejamos vivendo um tempo similar de “servidão voluntária”, a crise do capital impele os explorados e oprimidos à luta, à sobrevivência, sob pena de sucumbirem definitivamente à barbárie, potencializado pela catástrofe humanitária gerada pela pandemia e outras mazelas correlatas. Nesse sentido, há claros sinais de retomada das mobilizações por parte dos “de baixo” de todos os quadrantes. Nessa caminhada dura e árdua da luta de classes contemporânea, o espírito de Rosa Luxemburgo (e tantos homens e mulheres que se sacrificaram por um ideal, o ideal do fim da exploração do homem pelo homem, do socialismo, da sociedade regulada) estará no meio das massas organizadas e conscientes, que ousam novamente tomar o destino histórico em suas mãos, legado vermelho esse que representa “o sedimento fértil da História em que germinação as sementes do futuro”.
*Luciano Mendonça de Lima é professor de História da UFCG
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