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MUNDO

Como os socialistas podem ajudar a deter Trump?

Eric Blanc entrevista Leo Panitch sobre as próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos*
Divulgação/Twitter

Tradução: Ana Saggioro Garcia.

Eric Blanc (EB): Eu adoraria ouvir sua opinião sobre se os socialistas deveriam ou não votar e/ou fazer campanha para Joe Biden. Eu tenho dificuldades em ter uma posição fechada sobre isso porque, por um lado, parece claro para mim que outra presidência de Trump seria um desastre para todos nós e, por outro lado, eu realmente não vejo como podemos defender o voto em Biden sem ir contra nosso projeto geral de formação classista, tentando, em todos os momentos, polarizar e organizar os trabalhadores contra os patrões. Talvez o melhor que possamos dizer é que este momento presidencial é tão excepcional, que deveríamos abrir uma exceção à nossa estratégia socialista por uma estratégia eleitoral geral?

Leo Panitch (LP): Eu simpatizo com as pessoas que não querem validar um político profissional que está enredado no sistema capitalista. Dito isso, os socialistas precisam aprender a “andar e mascar chiclete” ao mesmo tempo. A realidade é que o dilema do mal menor permanecerá conosco até que nos tornemos o tipo de força que pode não apenas mobilizar, mas organizar a classe e representar uma alternativa eleitoral viável para os democratas.

Por enquanto, em cada ciclo eleitoral, nós enfrentaremos esse dilema. Mas, agora, estamos enfrentando um problema cada vez mais perigoso, que não é simplesmente Trump, mas também a clareza e assertividade de seus apoiadores – sua vanguarda. E, nesse tipo de momento, nós temos que adotar uma posição de Frente Popular em relação à eleição.

Dito isso, não significa que nós nos afastamos, ou mesmo precisamos nos desculpar por termos assumido essa postura. Ao contrário, significa que faremos uso das razões pelas quais adotamos essa abordagem como um meio para poder continuar e organizar a classe, como os comunistas fizeram na década de 1930 sob a Frente Popular – na verdade, de forma mais eficaz do que durante sua linha “Classe contra a classe” no início da Grande Depressão. E a maneira como se faz isso é dizer, “veja, o maior perigo de reeleger Trump é o fechamento do espaço de organização, o fechamento do espaço político” – o que reduziria significativamente nossas chances de fazer a formação classista de que precisamos.

Os socialistas devem fazer ativamente a campanha para derrotar Trump, para eleger Biden, com base no fato de que estamos enfrentando uma ameaça perigosa. Tratar a conjuntura atual como equivalente à escolha entre, digamos Romney x Obama, é ridículo. Não é uma eleição normal entre “este ou aquele”. Fazer campanha ativa para derrotar Trump é absolutamente essencial. E pode-se fazer isso – devese fazer – como socialista.

Além disso, num cálculo eleitoral de curto prazo, há outra coisa: a legislação trabalhista, que foi prometida pelos democratas à burocracia trabalhista desde Carter e Clinton, nunca foi realmente entregue depois de que foram eleitos. Mas se os democratas forem maioria no Senado desta vez, não é impossível que tal legislação seja aprovada sob pressão popular. Isso não precisa ser visto como uma legislação trabalhista radical; até mesmo o imposto sindical, etc., já seria um passo significativo. O crescimento do movimento operário inevitavelmente criará espaço para mudar o movimento operário, para transformá-lo – e sem que essa transformação aconteça, podemos esquecer nossas chances de uma vitória eleitoral socialista sustentável.

Esse é o tipo de argumento que eu uso – e não vejo realmente por que é tão difícil tecer essa linha.

EB: O complicado é o seguinte: no âmbito da organização da esquerda em todo o país, um dos debates que surge o tempo todo é que, não são apenas as eleições presidenciais nacionais, mas também nas eleições em nível local e estadual, os socialistas organizados quase sempre têm que enfrentar a questão de ter que apoiar ou endossar diferentes liberais ou progressistas. E uma das coisas que tem sido muito positiva sobre a trajetória da esquerda dos EUA, desde 2016, é levar a política de classe mais a sério, o que significou abandonar a tradição de apoiar qualquer democrata. Por causa disso, temos conseguido criar um perfil de classe mais independente e atrair pessoas que buscam um tipo diferente de política, que buscam uma política socialista. Estamos, potencialmente, num campo minado ao apoiar um democrata corporativo contra a ameaça da direita. É complicado porque, de certa forma, esse dilema do ‘mal menor’ é sempre colocado, local, estadual e nacionalmente. Se adotássemos a posição de que a ameaça da direita fosse tal que deveríamos sempre tampar nosso nariz e apoiar um democrata estabelecido – se isso se tornasse nossa estratégia permanente – então poderíamos ficar presos à situação em que se encontrou o antigo DSA [Democratic Socialist of America], e naquilo em que o Partido Comunista (PC) no final dos anos 1930 e 1940 acabou se envolvendo: uma super identificação e uma absorção pela corrente principal da política do Partido Democrata.

LP: Certo, não acho que devemos sempre apoiar o mal menor. Por exemplo, na próxima eleição presidencial, talvez as diferenças não sejam tão marcantes (ou poderiam ser ainda mais marcantes, veremos). Mas é um dilema que não irá embora tão cedo. Será um dilema a todo o momento – mas, neste momento, certamente faz sentido votar e fazer campanha para Biden.

Claro, em todos os tipos de eleições, em todos os níveis diferentes, provavelmente não fará sentido apoiar um democrata. Apesar de que uma das razões para, às vezes, apoiar um candidato democrata à presidência em nível nacional é que isso lhe dá mais credibilidade na eleição de socialistas para cargos locais e estaduais, se você não rejeitar toda a chapa democrata, nacionalmente.

Parte da formação de classe certamente precisa ser a de que temos que convencer as pessoas da classe trabalhadora, particularmente os trabalhadores brancos, que Trump não os representa – embora seja mais provável que ele use o termo “classe trabalhadora” do que Biden. Portanto, torna-se importante sermos capazes de intervir dessa forma contra a tentativa da extrema-direita de mobilizar a classe trabalhadora para sua própria vantagem, o que é um perigo em todo o mundo nos dias de hoje.

Seu ponto sobre o Partido Comunista acabar absorvido pelos democratas está certo. Mas isso tem tudo a ver com o fato de que seu talismã sempre foi a União Soviética. Inicialmente, a abordagem do PC em relação a Roosevelt e aos democratas, depois que eles abandonaram a velha linha ultra esquerdista “Classe contra a classe”, não era a mesma que se tornou mais tarde, quando começou a servir a Stalin estar ao lado de Roosevelt. Mais tarde, durante a guerra, eles até acabaram com qualquer organização, mobilização ou greve – mas essa não é uma trajetória que temos que seguir.

EB: Uma maneira de você ver isso é a diferença entre a Frente Popular como tática e como estratégia.

LP: Sim, exatamente. Nossa estratégia é a estratégia de independência e formação classista de longo prazo. E se os democratas tomarem o Senado e, ao contrário de Obama, não estragarem tudo nas próximas eleições para o Congresso, e parte da reforma trabalhista for aprovada, isso criará mais espaço para começar a mudar os sindicatos – que é a condição sine qua non para ter sucesso.

EB: Mesmo que Biden ganhe a eleição, Trump parece ter a intenção de tentar roubá-la, mobilizando sua base de direita e levando a questão a tribunais lotados de republicanos. Como você acha que a esquerda deveria se organizar em torno da defesa do voto e da democracia?

LP: A questão não é apenas quem ganha mais votos, ou mesmo cargos no Colégio Eleitoral, em novembro. Os questionamentos quanto à validade da eleição agora não podem ser rejeitados porque vários deles já estão em juízo. Portanto, mesmo que haja uma grande margem de diferença no Colégio Eleitoral, e certamente se houver pouca margem de diferença, é provável que Trump e os republicanos avancem em grande escala.

Em resposta, haverá protestos massivos – alguns dos quais podem ser violentos, e alguns dos quais serão liderados por anarquistas em busca de um golpe insurrecional. Sei que é impossível, no curto espaço de tempo, desenvolver qualquer disciplina a esse respeito na esquerda, mas é muito importante que, quando estamos participando desses protestos, que façamos todo o possível para não dar pretextos adicionais para a repressão que Trump irá querer desencadear.

A grande tragédia neste contexto é que, enquanto nós vemos o chefe da AFL-CIO, Richard Trumka, dizendo que eles não vão aceitar Trump pisoteando a constituição, pode-se ter certeza de que eles não vão liderar nenhuma ação de greve frente aos planos de Trump – embora essa fosse a melhor maneira de impedi-lo.

EB: Certo, mas se Biden ganhar claramente a eleição e Trump tentar se manter no poder, é concebível que possamos ver protestos massivos, incluindo trabalhadores e sindicalistas. Especialmente se houver grandes divisões no topo do establishment político, o que ajudaria a legitimar uma ação de revolta contra Trump, não acho que podemos descartar a possibilidade de ações no local de trabalho – ou mesmo que possamos ver alguns dirigentes sindicais concordando com um empurrão ‘por baixo’ para greves e coisas assim. Definitivamente, não podemos prever que isso acontecerá, mas parece que devemos projetar politicamente esse caminho como a melhor forma de defender a democracia.

LP: Concordo inteiramente. Isso é o que é necessário. •

Eric Blanc é um ativista e historiador em Oakland, Califórnia. Ele é o autor de Red State Revolt: A onda de greves de professores e a política da classe trabalhadora. Siga seus tweets em @_ericblanc.

Leo Panitch é professor emérito de ciência política na York University, co-editor (com Greg Albo) do Socialist Register e co-autor (com Sam Gindin) de The Making of Global Capitalism (Verso). Seu novo livro, em co-autoria com Colin Leys é Searching for Socialism: The Project of the Labour New Left from Benn to Corbyn (Verso).

* Original em https://socialistproject.ca/2020/10/how-can-socialists-help-stop-trump/

*Esse artigo representa as opiniões do autor e não necessariamente representa as opiniões do Esquerda Online.