Fundação Bradesco: do telensino ao novo normal da educação a distância
Por: Carlos Mauricio Franklin Lapa
A Fundação Bradesco, a maior instituição filantrópica do Brasil − entre as cinco maiores da América Latina – é um Aparelho Privado de Hegemonia imprime a supremacia dos dominantes há mais de 60 anos. No que tange ao caráter educacional, conta com 40 escolas próprias, distribuídas em todos os estados e no Distrito Federal, além de outras iniciativas de difusão de sua ideologia, cuja origem remonta a década de 50. Seu programa educacional alcança diversos níveis de formação e educação, da Educação Básica à Profissionalizante, passando pela Educação de Jovens e Adultos, e pelo Ensino a Distância.
Para compreendermos a atuação da Fundação Bradesco na sociedade civil, faz-se necessário o debate do conceito marxista de hegemonia. Para tanto, recorreremos a Antônio Gramsci, cuja contribuição teórica é fundamental para os estudos marxistas em todo o mundo, deixando como ferramenta a introdução da concepção dialética da história. Sua compreensão da divisão da sociedade em dominados e dominantes é fruto de um processo histórico de lutas travadas. Por conseguinte, esta divisão não é natural nem é de natureza humana, como tentam explicar os pensadores tradicionais da política, mas fruto das lutas de classes que promovem o choque de posições e a disputa de visões de mundo antagônicas no interior da sociedade. É exatamente tentando explicar esse processo de embates que Gramsci formula o conceito de hegemonia.
Assim sendo, a hegemonia, segundo Gramsci, é a capacidade de um grupo social unificar, em torno de seu projeto político, um bloco mais amplo, não homogêneo e marcado por contradições de classe. Os grupos ou as classes que lideram este bloco são hegemônicos porque conseguem ir além de seus interesses econômicos imediatos para manter articuladas forças heterogêneas, numa ação essencialmente política que impeça o aparecimento dos contrastes existentes entre elas. Tal concepção articula-se perfeitamente com a visão de Estado ampliado, ao estabelecer a diferenciação entre sociedades organizadas nos moldes “orientais” ou “ocidentais”. Portanto, nas condições do capitalismo contemporâneo, uma classe mantém a dominação se for capaz de exercer uma liderança moral e intelectual, fazendo certas concessões a seus aliados, numa perspectiva não economicista, a ultrapassar os interesses meramente corporativos e construir, assim, a hegemonia das ideias, das vontades e das atitudes.
Nos últimos 10 anos, a Fundação Bradesco aplicou, em educação, recursos equivalentes a 7 bilhões de reais. Suas escolas tinham 90.198 alunos matriculados, somente em 2019, com 1703 professores e 3367 funcionários. Desde a sua criação, a Fundação Bradesco proporcionou ensino a mais de 2 milhões de alunos. Este é um lado fisico e institucional, materializado nas obras fisicas das instalações educacionais − sua própria rede de escolas. Porém, sua busca por formar e transformar a classe trabalhadora, apresenta outras facetas com maior percolação de suas ideias.
As origens da educação remota na Fundação Bradesco remontam o final da década de 70. A Fundação Bradesco e Fundação Roberto Marinho iniciam uma parceria que vai se mostrar extremamente frutífera na construção da hegemonia burguesa e no aumento do cenário da filantropia empresarial. No que tange à parceria entre Fundação Roberto Marinho e Fundação Bradesco, o relacionamento das instituições teve como elo o telensino, idealizado pela Fundação Roberto Marinho durante os anos que se seguiram (1977-1981), mostrando ser extremamente viável aos interesses do capital. O objetivo era a oferta de uma formação mínima de acordo com as novas exigências do mercado de trabalho. O interesse das empresas por esse tipo de ensino cresceu nas décadas de 1970 e 1980 de tal forma que, em 1981, a Fundação Roberto Marinho e a Fundação Bradesco, em comunhão, criaram o Telecurso 1° grau, que permaneceu ativo até o ano de 1995, dando espaço depois ao Telecurso 2000 e, posteriormente, ao Novo Telecurso.
Em 2001, é realizado o lançamento da Escola Virtual, portal de ensino a distância que ampliou a oferta de cursos de baixa qualificação de forma 100% gratuita e on-line em diferentes áreas, tais como Administração, Contabilidade e Finanças, Informática, Desenvolvimento Pessoal e Profissional e Educação e Pedagogia. No ano de 2018, a Escola Virtual contava com mais de 780 mil alunos.
Hodiernamente, em plena pandemia desencadeada pelo Covid-19 e diante da necessidade de afastamento social, constatamos que a Fundação Bradesco realizou um duplo movimento em relação ao ensino a distância. O primeiro, estruturante, representando uma mudança na plataforma pedagógica, utilizada tanto para as suas escolas de ensino médio quanto para o seu maior programa de educação a distância: a escola virtual através plataforma da IBM OpenP-tech. O outro, responde, neste momento, às imposições do distanciamento social e do fechamento das unidades escolares com a utilização da plataforma Cisco Webex.
Neste momento, com a suspensão das aulas comprovando uma situação fora da normalidade, a Fundação Bradesco retira da gaveta um projeto que há muito tempo faz parte das aspirações dos governos e empresas privadas de educação: a educação a distância (EAD). Esta ação reflete bem sua orientação como um APH da burguesia e o seu papel na sociedade civil, fechando suas unidades escolares e propondo o “puxadinho” virtual.
Diante do relatório do Banco Mundial, publicado no dia 25 de março de 2020, estimou-se que 1,5 bilhões − 92% de estudantes − ficassem sem aulas em todo o mundo. Logo, a interrupção do calendário escolar causa intensa pobreza na aprendizagem, gerando perdas educacionais irreparáveis. A Fundação Bradesco reafirma seu papel histórico ao alinhar-se aos grupos empresariais que detêm o controle sobre a tecnologia da informação e reproduz as diretrizes do Banco Mundial, UNESCO, OCDE e do movimento da coalizão global de educação, que, no Brasil, tem no movimento Todos Pela Educação seu principal organizador e difusor. A Fundação, seguindo o decreto 46973 de 16 de março de 2020 do Governo do Estado do Rio de Janeiro, comunicou, por seus canais de relacionamento à comunidade escolar, o fechamento das escolas no dia 24 de março de 2020.
Ao longo dos nossos mais de 63 anos é a primeira vez na nossa história que fechamos os nossos espaços escolares. Essa medida foi tomada para não colocar em risco a saúde dos nossos alunos, professores, funcionários e de todos aqueles que compartilham um pedacinho de suas histórias conosco. O cenário que vivemos com a pandemia ocasionada pela COVID-19 é delicado, mas temos certeza de que com a colaboração de todos, juntos vamos superar esse momento. (Fundação Bradesco)
Ademais, houve redução das disciplinas ministradas e o portal educação ofereceu todos os blocos de exercícios para alunos e professores, bem como a impressão de apostilas para os alunos que não pudessem ou não conseguissem frequentar as aulas on-line. A Fundação Bradesco, então, diante de um acordo com as operadoras, possibilitou que alunos assistissem às aulas e usem o portal educação com os dados móveis ligados e sem gastarem seus créditos; entretanto, não foram observadas as condições materiais e psicológicas dos discentes durante este período de afastamento social. O que fica evidente é que existe um pressuposto da Fundação Bradesco de que todos têm acesso a celular, computadores e internet, porque vivenciamos este capitalismo financeiro e globalizado; logo, todos têm acesso a esse tipo de serviço.
Portanto, na atual conjuntura de pandemia, a Fundação Bradesco ignora as diferenças sociais de seu corpo discente e acaba por intensificar os abismos educacionais, negando nosso atraso tecnológico: em torno de 42% das residências nacionais não há computadores. Isso piorou, posto que muitos estudantes de escolas não têm acesso à internet em casa ou mesmo têm apenas um computador/celular também sendo utilizados por outra pessoa do grupo familiar. Assim, uma das pernas deste duplo movimento realizado pela Fundação Bradesco foi a realização de um ensino remoto durante este período de afastamento social; a outra representa um movimento permanente e que define o atrelamento às diretrizes da coalizão global de educação: um novo velho modelo.
No dia 13 de abril de 2020, a Fundação Bradesco realizou um comunicado público em suas páginas digitais, da nova parceria com a International Business Machines Corporation (IBM) e a implementação de uma nova plataforma digital. Faz-se necessário lembrar que este é um movimento permanente, que deverá ter implicações e efeitos nos períodos temporais pós-pandemia, tanto para a sua rede de escolas quanto para o seu maior programa de educação a distância. Para uma melhor clareza, precisamos explicar a história e a imbricação dessa plataforma com algumas instituições ao logo do tempo, para que a sua origem seja compreendida, assim como a finalidade e os objetivos. Ressalta-se que este é um movimento permanente para a pós-pandemia e que propõe uma mescla entre educação presencial e educação a distância, como preveem as diretrizes da coalizão global de educação e, no Brasil, no movimento Todos pela educação.
A plataforma Open P-TECH foi criada pela IBM, no ano de 2010, como um modelo educacional cuja finalidade era a formação de um trabalhador de novo tipo, com pseudo-habilidades e competências nas chamadas Ciências Exatas. A iniciativa confirma a tendência mundial das grandes companhias de tecnologia que vêm investindo no ramo da educação. Todos esses modelos têm como foco a educação relacionada à tecnologia e apostas do neoliberalismo para a modernização da educação. Se uma das tendências esperadas do novo trabalhador é que este tenha um mínimo de conhecimento tecnológico para manejar os aplicativos e que tenha entranhada a ideologia do “microempresário”, o resultado é a naturalização da ausência de local de trabalho para que essas ideias sejam hegemônicas na sociedade.
Entre os anos de 2012 a 2017, o modelo expande-se, ultrapassa as fronteiras dos Estados Unidos e passa a ser aplicado em 200 escolas através de parcerias público-privadas, atingindo 100.000 alunos em 18 países, como declara a IBM. Além da formação em 5 anos de escolarização para o ensino médio, ao superior é acrescido mais um ano de estágio profissional, totalizando 6 anos de programa. Depois que os alunos concluem os cursos no OpenP-TECH, eles podem ganhar os chamados badges digitais, certificados reconhecidos pela indústria, que podem ser inseridos no currículo e ajudam no processo de candidatura a um emprego.
No ano de 2017, com a promulgação da reforma do ensino médio, Lei nº 13.415/2017, e em 2018, com a norma técnica da Base Nacional Comum Curicular (BNCC), criam-se as condições perfeitas para a introdução dos novos mecanismos que visavam conformar um novo trabalhador. Projetos estão pautados em princípios similares, já que preconizam a flexibilização do ensino. No Brasil, a primeira experiência ocorre com o Centro Paula Souza (CPS), autarquia do governo do Estado de São Paulo vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. O CPS administra as Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e as Escolas Técnicas estaduais (Etecs), atendendo mais de 208 mil alunos nas Escolas Técnicas e de 83 mil alunos nos cursos de graduação tecnológica.
No ano de 2019, a IBM comunica uma nova parceria com três APHs do capital. Dois desses são vinculados ao setor educacional religioso confecional e outro vinculado ao financiamento e propagação de valores e ideais liberais no Hemisfério Sul. No dia 20 de setembro de 2019, a IBM formaliza essa associação. A “Federação Internacional de Fé e Alegria” é uma associação educacional confencional, com fins lucrativos, presente em mais de 22 países da América Latina, Europa e África, em cerca de 4.000 centros educativos e mais de 1,5 milhões de alunos. A “Associação de Universidades Confiadas à Sociedade de Jesus na América Latina” (AUSJAL) compreende as trinta e três universidades jesuítas da América Latina. Já a Magis Americas tem como objetivos declarados arrecadar recursos nos EUA para difundir os ideais e princípios do liberalismo, da democracia, e promover, apoiar e acompanhar os parceiros jesuítas no Sul, especialmente na América Latina e no Caribe.
Dito o caminho percorrido e as imbricações do modelo educacional da IBM, adotado pela Fundação Bradesco, foi traçada a correlação histórica umbilical, tanto com a educação a distância em seus primórdios em terras brasileiras, quanto com a campanha pela aprovação da legislação educacional brasileira que lhe permitisse aprofundar seus tentáculos na formação do trabalhador de novo tipo. Parece que o modelo de escolas P-TECH fez com que se tirasse da gaveta um projeto que há muito tempo fazia parte das aspirações da Fundação Bradesco, como legitima representante das empresas privadas de educação. Esse movimento coaduna com as diretrizes do TPE para a EAD, pois aponta para a mescla da educação a distância e aulas presenciais nos anos vindouros. Além disso, as confirma como novas tendências do capitalismo informacional, e, consequentemente, as novas demandas do mundo do trabalho simples, tomando o caminho mais eficiente aos interesses do capital para cooptar a classe paupérrima da sociedade a acreditar na eficiência da transferência de responsabilidades sociais.
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