Por: Carol Burgos, da Redação
Um novembro turbulento. Em meio à crise do estado, à tentativa de jogar as contas nas costas dos trabalhadores e à reação dos servidores, duas notícias são, no mínimo, emblemáticas. Os ex-governadores do Rio de Janeiro, de grupos políticos que comandam o estado há anos, foram presos. Anthony Garotinho (PR) foi detido na quarta-feira (16), acusado em participação em esquema de compra de votos no município de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, reduto eleitoral do político e onde sua esposa é a atual prefeita. Já Sérgio Cabral (PMDB) também foi preso, nesta quinta-feira (17), como parte da Operação Calicute, da Polícia Federal do Rio de Janeiro, em conjunto com a Justiça Federal do Paraná. Cabral é acusado de ter recebido propina de empreiteiras que executaram obras no estado, como a do Maracanã, do Arco Metropolitano e o PAC Favela, em comunidades como Manguinhos e o Complexo do Alemão, por exemplo, que possui um dos piores IDHs do país.
Não foram poucas as vezes em que os trabalhadores fluminenses tiveram que se enfrentar com os dois políticos. Ambos, com histórias parecidas quando o assunto era privilegiar as empresas em detrimento dos direitos da população. Parte da crise em que hoje vive o estado é fruto dessas escolhas que continuam a ser implementadas pelo atual governo de Pezão e Dornelles, continuidade do governo Cabral. Os dois querem aprovar 21 projetos, que propõem, entre outras coisas, cortes de gastos, extinção de programas sociais, aumento dos impostos e elevação da contribuição previdenciária dos servidores. Pezão queria mais, o confisco de 30% dos salários. É por isso que em meio a essas duas notícias, foi visto com olhos atentos em todo o país uma manifestação aguerrida que reuniu mais de 30 mil pessoas em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Nesta quarta-feira (17), Garotinho passou mal e teve que ser levado da sede da Polícia Federal para ser atendido no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio de Janeiro. À noite, foi levado em uma ambulância do Corpo de Bombeiros para o complexo penitenciário Gericinó, em Bangu, mesmo sob protestos do parlamentar.
Já o ex-governador Cabral deve ser encaminhado para o Complexo de Presídios de Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, caso não seja comprovado risco à sua integridade, como alegou o Ministério Público em coletiva. A prisão de Cabral foi motivada por dois mandados, expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, e outro pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba.
Entre os escândalos que envolvem Sérgio Cabral, o principal é a suspeita de ter cobrado propina de empreiteiras de 2007 a 2014, enquanto esteve à frente do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Cabral receberia 5% do valor de cada obra. Ao todo, teria solicitado R$ 220 milhões em propina. Além da chamada “mesada” ao governador, as empresas ainda destinavam 1% para a chamada “taxa de oxigênio”, que era destinada a alguns do segundo escalão da Secretaria de Obras do Rio de Janeiro.
Além das obras federais PAC Favela, Maracanã e Arco Metropolitano, há denúncia de vantagem indevida sobre obras de contrato de terraplanagem, no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj. Cabral teria recebido R$ 2,7 milhões em espécie da empresa Andrade Gutierrez relativos a contratos da empresa no complexo. A empresa e a Carioca Engenharia fariam parte de um cartel de empreiteiras beneficiadas pela relação promíscua com o ex-governador e demais membros da quadrilha.
A denúncia ocorre ao mesmo tempo em que o complexo está inoperante e deixou milhares de famílias desempregadas e sem receber direitos, como é o caso dos trabalhadores da Alusa Engenharia que realizaram protesto nesta quarta-feira (16), no Rio de Janeiro, por não terem recebido direitos rescisórios até hoje. Apesar da investigação que motivou a prisão de Cabral estar relacionada com as empresas Andrade Gutierrez e a Carioca Engenharia, os operários denunciam que também houve favorecimento do governo sobre as obras executadas pela Alusa.
A relação íntima do ex-governador com as empresas já era conhecida pelos cariocas e fluminenses. Não foram poucos os escândalos, como a conhecida farra do guardanapo. A esposa de Cabral chegou a receber um anel do empresário Fernando Cavendish no valor de R$ 800 mil. Adriana foi alvo de condução coercitiva, apontada por ser beneficiária real de repasses de dinheiro.
Além disso, os trabalhadores do estado se enfrentaram por diversas vezes com o governo. Os educadores foram brutalmente reprimidos, em cenas que ficaram para a história carioca, também os bombeiros, que protagonizaram uma forte luta estadual. Agora, novamente acontece episódio parecido, no levante de 30 mil em frente `a Alerj. Quem criou essa crise foi Cabral, Garotinho, Pezão, a Andrade Gutierrez, a Carioca Engenharia e agora Pezão, Dornelles e todas as empreiteiras que enriqueceram todos esses anos às custas dos mais pobres. Já está provado que com os R$ 220 milhões, não precisaria se propor nenhum passo atrás em direitos sociais do estado.
Nenhuma confiança na Justiça, avançar na luta
Mas, não podemos confiar um milímetro na Justiça, na Polícia Federal, ou nas instituições que já demonstraram qual o seu lado. Não à toa, no episódio da invasão do MST ficou claro o papel da Justiça de Curitiba. A intenção de Sergio Moro e cia e de toda a Lava Jato não é imparcial, ou como dizem, vai “salvar o país da corrupção”.
Diante da desmoralização da política, da descrença nos políticos, a ‘Justiça’ burguesa adquire cada vez mais confiança. Não à toa, durante o anúncio da prisão do Cabral, o Ministério Público resgatou inúmeras vezes a crise e a calamidade em que se encontra o estado. Como se a Justiça fosse resolver os problemas da população, fruto, na verdade, da ganância dos capitalistas, do ajuste fiscal e da retirada de direitos sociais, que continuam a ser implementados e propostos pelos governos federal e estadual. Tentam passar a saída da possibilidade de um capitalismo humano e justo a partir do poder de uma Justiça imparcial, com autoridade de eliminar direitos minimamente democráticos, como a presunção de inocência. Com isso, atacam liberdades democráticas e trabalham em regime de exceção.
Apesar da prisão de Cabrais, a Lava Jato é parte de uma saída reacionária, age com seletividade e é expressão de luta entre setores da classe dominante para saquear as riquezas nacionais e não expressão dos anseios populares. As investigações já apontam que a farra com dinheiro público não parou depois de 2014. Se fosse realmente séria e imparcial a intenção da Polícia Federal, Pezão e Dornelles também seriam punidos. Por isso, só a mobilização dos trabalhadores vai conseguir tirar essa dupla do governo. É preciso avançar na luta, unificando todos os setores para barrar o pacote de maldades e todos os reflexos da crise criada por eles. Nessa luta, os policiais precisam fazer igual aos dois da corporação que se negaram a reprimir os manifestantes.
Operação
Cabral foi preso pela Polícia Federal como parte da Operação Calicute. Além dele, mais oito pessoas tiveram mandados de prisão preventiva e duas de prisão temporária decretadas, com prazo de cinco dias podendo ser revogada por mais cinco. Outras 14 de condução coercitiva, para prestar depoimento. Entre os alvos de prisão preventiva estão Wilson Carlos Cordeiro Carvalho, ex-secretário de governo das duas gestões de Cabral no comando do Rio, Hudson Braga, ex-secretário de obras de Sérgio Cabral, também envolvido em irregularidades na contratação de empresas na tragédia da Região Serrana, em 2011; Carlos Emanuel de Carvalho Miranda, sócio de Cabral na empresa SCF Comunicação; Wagner Jordão Garcia, ex-assessor de Sérgio Cabral e responsável pela “taxa de oxigênio”, propina cobrada das empresas; Luiz Carlos Bezerra; assessor de orçamento do ex-presidente da Assembleia Legislativa Paulo Melo, no mesmo período em que Sérgio Cabral governou o estado do Rio de Janeiro; José Orlando Rabelo, que foi chefe de gabinete de Hudson Braga; Luiz Paulo Reis, considerado pelo MP como “testa de ferro” de Hudson Braga.
Comentários