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MOVIMENTO

A luta dos bolsistas da Unicamp: não aos novos critérios da reitoria

Ellen Alves, de Campinas*
Rafael Jorge/STU

Em um momento de tamanha crise social, em um cenário com mais de 110 mil mortes pela Covid-19, o governo obscurantista de Bolsonaro e Dória seguem com seu projeto de desmonte da educação, em especial com o desmonte da educação pública nas universidades estaduais paulistas. No estado de São Paulo, ocorreu, no dia 13 de agosto, a publicação da PL 529/20 que prevê o confisco das reservas financeiras da universidades estaduais e da FAPESP. A reitoria da Unicamp também vem aplicando medidas privatistas, com a aprovação da proposta de pós graduação latus sensus paga e  com a aprovação de um corte de 72 milhões de reais no orçamento neste ano, a universidade agora deixa claro sobre quem irá recair essa crise.

Atualmente, a Unicamp conta com o Serviço de Atendimento ao Estudante que fornece bolsas de caráter sócio-econômico, através um processo extenso e complexo de seleção, nas quais os candidatos têm que apresentar diversos documentos e passar por entrevistas. Entre essas bolsas temos o Programa de Moradia Estudantil, a Bolsa de Auxílio Moradia, Bolsa de Auxílio Social e a Bolsa de Alimentação e Transporte. Estas bolsas, mesmo que com o objetivo de auxiliar na permanência estudantil dos estudantes de baixa renda, apresenta diversos problemas.  Por exemplo, a Bolsa de Auxílio Social, na verdade é uma bolsa trabalho, na qual o estudante bolsista trabalha 40 horas mensais para a Unicamp e recebe a partir disso.

A inscrição e seleção dos candidatos as diferentes bolsas ocorre através de uma deliberação realizada pela Câmara de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE). No dia 11 de agosto a CEPE apresentou um documento com uma proposta de alteração dessa mesma deliberação. Esta proposta apresentava mudanças de caráter meritocrático, estipulando o tempo de bolsa ao período mínimo para se formar no curso, além de barrar pós graduandos de conseguir e permanecer com bolsas, utilizando, por exemplo, como critério de desempate o candidato estar na graduação.  Inclusive, o primeiro artigo da proposta traz uma mudança na quantidade de concessão de bolsas que passaria a funcionar de acordo com a previsão orçamentária da universidade e não de acordo com a demanda, o que pode resultar em menos bolsas do que o necessário.

Muito mal formulada, a proposta de alteração também apresenta o critério chamado de COR como fator determinante para seleção da bolsa. Reconhecemos a importância desse critério, visto que ele consegue abarcar as pessoas que entraram por políticas afirmativas na Unicamp, um processo extremamente recente e que exigiu muito luta, gerando, inclusive, uma greve de 3 meses em 2016. Porém ele nos é apresentado na proposta separando pessoas pardas e de pessoas negras, com pessoas negras recebendo melhor pontuação para conseguir a bolsa. Esse é um debate que não leva em conta o mito da democracia racial, o processo violento de miscigenação ocorrido no Brasil e como a partir dela se estrutura a negritude brasileira. Foi preciso entrar em contato com a Comissão Assessora de Diversidade Étnico-Racial para que esse item da proposta fosse alterado unificando os ditos pretos e pardos.

Outro fator determinante que aparece em diversos artigos na proposta de alteração é o critério de caráter puramente econômico de 1,5 salário mínimo per capita. Por ser um critério extremamente excludente e econômico ele abre margem para distorções no processo de seleção. Por exemplo, uma família pode receber 1,5 salário mínimo per capita e ainda sim possuir uma dívida que vá além desse valor, ou seja, a família termina no vermelho e o estudante nem ao menos pode concorrer às bolsas.

Por último, mas igualmente preocupante, a nova proposta de deliberação indica que se o aluno for reprovado por falta em qualquer matéria, ele perde sua bolsa. Isso é outro critério acadêmico que não condiz em nada com a situação dos bolsistas e que passa por fora de todo um debate de saúde mental de quem enfrenta problemas de permanência.

Assim que essa proposta de deliberação foi apresentada no Conselho Universitário houve movimentações da representação discente para a retirada de pauta e adiamento de um mês da votação. A partir disso, foi feita uma reunião de convocação aos bolsistas e uma inclusão dessa pauta tão importante na Assembleia Geral que ocorreu no dia 20 de agosto. Essa assembleia contou com a participação de mais de 700 estudantes, entre os quais a maioria se demonstrava aflita e com medo de perder seus únicos suportes de permanência que são as bolsas estudantis. Além disso, houve a criação de 4 GTs: de mobilização, pesquisa, permanência e um último que realizaria uma contraproposta à proposta apresentada. Também foi chamado um ato que ocorrerá no dia 01 de setembro, dia em que será votada a proposta da CEPE.

A reitoria recuou sobre a medida que impunha que a duração da bolsa seria apenas sobre o tempo mínimo para se formar (integralização regular), bem como do critério COR mal formulado, mas outras mudanças como o cancelamento da bolsa caso o estudante reprove UMA matéria por falta persistem.

Tomando o caso da reprovação por falta como exemplo, a pesquisa realizada pelos estudantes, respondida por 1546 bolsistas, aponta que 18% dos bolsistas já reprovou por falta em algum momento. Isso pode acontecer por diversas razões, desde problemas pessoais/familiares/psicológicos, até pela permanência acadêmica precária da universidade. Entre as respostas, 84% dos estudantes afirmaram que não conseguiriam se manter na universidade sem bolsa, enquanto 15% afirmaram que TALVEZ conseguiriam. Isso significa expulsar centenas de estudantes da Unicamp.

A luta por permanência estudantil na Unicamp é uma luta constante e histórica. A própria conquista da moradia estudantil ocorreu em 1986, com a ocupação do Ciclo Básico na Unicamp pelo movimento TABA durante 2 anos. Sendo uma universidade extremamente elitista, as cotas étnico-raciais só foram conquistadas com a ocupação da reitoria da Unicamp através de uma greve de meses que mobilizou toda a universidade em 2016. Essas lutas demonstram o projeto de universidade das reitorias e do governo do estado, a implementação de políticas afirmativas que garantam não só a diversidade como a permanência na universidade de pessoas negras, indígenas e pobres só vieram com muita luta estudantil. Ao invés de avançar nas políticas de permanência estudantil, a reitoria se aproveita do esvaziamento da universidade para retroceder, atacando direito mínimos daqueles que mais precisam. As bolsas são um direito conquistado através de muita luta e são apenas um passo inicial para a transformação de uma universidade que tenha a cara que queremos: a do povo preto, indígena, periférico e pobre. Não aceitaremos que esses direitos sejam retirados.

 

*Ellen é estudante de Ciências Sociais da Unicamp, bolsista SAE militante do Afronte! e constrói o Centro Acadêmico de Ciências Humanas.

 

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educação / sao paulo