Pular para o conteúdo
BRASIL

Os avanços da privatização sobre os bancos públicos

Carine Martins, bancária da Caixa e Alexandre Zambelli, do Banco do Brasil
Roberto Parizotti/FotosPublicas

Este período de pandemia evidenciou algo que já era bastante evidente desde sempre. Os bancos públicos são importantes atores no desenvolvimento regional e nacional. Seja por chegarem em locais que não tem tanta atração dos bancos privados, como por serem agentes de operações de caráter social e de desenvolvimento de importantes setores da economia. Os reflexos disso se mostram nos números. A Caixa Econômica Federal (CEF) detém quase 70% de participação no mercado imobiliário e o Banco do Brasil (BB) é líder no mercado de crédito rural, sobretudo enquanto agente de programas para a agricultura familiar. Outros bancos regionais detêm ainda grande relevância, apesar dos avanços de desmontes sobre os mesmos, como o Banrisul, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste, dentre outros. Neste texto vamos focar por ora nos maiores de alcance nacional: CEF e BB. 

O processo de privatização da Caixa

O fantasma da privatização volta a assombrar a Caixa Econômica Federal (CEF). O Governo Bolsonaro criou a secretaria de desestatização e retomou o ciclo de privatizações iniciado por governos anteriores e ontem (07 de agosto) publicou a MP 995 que autoriza a privatização de diversas operações da Caixa.

Em entrevista ao jornal Estadão, no último dia 23, Pedro Guimarães, atual presidente da Caixa, confirmou a venda de setores estratégicos do Banco. “São quatro ramos importantes para a Caixa [operações de seguros, de cartões, de ativos e de loterias]. A entrada de novos investidores pode ser uma forma de aumentar a governança do banco com um todo”. No início do mês de julho Paulo Guedes confirmou, para a CNN, que este ano seria um ótimo ano para abertura do capital da Caixa. Em outra entrevista ao jornal Valor Econômico, Pedro Guimarães colocou mais um nome no pacote, o banco digital, que está sendo usado para o pagamento do auxílio emergencial. A plataforma poderá ser transformada em uma nova subsidiaria e teria o capital aberto em 2021.

Não é de hoje que vários governos tentam privatizar a CEF, mas a resistência não só da categoria, como também da sociedade vem freando esta situação. Segundo pesquisa realizada pela revista Fórum, a maioria da população é contra a privatização de empresas públicas brasileiras como CEF, Banco do Brasil e Petrobras. A Caixa foi a empresa com o maior percentual de pessoas contrárias a venda (veja o gráfico abaixo).

Revista Forum, abril de 2020

 

O fatiamento do banco em vários setores e a abertura de capital de subsidiárias é o mesmo que privatizar, porém é feito de uma forma que não chama tanta atenção da população (pois parece ser só uma pequena parte que está sendo vendida), além de burlar a legislação (já que um governo não pode privatizar uma empresa pública sem o aval do congresso).

Apesar de Bolsonaro já ter dado algumas declarações negando a possibilidade de privatização do banco, a publicação da MP 995 sinaliza a real intenção do governo, que caminha a passos largos para a venda. Contra as críticas o Governo argumenta que o atual projeto não desconfiguraria o papel social da Caixa por vender apenas alguns setores específico. Porém isso não é verdade. Tratam-se de setores estratégicos extremamente rentáveis ao banco. Além disso parte dos recursos financeiros obtidos nestes setores são destinados ao subsídio de programas sociais como minha casa minha vida e FIES. Sem esses recursos os programas sociais estarão cada vez menos acessíveis pra sociedade.

Como se já não fosse um grande ataque a intenção de vender a Caixa, esta situação se torna ainda pior por estarmos enfrentando uma pandemia muito grave, que já está gerando um contingente de desempregados e uma crise econômica sem precedentes em todo o globo. Por isso tramita na Câmara dos Deputados o PL 2715/2020, que propõe a suspensão das privatizações até um ano após o fim do estado de calamidade pública. Na prática, os processos de desestatização e desinvestimentos só poderão ser retomados em 2022.

O caso do Banco do Brasil

A estrutura do Banco do Brasil hoje já apresenta sinais mais elevados de entrega de patrimônio para o setor privado. Ainda em 2013 foi realizada uma oferta pública de ações (OPA) da BB Seguridade, braço de seguros, previdência e capitalização do Banco. Ou seja, um setor bastante rentável. À época, foi a maior oferta pública de ativos para um estreante da Bovespa. Embora esta oferta permitiu uma absorção de caixa no curto prazo pro Banco, como toda privatização gera seu efeito de médio e longo prazo. O próprio presidente do BB, em 2018, reconheceu o impacto nos resultados posteriores do Banco, e que o lucro que estava deixando de entrar deste setor estava fazendo falta (6).

Porém com a eleição de Bolsonaro as discussões de privatização do BB voltaram com mais força. Da mesma forma que com a Caixa, o processo de privatização do Banco não parece estar sendo realizada de forma ampla, mas sim através da venda de ativos da empresa que hoje geram importantes receitas. Em 2019 a política de desinvestimentos da carteira do Banco fez com que o mesmo realizasse oferta de suas participações nas empresas IRB e Neonergia. No começo deste ano já houve manifestação de interesse na venda da BB DTVM (gestora de fundos de investimento), que deu uma arrefecida diante da pandemia.

Aliás, este período da pandemia foi marcante dentro dos planos de privatização do BB. A reunião ministerial de abril que foi amplamente divulgada através de determinação do STF, contou com a presença do presidente do BB à época, Rubem Novaes. Nesta reunião o Ministro da Economia Paulo Guedes defendeu enfaticamente (com direito a palavrão) seu desejo de privatização, e endossado por Novaes. Porém o próprio Bolsonaro botou a princípio um pé no freio nestes desejos de privatização. Mas ela continua a acontecer de forma lenta, mas contínua. A mais recente delas foi a venda, no mês de Julho, de uma carteira de crédito para o BTG Pactual (banco privado de investimentos) que, inclusive, gerou pedido da Associação de Funcionários do Banco para que o Tribunal de Contas da União investigue a operação.

Na última semana foi a anunciada a saída de Rubem Novaes. Seu substituto, André Brandão, chega com a expectativa de acelerar venda de ativos do Banco. Estes processos demonstram a necessidade ainda maior de um movimento sindical mais atuante e vigilante para evitar que acabem com o patrimônio de empresas fundamentais para o país.