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Em Cubatão (SP), PSOL sofre boicote de “pesquisas” de manipulação de voto

Leandro Olimpio, da Baixada Santista (SP)

Fábio Mello, petroleiro e pré-candidato a prefeito de Cubatão, durante protesto na Refinaria de Cubatão (SP)

O debate sobre as eleições municipais começa a se intensificar na Baixada Santista. Em Cubatão (SP), berço histórico da classe operária, o tema das eleições já estimula discussões acaloradas. E parte do burburinho que toma conta das redes sociais, em meio à pandemia, é motivado pelas primeiras pesquisas de intenção de voto para Prefeitura e Câmara de Vereadores.

Até o momento, três pesquisas foram realizadas. O que chama atenção, porém, não são os percentuais obtidos pelos pré-candidatos, mas as evidências de que se tratam de consultas fraudulentas, muito provavelmente encomendadas por grupos políticos que se revezam há anos no poder. Com isso, os resultados são fabricados ao gosto do freguês e, como ponto em comum, uma estranha coincidência: em duas delas o pré-candidato a prefeito pelo PSOL, o petroleiro Fábio Mello, sequer aparece como opção de voto.

Poderia-se argumentar, em defesa de tais pesquisas, que no período eleitoral não há obrigatoriedade legal de constar os nomes de todos candidatos. Neste caso, então, só restaria outro critério: relevância política. É justamente por esta razão, e não por motivos apenas legais ou democráticos, justos por si só, que a ausência de Fábio Mello indica um boicote ao PSOL.

Com forte atuação no polo industrial de Cubatão, principalmente entre os trabalhadores próprios e terceirizados da Petrobrás, e entre aqueles que hoje integram o exército de mais de 12 milhões de desempregados, Fábio Mello conquistou, nas eleições de 2018, a terceira maior votação para deputado federal na cidade. Dos 7.679 votos que recebeu, 3.111 foram depositados pela classe trabalhadora cubatense. Com isso, ficou atrás apenas dos “fenômenos eleitorais” Eduardo Bolsonaro  e Rosana Valle (PSB), desbancando não apenas candidatos tradicionais da cidade, mas aqueles apoiados por figuras políticas locais.

Cabe lembrar ainda que a pré-candidatura de Fábio Mello foi tornada pública no dia 21 de março, na página do PSOL Cubatão no facebook, e repercutida pelo jornal A Tribuna, em sua edição de 24 de abril. Portanto, não é verossímil acreditar que se trata de um equívoco. A ausência de seu nome nas duas pesquisas se explica justamente por sua relevância e força política na cidade.

Origem, financiamento e divulgação suspeitas

A primeira consulta foi feita pela Data News Brasil, empresa sediada em Barretos (SP), num endereço residencial. No site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é possível encontrar a pesquisa, mas este fato por si só não lhe dá credibilidade, pois as informações apresentadas não passam por nenhuma conferência prévia. Ainda assim, os dados fornecidos não deixam de ser úteis.

Segundo a Data News, a pesquisa teria sido realizada nos dias 4 e 5 de junho, abordando pessoalmente 597 pessoas espalhadas em 22 bairros, agrupados em sete áreas da cidade. Para entrevistar tantas pessoas, num período tão curto, com todos os cuidados necessários em função da Covid-19, é de se imaginar a estrutura de equipe e logística exigida. Ainda assim, o valor cobrado pelo serviço não foi nenhum absurdo: R$ 7.500,00.

Cabe notar ainda que a Data News não foi somente a empresa responsável por executar a pesquisa, mas também por encomendar o serviço. Ou seja, foi contratante e contratada, pagando a si própria R$ 7.500,00. Sobre esta curiosa situação poderíamos, num gesto de boa fé, lembrar que institutos como Datafolha e IPAT, da Folha de S. Paulo e A Tribuna, respectivamente, realizam pesquisas para atender demandas de natureza jornalística dos próprios veículos. Entretanto, esse caso não se aplica à DataNews, pois não possui veículo jornalístico e sequer site próprio na internet. Diante disso, é de se questionar com qual finalidade teria saído do interior de São Paulo, em plena pandemia, para realizar por dois dias uma pesquisa sem fins lucrativos.

Registrada no site do TSE em 5 de junho, a suposta pesquisa da Data News dias depois foi publicada no jornal A Tribuna, o maior da região, como informe publicitário – detalhe só legível aos mais atentos. Salta aos olhos o fato de que a diagramação do anúncio foi conscientemente inspirada no próprio layout do jornal, inclusive em forma de “reportagem”, levando uma parte considerável dos leitores a acreditar que se tratava de uma matéria e não de um anúncio. Outro detalhe importante é que a publicação ocorreu em 14 de junho, um domingo, ocupando meia página na edição que é reconhecidamente a mais cara de qualquer jornal diário. Tal anúncio chega a custar em média R$ 40 mil, cinco vezes o valor da própria pesquisa. Diante disso, outra dúvida se impõe: quem pagou este anúncio, para quem e com qual objetivo?

A segunda “pesquisa”, realizada supostamente pela Looping Instituto, é ainda pior. Não foi registrada no site do TSE, uma obrigação em ano eleitoral, não possui site na internet e nem mesmo CNPJ. Não se sabe, afinal, que empresa é essa. Para agravar a situação, trata-se aparentemente de um material em arquivo PDF que passou a circular, pelo menos desde 21 de junho, em grupos de whats app – rede na qual a origem da mensagem, assim como seus responsáveis, é difícil identificar. A terceira “pesquisa” repete o mesmo enredo: sem registro no site do TSE, circulação somente nos grupos de whats app e origem desconhecida. A gravidade está no uso indevido, e portanto criminoso, do nome de uma empresa de Porto Alegre (RS) – o Instituto Methodus -, esta sim real e com atuação reconhecida no sul do país. Uma  consulta rápida no TSE demonstra que não há, por parte desta empresa, nenhuma pesquisa sobre o cenário eleitoral em Cubatão.

Talvez para “disfarçar” o boicote ao PSOL, os autores dessa fraude resolveram incluir a pré-candidatura de Fábio Mello. Mas com apenas 1% de intenção de voto, afinal excluir o nome de um adversário não é a única forma de fazer jogo sujo. Situá-lo entre os candidatos menos lembrados é também uma forma muito comum e perversa de tentar prejudicar um oponente político através de pesquisas fraudulentas.

A apropriação das pesquisas eleitorais por grupos políticos com poder econômico para manipular e influenciar o voto do eleitor não é novidade. Mas é inegável que, diante da expansão do acesso à internet, o caminho está mais fácil e diversificado, pois as redes de distribuição são ainda mais poderosas. As fakenews são o maior exemplo disso. E não bastassem as próprias pesquisas fraudulentas, se multiplicam em páginas das redes sociais enquetes sobre os candidatos preferidos dos seus seguidores. Essa ferramenta, que é proibida a partir do período eleitoral, não possui nenhum método científico, gerando invariavelmente resultados distorcidos que podem interferir na percepção dos eleitores sobre quais candidatos estão mais fortes ou fracos, o que por consequência pode ser decisivo para o voto.

Mas para o azar dos adversários do PSOL, a pré-candidatura de Fábio Mello é o acúmulo de um trabalho junto às operárias e operários de Cubatão, junto aqueles que há anos lutam por emprego e por direitos sem qualquer apoio daqueles que se revezam no poder. Não há boicote que apague da memória desses trabalhadores quem atuou e segue atuando em defesa do emprego e dos direitos, quem se posicionou contra todas as atrocidades que hoje impedem a maioria de viver com dignidade. Contra o vale tudo eleitoral, cabe ao povo cubatense fortalecer o projeto político que no dia a dia, na porta das fábricas, nas ruas e protestos, tem se colocado contra os retrocessos sociais, em defesa da democracia e da vida.