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Porque parte da população nega a gravidade da pandemia?

Roberto Parizotti / FotosPublicas

Carreata contra quarentena, Av. Paulista

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

Muitos se perguntam porque tantas pessoas no Brasil apoiam a política do Governo Federal de ignorar os riscos da Covid-19. Seria o nosso povo ignorante e indisciplinado, por isso não consegue tomar os cuidados necessários?

Em alguns casos, a simples falta de empatia com o próximo faz a pessoa achar que é besteira tomar cuidado e tudo bem que 70% da dos brasileiros se contaminem e um milhão morram. Em outros casos, fingir que o problema não existe é uma fuga psicológica confortável diante de problemas graves. Uma terceira explicação é que alguns se entregam ao fatalismo, a ideologia que faz as pessoas acreditarem que tudo é ruim mesmo e não há nada o que fazer.

Mas isso ainda não explica o fato de 28% da população defender que o isolamento social acabe, mesmo que isto faça a doença se espalhar.  Temos que ir na raiz do problema e jamais culpar a classe trabalhadora.  Há vários outros fatores que explicam o chamado negacionismo. Vejamos:

 A situação material do povo deve ser levada em conta

O frase “é melhor morrer do Corona Vírus do que morrer de fome” é atrativa para a maioria dos trabalhadores. Não podemos julgar quem está desesperado para alimentar a família. O governo aprovou o auxílio emergencial de R$ 600,00 para alguns, mas milhões de pedidos ainda estão em análise e muitos recebem em atraso. Além disso, o valor não cobre a perda da renda de várias famílias. Sem falar nos milhões que tiveram o salário reduzido. Além disso, a pressão dos patrões para que os empregados não façam a quarentena é grande.

O pagamento do auxílio emergencial fez a credibilidade do governo aumentar em algumas camadas da população. De acordo com pesquisa do Datafolha, Bolsonaro subiu três pontos percentuais na avaliação positiva entre os que ganham até dois salários mínimos. Entre os assalariados sem registo, que é justamente o público alvo do auxílio emergencial, a aprovação subiu de 31% para 44%. A queda de aprovação do governo na classe média com a saída de Sérgio Moro foi compensada com o aumento nas classes populares com o auxílio emergencial.

Quem passa por dificuldades tem um senso prático apurado. E isto faz com que o povo tenda a acreditar em quem oferece alguma ajuda. Ou seja, se o governo que está dando um auxílio diz que as pessoas devem sair de casa, alguns vão acreditar. Já foi comprovado que quem apoia este governo é mais negacionista.

E não podemos nos esquecer das condições precárias de moradia de boa parte dos trabalhadores. Ficar 24 horas por dia dentro de um barraco pequeno com várias moradores é algo bem difícil. Em alguns casos, as mulheres estão com seus agressores. Os moradores das periferias não estão “furando a quarentena porque não têm consciência”, eles estão tentando sobreviver.

“O homem cordial” brasileiro e o negacionismo

A expressão criada por Sérgio Buarque de Holanda costuma ser mal interpretada. Ao falar em “homem cordial”, o autor de “Raízes do Brasil” não quer dizer que o brasileiro trata bem as pessoas. Na verdade, ele mostra o brasileiro como um povo que se move por laços de sentimento e afinidade.

Ou seja, para este “homem cordial”, se a pessoa não é parte do seu círculo afetivo, ela não é digna de empatia. Para que ele realmente se importe com alguém, é necessário que este alguém seja seu familiar, vizinho ou irmão de igreja. Nossa sociedade avançou muito desde os tempos do famoso sociólogo, mas parte de nossa população ainda é influenciada pelo comportamento vindo dos tempo da colonização portuguesa.

Na pior das hipóteses, a Covid-19 vai matar 1 milhão de pessoas no Brasil.  Suponhamos que cada uma tenha 20 entes queridos, serão 20 milhões diretamente afetadas por aqui. Isto é 10% da população do país, que tem cerca de 200 milhões de habitantes. Os outros 90% não têm motivos para se importar, de acordo com os ideais do “homem cordial”. “Morreu, problema dele, antes ele do que eu”, como diz o dito popular.

Se poucos conhecem alguém que morreu de Covid-19 no bairro, igreja ou família, todos conhecem um pequeno empresário que faliu, um pai de família que perdeu o emprego ou alguém que teve redução na renda. Dentro da lógica do “homem cordial”, é mais fácil se importar com um conhecido que teve o salário cortado do que com um desconhecido que morreu.

Fazer as pessoas sentirem empatia com quem não conhecem é um trabalho de convencimento político. Podemos ser vitoriosos ou derrotados nisso, não há nada garantido.

Fundamentalismo religioso também contribui

Outro traço marcante do brasileiro é a religiosidade, que faz muitos se acharem imunes aos desastres. Em Salmos, capítulo 91, versículo 9, a Bíblia diz: “Mil cairão ao teu lado, e dez mil, à tua direita, mas tu não serás atingido”. Os grupos religiosos são o único suporte social que milhões de brasileiros conhecem. Como dito anteriormente, quem vive no desespero desenvolve um senso prático apurado e tende a acreditar em quem oferece uma ajuda.

Para alguns, a doença seria coisa de pessoas de pouca fé, talvez até um castigo divino. Claro, não podemos generalizar. Há líderes religiosos que estão ajudando na prevenção. Mas outros estão no time negacionista.

A luta não está perdida. Temos muito o que fazer

Vários aspectos de nossa cultura ajudam no discurso contra o isolamento social. As dificuldade materiais impedem a quarentena em vários casos. Apesar disto, cerca de 40% da população segue em casa. A maioria usa máscara ao sair na rua. Isto não é pouca coisa. Se por um lado não conseguimos evitar que o vírus se espalhe, por outro a carnificina desejada por Bolsonaro não se concretizou. O brasileiro não é burro. Ainda há esperanças.

O que fazer? Em primeiro lugar, as campanhas de solidariedade podem abrir um canal de diálogo importante. Entregar cestas básicas não é assistencialismo, é uma ajuda justa e necessária em um momento de crise. E essa solidariedade gera laços de confiança. Pela terceira vez, é bom lembrar: povo tem um senso prático apurado.

E também temos a campanha pelo Fora Bolsonaro. Plenárias virtuais, panelaços, twitaços e alguns atos (respeitando o distanciamento social) estão sendo realizados pelo país. Este movimento hoje é urgente para a defesa da democracia e das vidas.

O fascismo não é invencível. O auxílio emergencial deve ser cortado ainda este ano, o que pode gerar revolta contra o governo. Quando a quarentena acabar, os negacionistas não terão mais sua “bandeira”. Ficarão como o cachorro que corre atrás da roda do carro e não sabe o que fazer quando o carro para. Aqueles que acham que a vida vai voltar ao normal e a economia vai voltar a crescer terão sua ilusão confrontada com a realidade.

Hoje, uma boa parte da dos trabalhadores já ouve com atenção o que a resistência contra Bolsonaro tem a dizer. O jogo pode virar. Não podemos desistir agora. Não podemos desistir de nosso povo.