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A vitória de Zohran Mamdani aponta o caminho a seguir
Publicado em: 6 de novembro de 2025
Não se esperava que um socialista democrata fosse capaz de conquistar um cargo importante como o de prefeito de Nova York, apesar das objeções dos bilionários. No entanto, Zohran Mamdani e o movimento por trás dele construiu uma campanha muito mais forte do que a dos oligarcas e seu dinheiro ilimitado.
Não se esperava que isso fosse acontecer. Quando Zohran Mamdani lançou sua campanha para prefeito em outubro de 2024, o próprio candidato provavelmente foi a única pessoa na cidade que pensava que ele poderia vencer.
A eleição de Donald Trump duas semanas depois consolidou o consenso dominante de que a cidade de Nova York e o país estavam girando decisivamente à direita. Mudar para um “centro moderado”, como nos foi dito, era a única chance do Partido Democrata de sobreviver eleitoralmente. Mesmo os mais otimistas dos apoiadores de esquerda de Mamdani achavam que o melhor dos cenários seria uma derrota respeitável nas primárias para prefeito.
A histórica vitória da noite passada provou que os céticos estão errados. Apesar dos milhões de dólares investidos em anúncios de ataque comprados por bilionários e apesar das tentativas de Trump de chantagear os eleitores para que apoiassem Andrew Cuomo, os nova-iorquinos estão enviando um socialista democrata de trinta e quatro anos para a Gracie Mansion com um mandato forte para tornar nossa cidade acessível novamente.
Acontece que as coisas não precisam continuar piorando cada vez mais. Em um momento de aprofundamento dos ataques autoritários, astronômica desigualdade econômica e desordem do Partido Democrata, as ondas de choque do terremoto político de Mamdani serão sentidas em todo o país. A principal mensagem desta campanha – mais acessibilidade, menos bilionários – não é menos relevante fora de Nova York.
Transformar a visão de Zohran em realidade não será fácil. Algumas das pessoas e instituições mais poderosas do mundo estão fazendo de tudo para nos parar. Mas transformar nossa cidade é possível, se um grande número de nova-iorquinos comuns se juntarem à luta. Os oligarcas dos Estados Unidos estão certos de estarem preocupados.
Como ele venceu
Como Mamdani conseguiu uma das vitórias mais improváveis da política estadunidense moderna? Desde a vitória nas primárias, os especialistas têm se esforçado têm se esforçado para minimizar o significado político desta disputa, procurando acentuar qualquer conclusão que não seja a mais óbvia: Zohran foi uma voz autêntica de uma plataforma que expressava a raiva da classe trabalhadora em relação a um status quo falido.
Sim, é verdade que Andrew Cuomo e Eric Adams eram candidatos imperfeitos. E, sim, é verdade que Mamdani é carismático e sua equipe brilhantemente aproveitou as redes sociais. Mas o dinamismo desta campanha não pode ser separado de sua concepção política.
Nem mesmo o conteúdo da campanha de Mamdani se resumiu apenas a discutir sobre questões domésticas – uma estratégia que consultores democratas centristas agora estão promovendo como uma panaceia para as debilidades do partido. Sim, seu enfoque foi reduzir o custo de vida dos trabalhadores. Mas Mamdani se destacou ao se concentrar incansavelmente sobre três planos excepcionalmente ambiciosos – creches gratuitas, ônibus rápidos e gratuitos, aluguéis congelados – para tornar Nova York acessível por meio de ações governamentais e não pelo incentivo do livre mercado. E, fundamentalmente, ele insistiu que tudo isso seria pago pela taxação dos ricos. Isso não era clintonismo.
Não menos importante, Zohran era um mensageiro confiável para esta visão transformadora porque ele não estava vinculado ao dinheiro corporativo ou fazia parte de uma estrutura democrata decadente. O fato de Mamdani ser um socialista democrata e que ele recusava abandonar os palestinos assinalou seu autêntico perfil de um estranho para milhões de nova-iorquinos acostumados com políticos tradicionais que dizem uma coisa e fazem outra.
Assim como Bernie Sanders antes dele – e ao contrário de candidatos como Kamala Harris – quando Zohran falava sobre trabalhadores contra bilionários, você sabia que ele estava falando sério. Isso estava na base daquela credibilidade que Zohran, com a ajuda de incontáveis ativistas dos Democratic Socialists of America (DSA), construiu uma máquina de campanha sem precedentes, com mais de 90 mil voluntários. Não se pode ter o zohranismo sem a política de Zohran.
Sua campanha, conduzida de modo excelente, foi uma condição necessária para a vitória, mas não teria chegado tão longe se não tivesse coincidido com as mudanças radicais na opinião pública. Zohran conseguiu o que sonhavam as campanhas de Bernie de 2016 e 2020, mas nunca conseguiram realizar: remodelar dramaticamente o eleitorado inspirando novos eleitores (a maioria de jovens), enquanto também conquista um grande número de democratas tradicionais desencantados com a estrutura do partido.
Usar um broche ou camiseta de Zohran nos últimos meses tem sido uma forma infalível de receber constantes sinais de aprovação ou aplausos de completos estranhos por toda a cidade. Zohran não apenas se destacou entre millennials e zoomers com ensino superior no chamado “Commie Corridor”, mas também venceu em bairros de classe trabalhadora como Brownsville e East New York. Ele também prevaleceu entre o público de mães mais velhas, liberais de classe média, conhecidas como “mães apreciadoras de vinho” – grupos essenciais da base democrata que se radicalizaram diante da incapacidade de Chuck Schumer e Hakeem Jeffries de fazer uma oposição efetiva a Trump.
A vitória desta noite demonstra que os jovens e um amplo número de trabalhadores estão cansados do modelo tradicional e buscam uma alternativa. No entanto, figuras dominantes de ambos os lados certamente rejeitarão o resultado de hoje como uma exceção de uma cidade extremamente democrata, impossível de replicar, pois os eleitorados em outras regiões são mais moderados. Mas três dos últimos quatro prefeitos de Nova York (Eric Adams, Michael Bloomberg e Rudy Giuliani) dificilmente podem ser considerados progressistas. E este argumento assume erroneamente que a maioria dos estadunidenses tem preferências políticas coerentes e se encaixa perfeitamente em um eixo que vai do muito conservador ao muito liberal. Estadunidenses estão sentindo o aperto em todos os lugares e superar o MAGA requer direcionar essa ira para cima – contra o corporativismo – a fim de evitar que ela seja canalizada contra imigrantes e crianças trans.
Como mostram pesquisas do Center for Working-Class Politics, nossa melhor estratégia para derrotar eleitoralmente o trumpismo é a mesma em todos os cantos do país: campanhas populistas econômicas em torno de candidaturas autenticamente anti-elite. Isso pode significar candidatar-se como independentes em regiões onde a marca Democrata é tóxica. Em estados republicanos como o Nebraska, ter um emprego operário ou um histórico de militância sindical pode ser um sinal anti-elite mais eficaz do que um cartão de membro do DSA. Embora a forma do populismo econômico possa variar regionalmente, a mensagem política fundamental será a mesma: que a classe trabalhadora merece segurança econômica e dignidade e que é hora de fazer os bilionários pagarem. A vitória desta noite certamente estimulará inúmeros esforços semelhantes por todo o país.
Entre na luta
Como a política da classe trabalhadora tem muito potencial para deslocar o centrismo democrata e o autoritarismo republicano, um governo Mamdani bem sucedido representa uma séria ameaça aos líderes dominantes de ambos os partidos, sem mencionar os bilionários histéricos que vêem até mesmo aumentos modestos de impostos como o advento do comunismo. Devemos esperar que as elites, começando pelo presidente Trump, façam todo o possível para impedir que Zohran implemente sua agenda.
Eleger um lutador para a prefeitura não basta para reverter essa situação contra adversários tão poderosos. É preciso que milhares de pessoas comuns na cidade e no estado entrem na luta a partir desta noite.
O fato de políticos tradicionais, como a governadora Kathy Hochul, terem endossado Mamdani testemunha a força do movimento a seu favor. Contudo, a contínua recusa da governadora, detentora do poder de veto, de apoiar a taxação dos ricos ilustra o quanto ainda precisamos atravessar. Para pressionar Hochul e outros políticos tradicionais a financiar reformas transformadoras — e para manter a popularidade de Zohran diante de ataques e crises inevitáveis — esse movimento precisa se ampliar e se aprofundar.
Após vitórias como a desta noite, é fácil superestimar a força da esquerda. Mas é claro que a decadência do domínio democrata abriu espaço para que a influência eleitoral da esquerda cresça bem além de nossa organização nos bairros e locais de trabalho da classe trabalhadora. A maioria dos nova-iorquinos não é sindicalizada, a maior parte dos sindicalizados não é ativa e muito do ecossistema progressista mais amplo permanece segmentado em pequenas ONGs geridas por profissionais. Embora seja uma ótima notícia que a DSA de Nova York cresceu para mais de 11.300 membros, isso ainda representa uma fração dos quase cem mil panfleteiros da campanha e uma fração ainda menor dos mais de um milhão que votaram em Mamdani.
Esse desequilíbrio entre a força eleitoral e não eleitoral da esquerda é um fenômeno relativamente novo. Em contraste, os “socialistas do esgoto” de Milwaukee conquistaram a liderança dos sindicatos mais de uma década antes de vencer a prefeitura em 1910 — cargo que exerceram efetivamente por cinquenta anos. O maior prefeito de Nova York, Fiorello La Guardia, conseguiu aprovar uma agenda populista ambiciosa e ajudar a tirar a cidade da Grande Depressão, em parte porque contava com um movimento sindical em expansão nos anos 1930.
A tarefa que temos pela frente é aproveitar o ímpeto da vitória de hoje, somado aos recursos da prefeitura e ao alcance da enorme plataforma de Zohran, para reverter a engenharia de um movimento de classe trabalhadora forte o suficiente para transformar Nova York. Muitos farão isso ao aderir à DSA, outros sindicalizando seus locais de trabalho e alguns pelos dois caminhos.
O mais urgente é que muitos nova-iorquinos precisa se unir a grandes lutas coletivas para conquistar creches gratuitas, habitação acessível e transporte público gratuito, por meio da taxação dos ricos — além de proteger os vizinhos sem documentos da brutalidade do Immigration and Customs Enforcement, com ações não violentas de massa, como paralisações escolares. Mudar a correlação de forças por meio de uma organização voltada para o exterior terá impacto muito maior para tornar a plataforma de Zohran uma realidade do que as críticas intermináveis às inevitáveis limitações e concessões do governo.
Ninguém pode prever o que virá à frente. Trump está escalando sua tomada de poder em todo o país e bilionários em Nova York não estão cedendo facilmente seus poder ou seus lucros. Temos a certeza que enfrentamos toda sorte de crises e retrocessos nos próximos meses e anos.
Ainda assim, a impressionante vitória de Mamdani deu aos trabalhadores e à esquerda uma forte injeção de expectativas elevadas, num momento em que medo e resignação são a norma. Isso não é pouco. Como o socialista do esgoto de Milwaukee Victor Berger observou em 1907: “O desespero é o principal inimigo do progresso. Nossa maior necessidade é a esperança”.
A vitória desta noite deve nos inspirar a nos organizar com mais determinação do que nunca pela cidade — e pelo mundo — que sabemos ser possível. Como Zohran hoje, Berger entendia que “a terra é grande e ampla o suficiente para prover todas as coisas boas da vida a cada ser humano que nela nasce… [Mas] para conseguir um mundo melhor, teremos de trabalhar e lutar por ele.” Essa luta está apenas começando.
Traduzido de Zohran Mamdani’s Victory Points the Way Forward por Paulo Duque, do Esquerda Online
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