Já é claro que Bolsonaro não é unanimidade no andar de cima. Apesar de ter se apresentado como única possibilidade para a burguesia – nas suas diversas frações – no pleito de 2018, o governo de Bolsonaro vem apresentando dificuldades e fissuras desde o momento em que assumiu. Não é à toa que o próprio Bolsonaro participava de convocações de atos contra o Congresso no início de março, uma jogada que claramente tentava avaliar seu potencial de sustentação popular caso não houvesse mais coesão que sustentasse sua presença na cabeça do governo. De todo modo, com o aprofundamento da crise do coronavírus, também se agudizou as contradições que antes já se expunham. Ao contrariar as recomendações adotadas por governos ao redor do mundo, Bolsonaro entrou em rota de colisão com os outros poderes e se indispôs frontalmente com governadores de diversos estados. Se anteriormente a oposição de governadores provinha quase exclusivamente dos estados do Nordeste, agora os sinais de enfrentamento se dão de forma mais disseminada no país, apontando conflitos inclusive com políticos outrora aliados. É o caso de João Dória (PSDB/SP) e Ronaldo Caiado (DEM/GO), importantes representantes políticos da burguesia que nas últimas semanas criticaram duramente Bolsonaro e seu descaso perante a atual crise.
O que muda claramente nesse novo momento do governo é a popularidade de Bolsonaro com a população. Segundo apontam as pesquisas, o nível de satisfação com o posicionamento de Bolsonaro em relação à crise do coronavírus é baixo e isso vem puxando também os níveis de aprovação do governo. A preocupação com essa questão é evidente quando o presidente demite o Ministro da Saúde por este ter um nível de aprovação maior do que o dele. Bolsonaro sabe que o que o sustenta na presidência, que também é o que o tornou palatável em 2018, é a sua capacidade de mobilizar uma parcela da população. Ter essa habilidade colocada em xeque significa a sua própria presidência ser posta em risco, minando a frouxa coesão que o mantém. Por essas razões, o presidente aposta todas as suas fichas na fração mais radicalizada da sua base, os “bolsonaristas”, e apela para todo o negacionismo, conspiracionismo e golpismo que emana desse movimento. Recentemente circulou na internet a informação de que o presidente estava divulgando haver um dossiê sobre uma conspiração golpista contra ele, arquitetada por parlamentares. Neste último domingo (19/04), Bolsonaro participou e discursou em atos que pediam um novo AI-5 e uma intervenção militar. O que não se esperava, entretanto, era que um fato como a demissão de Sérgio Moro fosse também se somar como mais um elemento para o escancaramento da crise do governo.
Se com a demissão de Mandetta e as ações de Governadores se fez necessário radicalizar o discurso golpista, agora a situação toma contornos ainda mais dramáticos. Mandetta, Moro e Guedes nunca foram representantes do bolsonarismo, sendo representantes de outros setores da burguesia que davam exatamente a caracterização de representação das múltiplas facções da elite. Mandetta era um representante nato do centrão, tendo sua carreira política inteiramente construída no PMDB e no DEM. Moro, o “paladino da justiça”, representava o lavajatismo, o recurso moral na narrativa dos apoiadores de Bolsonaro e a relação promiscua com o judiciário. Guedes, o homem do empresariado, o representante do mercado. Os três balanceavam a correlação com os ministros bolsonaristas/olavistas. Agora só resta Guedes, fragilizando a complicada coalização burguesa por trás do governo. O governo cada vez mais toma a forma do “bolsonarismo puro”.
Para se defender das acusações de Moro, que apontou interferências políticas de Bolsonaro na PF, o presidente proclamou um discurso confuso, uma verdadeira “DR” em rede nacional. De todo modo, fez questão de demarcar que está “lutando contra o establishment”, num enfrentamento contra “gente poderosa”. Esse pronunciamento, combinado com os atos pró-intervenção militar, demonstra claramente a narrativa montada: há uma ameaça ao seu governo. Os seus poderosos inimigos querem derrubá-lo. Portanto, é preciso que, em ordem de manter o “capitão” no poder, ocorra algum tipo de fechamento do regime. Apesar de já ter apontado a predileção por esse tipo de abordagem, talvez essa solução não aparecesse de forma tão possível para Bolsonaro em tempos de normalidade. Parafraseando o jargão “empreendedorístico”, essa é a oportunidade que surge com a crise. De todo modo, as quedas de braço e apostas arriscadas do andar de cima mascaram a real problemática: o que sobra para nós, do andar de baixo? Qual a nossa solução?
É imprescindível que a esquerda se una na palavra de ordem “Fora Bolsonaro”
O aumento de casos e mortes por Covid-19 e os sinais de afrouxamento do isolamento social – incentivado por Bolsonaro e acatado por parte da população – demonstram a urgência de uma saída. Os conflitos do governo podem desembocar na saída de Bolsonaro, mas isto significaria um remanejo por cima, controlado e alheio à intervenção popular. Além do mais, as figuras saídas do governo Bolsonaro (Moro e Mandetta), assim como os antigos aliados (Dória) tentarão capitalizar com a crise atual, buscando criar capital político para 2022. É imprescindível que a esquerda se una na palavra de ordem “Fora Bolsonaro”. Numa crise que já ceifa milhares de vidas e terá resultados ainda mais catastróficos, é preciso remover Bolsonaro e todos aqueles que representam o mesmo projeto – e suas variações. Nesse momento há uma parcela da esquerda que claramente aposta numa estratégia de enfrentamento de baixa intensidade com o governo, ou articulando alianças preferencialmente com setores desgostosos da burguesia. É preciso, ao contrário, de uma unidade de esquerda que proponha uma alternativa diante da crise que reflita os anseios, problemas e necessidades populares. Uma solução desse calibre não virá dos andares de cima, no qual mesmo os que agora antagonizam Bolsonaro demonstram flexibilidade quando o assunto é salvar vidas da classe trabalhadora. Uma unidade de esquerda comprometida exclusivamente com as necessidades do povo e não com as vontades do mercado é o que se precisa nesse momento. Mais do que nunca tal unidade é um caso de vida ou morte.
*Mestrando de Filosofia da PUCRS.
LEIA MAIS
Comentários