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Vazamento de nudes: riscos, consentimento e como se proteger


Publicado em: 2 de outubro de 2025

Gabriela Visani, membra do Grupo de Estudos de Tecnologia e Política do EOL

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Esse ano, o tema dos vazamentos de nudes tem estado em alta. No começo do ano, o tema apareceu na série Adolescente, depois tivemos as denúncias das mulheres do forro de São Paulo sobre um grupo ilegal no telegram de compartilhamento de nudes, e mais recentemente houve o vídeo “adultização”, do youtuber Felca, que, entre outras denúncias, foi apresentado que existem grupos de telegram de divulgação de nudes de menores de idade. Com esse tema em alta, achamos importante parar um momento para discutir sobre como se dá esse tipo de assédio e quais práticas podem ser empenhadas para mitigar os riscos.

O vazamento de nudes faz parte de uma categoria mais ampla chamada assédio sexual baseados em imagens. Esse termo abrange diferentes práticas, como revenge porn (quando um ex-parceiro divulga imagens íntimas), sextortion (extorsão em troca da não divulgação de imagens), upskirting (fotos por baixo de saias, sem consentimento), entre outras. Pesquisadores preferem usar esse termo justamente por destacar que todas essas práticas são assédio, independentemente da motivação (financeira, vingança, gratificação sexual, etc.).

No Reino Unido, uma pesquisa com mulheres da University of Bedfordshire revelou que, entre os casos de vazamento sem consentimento, 56% das imagens foram tiradas voluntariamente em relacionamentos, 14% forçadas ou coagidas e 24% não sabiam que as imagens estavam sendo tiradas. Esses dados reforçam um padrão global: mulheres têm mais chances de sofrer assédio por parte de conhecidos do que de desconhecidos. A pesquisa também mostrou que 52% das vítimas relataram que familiares ou amigos tiveram acesso às imagens, e 20% acreditam que estranhos as viram. Mais da metade das entrevistadas afirmou ter recorrido à auto agressão após o ocorrido, além de relatar impactos graves como isolamento social, mudanças no trabalho e piora na saúde psicológica.

Fica evidente, portanto, que esse tipo de violação da privacidade é uma forma de assédio com consequências sérias e deve ser tratado com a mesma seriedade que qualquer outra violência sexual. O combate passa por discussões sociais amplas sobre consentimento: nas relações afetivas, nas escolas, em conversas com filhos e filhas.

 

Sobre consentimento

 

Para compreender o consentimento no contexto do assédio sexual baseado em imagens, é importante ter em mente que ele precisa ser livre, informado e específico. “Livre” significa a ausência de pressão ou coerção: no campo das imagens íntimas, não há consentimento quando alguém é forçado ou convencido contra a vontade de produzir e enviar nudes. “Informado” implica em plena consciência da situação: por isso, não existe consentimento em casos em que a pessoa é fotografada sem saber, como em imagens captadas por baixo de saias ou em momentos privados. “Específico” quer dizer que o consentimento vale apenas para a situação acordada: assim, autorizar o envio de uma foto a alguém não implica consentir com seu armazenamento por tempo indeterminado, nem com sua divulgação a terceiros. É fundamental destacar também que o consentimento dado uma vez não vale para sempre, nem se estende a outros usos da imagem. Cada situação deve ser conversada e acordada.

Além de discutir consentimento do ponto de vista de quem tem a imagem exposta, também é necessário refletir sobre o lado de quem recebe nudes. Muitas mulheres e homens gays ou bissexuais relatam receber fotos de pênis sem qualquer contexto ou sinal de consentimento. Isso pode gerar desconforto, pressão para responder sexualmente ou até problemas profissionais, caso o conteúdo chegue em dispositivos de trabalho. Por isso, falar de consentimento envolve tanto nos sentirmos confortáveis em enviar quanto estarmos dispostos a receber.

 

Como mitigar riscos, para adultos que querem trocar nudes

 

Além de discutir com as pessoas com quem nos relacionamos sobre consentimento e o que estamos confortáveis em enviar e receber, existe algo a mais que podemos fazer para nos precaver contra esses tipos de assédio. Segurança plena não é algo que existe, principalmente quando se trata de mulheres. Uma mulher pode tomar todas as precauções possíveis e ainda ter sua privacidade invadida com um homem tirando foto debaixo de sua saia em um ônibus cheio ou criando um nude falso com IA. No entanto, algumas ações podem ser tomadas para mitigar riscos.

Evitar tirar nudes mostrando o rosto ou outras partes de fácil identificação, como tatuagens aparentes, pode ser um primeiro passo para evitar piores consequências em caso de vazamento. Além disso, embora a tecnologia de visualização única que muitos apps de mensagens (como Signal e Whatsapp) possuem não seja inviolável, essa medida impõe uma barreira a mais caso você não queira que a imagem seja armazenada no dispositivo de quem está recebendo.

É importante também prestar atenção nos backups automáticos em nuvem (Google Drive, iCloud, Dropbox), que são frequentemente alvo de ataques. Uma forma de proteção é não armazenar nudes em nuvem e manter os arquivos apenas em uma pasta criptografada² no celular. Aplicativos como o Tella¹ permitem fotografar e salvar diretamente em pastas seguras, sem que as imagens fiquem na galeria ou sejam enviadas para backups automáticos. Ainda nessa questão de backup automático, muitos apps salvam a imagem em backup na nuvem quando o envio não é feito com visualização única. Para evitar que isso aconteça, pode-se, além da visualização única, usar o Signal¹, um app de mensagem que, além de não salvar imagens na nuvem, oferece criptografia² robusta e costuma estar menos vinculado a dispositivos de trabalho que o WhatsApp. Isso é importante, já que não se deve usar aparelhos de terceiros ou de trabalho para trocar nudes, uma vez que esses dispositivos podem ser recolhidos e vasculhados a qualquer momento, sem tempo para apagar arquivos.

Embora não seja uma medida preventiva, uma outra prática que pode ser aplicada é não enviar exatamente a mesma imagem para mais de uma pessoa. Pode-se colocar marcas d’água diferentes ou tirar mais imagens. Essa prática pode dar uma dica de quem vazou a imagem em casos de vazamento. 

Além de não deixar imagens com nudez nas nuvens de modo a evitar que hackers consigam acessar essas imagens, é importante seguir boas práticas de segurança digital, tais como:

  • Usar senhas longas e únicas, geradas com gerenciadores de senha (como Bitwarden¹ e KeePass¹);
  • Ativar autenticação em duas etapas;
  • Não clicar em links desconhecidos;
  • Não escanear QR Codes de origem duvidosa (o risco é equivalente ao de clicar em links suspeitos);
  • Manter apenas contatos confiáveis e desconfiar de mensagens vindas de números ou e-mails estranhos.

Se você perceber que já compartilhou ou armazenou nudes de forma insegura, lembre-se: sempre é possível melhorar suas práticas de segurança. Adiar esses cuidados porque “nunca aconteceu nada” é se expor a riscos desnecessários. Além de adotar novos hábitos daqui em diante, tire um tempo para revisar seus dispositivos e nuvens e, se houver abertura e confiança, peça ao(à) parceiro(a) que faça o mesmo. Vale conferir: iCloud, Google Drive, OneDrive; backups do iTunes e Samsung Smart Switch; galeria/fotos; pastas como “Downloads”, “Documentos”, “Área de Trabalho”, “Temp”, “Lixeira”, “Screenshots”; e também conversas e backups de WhatsApp e Telegram, verificando mídias enviadas e recebidas.

 

Cuidados com crianças e adolescentes

 

Até aqui, a maior parte das práticas de segurança foram dirigidas principalmente para maiores de idade, mas é importante destacar algumas práticas para pais e mães garantirem a proteção de seus filhos. Primeiro, é importante reforçar uma das grandes mensagens do vídeo do Felca: menores de idade não devem ser expostos nas redes sociais para gerar engajamento ou ganho financeiro dos adultos. Além disso, mesmo imagens aparentemente inocentes, como a de uma criança de biquíni na praia, podem despertar o interesse de pedófilos. 

Com o avanço da inteligência artificial, também tem crescido o fenômeno de manipulação de fotos sem nudez para criar imagens falsas com nudez. O mais alarmante é que isso já vem acontecendo com fotos de crianças. Nesse sentido, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda nunca postar imagens de menores em perfis públicos e defender uma progressão responsável no acesso das crianças a telas e tecnologias.

É igualmente necessário que temas como segurança digital, privacidade e consentimento façam parte da educação de crianças e adolescentes. Para isso, nós, adultos, precisamos primeiro nos informar. Professores, mães, pais, psicólogos e demais cuidadores devem estar preparados para falar sobre esses assuntos de forma clara e responsável.

 

Reagindo a casos de assédio sexual baseado em imagens

 

Embora nem sempre rápido e eficiente, um passo possível é denunciar para a plataforma (Instagram, Facebook, X, Whatsapp, Telegram, etc) para que retirem a imagem. Uma preocupação importante é que, se houver a intenção de recorrer a ações judiciais, tome o cuidado de documentar o crime para que não haja problemas de exclusão das evidências.

Se já existirem nudes de um menor circulando, além das ações legais é possível usar o serviço Take It Down¹ do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos, que auxilia plataformas na retirada de imagens ou vídeos de nudez, nudez parcial ou sexualmente explícitos de pessoas com menos de 18 anos. Para mais informações sobre o serviço, acesse https://takeitdown.ncmec.org/pt-pt/ .

O que diz a lei sobre o assédio sexual baseado em imagens:

 

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018).

 

Assim, no Brasil, é ilegal o compartilhamento de um nude sem consentimento, independentemente se a pessoa que compartilhou foi a primeira que conseguiu a imagem ou se ela estaria “só” passando para frente. Qualquer site ou veículo que disponibiliza as imagens também está contra a lei. Claro que existem brechas e que muitos sites e plataformas operam em outros países para fugir de leis como essa brasileira, mas é importante entendermos que a lei está do lado da vítima. Assim, nesses casos, algumas das ações que podem ser tomadas incluem: registro de um boletim de ocorrência, pedido de remoção rápida por liminar e processo cívil para casos de danos morais e materiais. Caso seja possível, converse com um advogado sobre quais as melhores medidas a serem tomadas.

 

1 Esse texto não é uma propaganda de nenhum app ou tecnologia mencionada e os autores não têm nenhuma relação com os apps e sites mencionados.

2 Criptografia é uma  técnica que transforma informações em código secreto para protegê-las contra acessos indevidos.

 

Referências

 

SHORT, Emma; BROWN, Antony; PITCHFORD, Melanie; BARNES, Jim. Revenge porn: findings from the Harassment and Revenge Porn (HARP) Survey – preliminary results. Annual Review of Cybertherapy and Telemedicine, v. 15, 2017. Disponível em: http://hdl.handle.net/10547/624310

 

CRAWFORD, Angus; SMITH, Tony. Inteligência artificial: como pedófilos estão usando tecnologia para criar imagens de abuso sexual infantil vendidas na internet. 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4n9y8x9ygpo 

 

ANHESINI, Victória. Pedófilos usam IA para gerar fotos de crianças e pedem dinheiro em troca de sigilo. 2024. Disponível em: https://www.terra.com.br/byte/pedofilos-usam-ia-para-gerar-fotos-de-criancas-e-pedem-dinheiro-em-troca-de-sigilo,05f11cc561eb244691fcf7838e47a1b7g8qpcl69.html

 

BBC NEWS. Pedófilos usam inteligência artificial para criar imagens sexualizadas de crianças. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2023/07/31/pedofilos-usam-inteligencia-artificial-para-criar-imagens-sexualizadas-de-criancas.ghtml

 

MARIALAB. Como documentar: guia de boas práticas para mulheres que sofrem violência online. 2020. Disponível em: https://www.marialab.org/wp-content/uploads/2020/11/como-documentar_portugues1.pdf

 

MCGLYNN, Clare; RACKLEY, Erika; HOUGHTON, Ruth. Beyond ‘Revenge Porn’: The Continuum of Image-Based Sexual Abuse. Feminist Legal Studies, v. 25, p. 25–46, 2017. https://doi.org/10.1007/s10691-017-9343-2

 

FELCA. Adultification. [s.d.]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FpsCzFGL1LE

 

CENTRO NACIONAL PARA CRIANÇAS DESAPARECIDAS E EXPLORADAS. O que é o Take It Down? [s.d.]. Disponível em: https://takeitdown.ncmec.org/pt-pt/

 


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