brasil
São Paulo: o desmonte velado do Projeto Guri
A agenda neoliberal de privatização do Estado de São Paulo do Governo Tarcísio de Freitas
Publicado em: 29 de agosto de 2025
Tarcísio de Freitas, Governador do Estado de São Paulo, na sede da Bolsa de Valores, em um ato simbólico de “bater o martelo” ao final do leilão. Marcelo Camargo/Governo do Estado de São Paulo
Projeto Guri é um programa sociocultural Paulista, que promove iniciação e formação musical para crianças, jovens e adultos de maneira gratuita. Fundado em 1995 por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, oferece mais de 100 mil vagas anuais, distribuídas em mais de 500 polos de ensino. Desde sua fundação, o Projeto Guri atingiu mais de 1 milhão de crianças e adolescentes, afetando positivamente suas famílias e comunidades; democratizando o acesso à arte e à cultura popular.
Para além da iniciação musical, o Projeto constituiu ao longo de suas atividades os Grupos Musicais do Guri que correspondem a orquestras, bandas, camaradas e conjuntos. Que buscam difundir e expandir o aprendizado e a experiência artística do aluno, gerando oportunidades para a construção de uma carreira na cultura.
As Organizações Sociais e o Projeto Guri
De acordo com o Portal da Transparência na Cultura da Secretaria da Cultura, Economia e Inovação Criativa do Estado de São Paulo, caracterizam “as organizações sociais de cultura são instituições não-governamentais, associações ou fundações de direito privado e sem fins lucrativos que atuam na área cultural, qualificadas a partir de critérios definidos em lei para atuar em parceria com o governo do Estado, por meio da Secretaria da Cultura, na gestão de seus programas culturais, equipamentos e grupos artísticos. A Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado vem adotando esse modelo de gestão em parceria com organizações sociais de cultura desde 2004.”
Assim sendo, um novo contrato foi contemplado em 2022 para o quadriênio de administração, que prevê para Associação de Cultura, Educação e Assistência Social Santa Marcelina – SMC a gestão do Projeto Guri Interior, Litoral e Fundação Casa de 01/01/2022 a 31/12/2026.
Portanto, é no mínimo contraditório deixar sob responsabilidade de gestão de programas e serviços de interesse social nas mãos de Organizações Sociais – tendo em vista que mais de 80% do custo do Projeto Guri é subsidiado pelo Estado. Tal contexto, consolida barreiras para a transparência, abrindo brechas para o desperdício de dinheiro público e até corrupção. Além disso, é evidente a falta de mecanismos para fomentar a participação social dentro das decisões e ações internas de gestão, não dando espaço para entender as peculiaridades das demandas deste programa tão diverso – torna-se irreal acreditar que a padronização de ações sem consulta das partes interessadas solucionaria os problemas de todos os polos do Estado de São Paulo.

Governo Dória e a resistência popular
Em 2019, o Governador do Estado João Dória previu um plano de contingenciamento de gastos públicos em R$5,7 bilhões – justificado a partir do déficit fiscal planejado de 10,5 bilhões para o mesmo ano. Dessa forma, a cultura ficou com a parcela de 23% do contingenciamento, o que equivale a R$150 milhões, além do congelamento dos 24 contratos com Organizações Sociais e demais programas e ações culturais.
No entanto, com a união de forças dos trabalhadores e alunos do Projeto Guri, com o apoio de ativistas culturais, foi possível pressionar o Governo do Estado para rever o corte estimado. Conquistada a vitória foi-se revisto e optou-se pelo descontingenciamento de R$20,7 milhões para manter ativos os polos do Projeto Guri, o que acarretou em um investimento de R$94,7 milhões no mesmo ano. Em contrapartida, outras ações e programas culturais foram afetados negativamente, gerando perdas sociais inestimáveis para a população paulista, sobretudo, a população mais periférica.
Dória foi muito bom em fazer propaganda política e criar a imagem de que a cultura era prioridade em sua gestão; é claro que essa prioridade fica apenas na aparência ou em anos eleitorais como vemos por aí… A realidade nos mostrou que Dória não desprezou a importância da cultura, da mesma forma vemos essa herança no Governo Tarcísio. Do centrão a extrema-direita há apenas interesse em vender nosso Estado para a iniciativa privada, acabando com a mínima qualidade de vida do trabalhador e dificultando o acesso à cultura e lazer das pessoas em situação de vulnerabilidade social que residem nas periferias paulistas.
Governo Tarcísio de Freitas e o fetichismo da privatização
Bate recordes de leilão em 2024, o maior número em 25 anos – em sua maioria sem consulta popular. Com promessas de melhoria na qualidade dos serviços e alívio nas contas públicas. Porém, na realidade, como vemos com a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) que passou de uma empresa de capital misto para uma empresa integralmente privada. Em que apenas na ação de sua venda resultou em uma perda estimada de 4,5 bilhões a 8 bilhões para os cofres públicos do Estado – pois cada ação foi vendida por R$67,00 enquanto valia R$87,00 no mercado e ainda de acordo com um estudo do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) as ações da Sabesp tinham um potencial de chegar até R$103,00 – na qual a Equatorial foi a única interessada em se tornar acionista majoritária da Sabesp. O custo social de privatizar uma empresa que fornece um bem fundamental para a sobrevivência e bem-estar da população é irreversível. De forma a começar pela demissão em massa dos trabalhadores – que perdem a estabilidade por não serem mais funcionários públicos – além da intensa precarização do trabalho que assola as empresas privadas. Bem como já noticiado, a empresa não realizará mais políticas públicas.
A visão neoliberal para justificar a privatização é de que os interesses da companhia privada podem se alinhar aos interesses coletivos a partir da regulação do Estado, por óbvio essa afirmação não condiz com a realidade. Na qual o Estado perde o poder econômico, ficando impossibilitado de impor suas legislações de maneira efetiva.
O que isso tem a ver com o desmonte do Projeto Guri?
Desde a celebração do Contrato de Gestão nº 01/2022 entre o Estado de São Paulo e a Organização Social Associação de Cultura, Educação e Assistência Social Santa Marcelina – SMC que qualifica a organização para gerir o Projeto Guri durante o quadriênio 2022-2026. Tem sido realizado uma série de reformas curriculares e pedagógicas, que afetam a qualidade do ensino e interferem diretamente no interesse dos alunos em fazer parte do Projeto. Medidas que vão na contramão das demandas dos polos e dos alunos, o que compromete a democratização do acesso à música e a cultura.
Recentemente foram denunciadas a redução da carga horária de educadores e o fechamento de polos do Projeto Guri – um modelo de cortes arbitrários praticados pela SMC – que não consulta os educadores e alunos para efetivar suas medidas, provando serem ineficientes nas realidades particulares de cada polo. Evidenciando o despreparo e a falta de planejamento da Organização.
Garantir a transparência e o diálogo é fundamental para manter um programa de ganho social inestimável para a população do Estado de São Paulo. Como evidenciado acima, o desmonte do Projeto Guri – assim como de outras instituições e programas culturais e educacionais – é um projeto político, alinhado ao programa da extrema direita e Tarcísio, que visa sucatear de forma que justifique a privatização numa clara tentativa de deslegitimar tamanha atuação positiva que o Guri traz ao longo de seus 30 anos de história.
Silêncio é cumplicidade? Por que não podemos aceitar passivamente essas medidas autoritárias
Aqui não se trata, por óbvio, de propor soluções para o fim das políticas neoliberais do Governo Tarcísio e de sua base na Assembleia Legislativa – pois esta conjuntura neoliberal é de tamanha complexidade que seria irreal tentar solucioná-la em um único texto – mas o objetivo deste tópico é o de trazer algumas notas baseadas na experiência passada de luta e resistência, com enfoque especial na luta auto-organizada contra os cortes no Governo Dória em 2019.
Em primeiro lugar, é fundamental que os trabalhadores e alunos do Projeto Guri se auto-organizem junto aos ativistas culturais e forças políticas para intensificar a luta contra essas reformas autoritárias elaboradas pela SMC. Como resposta a essas medidas, a elaboração de manifestações pacíficas e paralisações se mostraram efetivas nas experiências passadas; e ainda auxiliam no aumento de visibilidade para esta pauta que está intrinsecamente ligada aos interesses de outros ramos da cultura e educação – que se não estão sofrendo ataques de mesmo cunho, viram a sofrer futuramente se nada for feito.
Temos que ocupar os espaços da política, inclusive o da institucional, para enfrentar os ataques à cultura e o avanço do neoliberalismo, ocupar a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) com as pautas reais do povo paulista se torna um ato de confronto ao projeto político da extrema-direita. Porém, ocupar o parlamento no sentido de fortalecer os movimentos das ruas, os movimentos populares – geridos pelos trabalhadores e alunos. Nesse sentido, a aproximação com mandatos dos partidos de esquerda se faz necessário para dar luz a essa luta no contexto parlamentar.
Com isso em vista, o Deputado Estadual Guilherme Cortez (PSOL-SP) fez um pronunciamento na 43ª Sessão da Câmara dos Deputados. Defendeu a permanência integral do Projeto Guri no Estado, denunciou a diminuição da carga horária e o fechamento de Polos; e ainda protocolou um pedido para que a SMC seja convocada para prestar contas sobre este desmonte à Comissão de Educação e Cultura da ALESP. O mandato também enviou um requerimento à Secretaria de Cultura do Estado questionando essas mudanças.
Top 5 da semana

negras-e-negros
Festival antirracista cultura e resistência acontece em São Paulo-SP
lgbtqi
Em defesa da diversidade e da inclusão: viva a Parada da diversidade de Pernambuco!
marxismo
A Era do Neofascismo: Um Desafio Global
colunistas
Sobre metanol, álcool e outras drogas e a regulação do Estado
mundo