marxismo
O que define o não-revolucionário?
Publicado em: 5 de julho de 2025
Ser mineiro já define muita coisa. Não que ele seja desconfiado: todo mineiro vai vendo o que é…
para ver se no fim foi mesmo.
Ditado da internet
O objetivo deste texto é dialogar com outro texto, produzido pelo companheiro Henrique Canary. Nele, é levantada de maneira bastante precisa as diferenças históricas entre o que se convencionou chamar de reformismo e etapismo.
Colocada essa diferença, nosso camarada elenca várias questões sobre o que definiria um revolucionário. Queremos trazer algumas reflexões. Acreditamos fielmente que o companheiro mais concorda que discorda das passagens deste texto.
Entre etapismo e reformismo
Começamos dizendo que está plenamente correto fazer a distinção histórica entre o que foi o reformismo de Bernstein e o que foi o etapismo da ortodoxia marxista internacional, em especial, dos mencheviques. Entretanto, usar a palavra “reformismo” querendo se referir somente à linha teórica estabelecida por Bernstein é, de certa maneira, anacronismo.
Não há mais nenhuma possibilidade de vermos a burguesia brasileira como revolucionária em qualquer sentido que seja, não estamos mais no contexto da III Internacional. Ainda assim, certamente podemos extrair ensinamentos profundos do que foram as teses desse organismo enquanto ainda era dirigido por Lenin, tais como as teses sobre o que hoje chamamos Frente Única.
Seu texto termina com um questionamento:
“Mas mesmo isso é passado. O mais importante é: será um reformista este que está ao meu lado agora, que odeia o capitalismo tanto quanto eu, que enfrenta os patrões e o fascismo junto comigo, mas que pertence a outra organização, com outro programa, outra visão de mundo, outra política e outra tradição? Temos certeza que a linha que nos separa é a mesma que separava Lênin de Bernstein?”
É uma pergunta retórica. O mundo é outro. O capitalismo é outro. A linha que nos separa não é a mesma. Entretanto, como em uma espiral dialética, o mundo pode ter dado várias voltas a ponto de estarmos em uma posição historicamente análoga. Justamente, quando a terra completa um ano ao redor do Sol, ela não está na mesma posição em relação à nossa galáxia ou ao universo, mas a linha do Equador continua sendo a mesma, assim como as estações do ano.
Essa analogia talvez nos leve à nossa primeira conclusão: reforma e revolução são conceitos relativos. Dependem, na verdade, do grau de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de classe. Não existem receitas, nem modelos. Existe a realidade política, seus agentes e motores, além de interpretações diversas de quais papéis cada um desses agentes cumprem no tabuleiro da história.
Por outro lado, respondendo à primeira parte da pergunta levantada pelo companheiro, é possível, sim, que duas organizações tenham acordos momentâneos – ou seja, conjunturais, sobre quais papéis cada ator deve cumprir no tabuleiro político atual, mas que fique nítido também que, quando a terra der novamente uma volta ao redor do Sol, estarão não necessariamente em lados opostos da linha do Equador, mas em latitudes diferentes.
Aqui entra outro aspecto do que define o que é ser revolucionário: a estratégia. E o campo da estratégia é o campo que trata de tarefas de longo alcance histórico, no nível das etapas.
Em termos concretos, quando Lula foi preso e Dilma sofreu impeachment, era bastante claro para a maioria das organizações de esquerda onde deveríamos estar. Quando Bolsonaro foi eleito, o mesmo ocorreu. Com Lula eleito, o jogo mudou de figura. Mesmo em um dos momentos mais frágeis do atual mandato presidencial, algumas organizações seguem apostando nas alianças com a burguesia. Mesmo após a lição histórica que foi a ruptura com o petismo manifestada na Lava-Jato.
Sendo assim, etapismo e reformismo podem até ser, em suas origens, conceitos diferentes. Mas, na prática política, levaram ao mesmo terreno: a subordinação à burguesia. Alguns mencheviques foram muito rapidamente de revolucionários, a contrarrevolucionários e a revolucionários novamente quando se uniram ao Exército Vermelho.
Eventos políticos de grande magnitude, os terremotos políticos, podem fazer com que grandes frações de militantes se relocalizem. O que estamos defendendo é que esses eventos não necessariamente vão resultar em mudanças estratégicas. Os mencheviques se dividiram. Vários fugiram, alguns apostaram na via contrarrevolucionária etc.
Obviamente, devemos confiar no avanço da consciência e na produção de sínteses. Existem setores hoje que vêm de tradições etapistas e estão fazendo mais críticas ao programa petista do que estávamos fazendo há pouquíssimo tempo atrás. Um bom sinal. Mas a linha do Equador não deve ser relativizada. O critério final deve ser uma avaliação verdadeiramente profunda da situação política e, principalmente, também uma aposta do que estamos buscando na atual etapa.
O capitalismo brasileiro já está completamente consolidado. Fazer um debate sobre o etapismo menchevique ou mesmo o etapismo da III Internacional o diferenciando do reformismo da social-democracia Alemã realmente não contribui muito para percebermos algo óbvio: a burguesia brasileira é reacionária. Tal caráter é inquestionável.
Com isso, concordamos ser bastante complexo tentar definir o que é ser revolucionário. Entretanto, indo pela negativa, é muito fácil chegar a uma conclusão sobre o que não é ser revolucionário: a saber, acreditar que, para a revolução brasileira acontecer, primeiro devemos fortalecer setores do fisiologismo burguês nacional.
Ademais, se a burguesia realmente merecesse confiança, se ela realmente tivesse um caráter nacionalista que permitisse alianças estratégicas com setores da classe trabalhadora contra o imperialismo, não haveríamos de nos preocupar em conformar uma Frente Única, visto que o fascismo não seria capaz de se tornar uma fração burguesa dominante. É aí que reside o perigo da derrota histórica, do inverno siberiano.
Se assim fosse, toda a nossa armação para a atual etapa histórica se desmancharia no ar. Certamente, não há ninguém em nossa organização acreditando em tamanha tolice. O certo é que os setores fisiológicos da burguesia brasileira romperão com o petismo pois as contas públicas não estão fechando. Eles querem o caminho livre para aprofundar as contrarreformas neoliberais.
O único contrapeso a favor da estratégia conciliatória petista é a relação com a China, a galinha dos ovos de ouro de Elias Jabbour. Fora isso, o mais certo é que a conjuntura fará com que os debates estratégicos deixem de ser polêmicos na esquerda uma vez que restará apenas um caminho: o da oposição à burguesia. Uns vão acordar mais cedo para o óbvio, outros mais tarde. Realmente, a faixa que separa revolucionário de reformista/etapista se tornará supérflua. Nesse sentido, o camarada Canary está coberto de razão.
Mas mais que isso, o afastamento de uma concepção permanentista (em outras palavras, bolchevique) pode até não ser o suficiente para retirar o caráter revolucionário de uma corrente ou indivíduo, mas certamente condenou e possivelmente condenará seus adeptos aos limites de um programa estritamente democrático, restrito a reformas irrisórias dentro da elasticidade daquilo que o capital comporta. Tal abordagem já foi testada na sociedade brasileira e hoje nos faz questionar se realmente conseguiremos barrar o fascismo bolsonarista. Se chamaremos uma tal concepção de reformista, ou não, realmente, pouco importa.
O surpreendente, por exemplo, é ter quadros ainda ficando sem resposta quando o atual governo apresenta índices de melhorias econômicas muito superiores aos que foram os índices de Bolsonaro e mesmo assim vendo sua popularidade ruir. Junho de 2013 já foi a contra-prova do laboratório da história. Não precisamos ressuscitar debates do passado, as evidências disponíveis já são mais que suficientes.
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