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Análise crítica da MP 936 e orientações jurídico-sindicais para entidades de trabalhadores

Aderson Bussinger

Advogado, morador de Niterói (RJ), anistiado político, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ e diretor da Afat (Associação Fluminense dos Advogados Trabalhistas).

Por: Aderson Bussinger e Ferdinando Nobre*, do Rio de Janeiro, RJ

Primeiramente, devemos esclarecer que este texto possui um conteúdo principalmente de orientação geral, em relação a abordagem/diretriz jurídico-sindical ante o coronavírus e as medidas patronais com base nesta. Mais adiante,  faremos textos exclusivamente técnicos sobre legislação e jurisprudência para cada um dos temas, buscando desdobrar um a um, conforme a necessidade da conjuntura e a demanda específica de cada sindicato/categoria.

O governo editou a MP 936, trazendo uma série de alterações em relação a legislação sobre salários, jornada, licenças, benefícios emergenciais, negociação (esta muito limitada, quase inexistente). O eixo principal de intervenção nas relações de trabalho ante a pandemia e a calamidade pública reconhecidas pelo Estado brasileiro é fato notório.

Daí faz-se necessário que o movimento sindical, os dirigentes sobretudo, assim como ativistas, membros de CIPAs, comissões de empresas, advogados trabalhistas da área sindical especialmente, estejam bem a par do conteúdo destas medidas, bem como definam o que orientar os trabalhadores, pautar nos boletins sindicais e como atuar nas mesas de negociação, a fim de que não prevaleça somente a diretriz empresarial.

Alguns aspectos importantes das alternativas previstas na MP 936 devem ser destacados:

A) Esta medida tem como diretriz excluir parcialmente os sindicatos do enfrentamento das conseqüências trabalhistas da pandemia nas relações de trabalho, apenas admitindo sua participação na suspensão temporária do contrato e para reduções de salário e jornada superiores a 25%, apenas para empregados aqueles que recebem entre R$ 3.135,01 e R$ 12.202,11.

B) Está prevista a garantia de emprego enquanto perdurar tal condição e por igual período após o reestabelecimento da carga horária ou a retomada do contrato, período em que arcará com um benefício emergencial  tendo como parâmetro percentual fixo do seguro-desemprego e não o salário do trabalhador abrangido.

C) Por se tratar de medida provisória, ainda está sujeita a mudanças tanto legislativas como pela via judicial, especialmente o STF, daí que não é um instrumento jurídico que a patronal possa manejar assim com tanta segurança, o que abre espaço para discussão e negociação entre  sindicatos e empresas, ainda que esta não seja o objetivo desta, muito pelo contrário, pois não parte de um marco negocial/conciliador.

D) As normas de saúde pública terão cada vez mais importância nas negociações trabalhistas, sendo que pela natureza do tema da SAÚDE e suas conseqüências, estará aberta a possibilidade de discussões indenizatórias, onde houver caracterizada a negligência por parte do empregador no enfrentamento do coronavírus, a ensejar conseqüências no campo da responsabilidade civil e previdenciário, semelhantes a doença e acidente do trabalho, ainda que evidentemente a introdução do vírus não seja de responsabilidade patronal, mas a omissão no incremento das medidas protetivas que evitem a exposição podem ser consideradas ilícita e indenizáveis coletivamente ou individualmente. Acrescente-se ainda que, no caso do sindicatos representativos dos profissionais de saúde, na área pública ou privada, as normas de saúde pública possuem especial incidência, dada as características do setor, sendo que, no âmbito do município/Estado/União, a legislação deverá ser analisada com muita atenção, o que, todavia,  pela amplitude, não poderemos tratar neste texto.

E) A recentíssima decisão liminar do ministro Lewandowsky determinando que a redução de salários, no âmbito da MP 936, somente pode ser realizada mediante a manifestação do sindicato dos trabalhadores é um alento, o que só fortalece a defesa de participação integral do sindicato em todos os aspectos das RELAÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO.

Em resumo, no que toca a atuação sindical, somente coletividades de empregados que recebem entre R$ 3.135,01 e R$ 12.202,11 poderão contar com a negociação sindical, o que, convenhamos desde já, é uma normativa que agride em cheio o princípio da isonomia, além da negociação coletiva, ambos os preceitos contidos na constituição federal, sendo o primeiro direito fundamental, verdadeiro pilar do denominado Estado de Direito e, o segundo, sobre negociação coletiva, um direito social dos mais destacados. 

Acrescente-se que deverá ser mantido o valor do salário-hora durante a redução, que, contudo, não poderá superar o período de 90 dias. 

E sobre a suspensão de contrato, esta poderá ocorrer, mediante o pagamento de até 30% do salário, sendo que o empregador receberá um BEPER (BENEFÍCIO EMERGENCIAL DE PRESERVAÇÃO DO EMPREGO E DA RENDA), por parte do governo federal, sendo que também nesta hipótese o parâmetro de pagamento da remuneração do trabalhador será o seguro-desemprego, conforme as tabelas abaixo, e até o valor de R$ 3.135,00, novamente não será obrigatório a intervenção do sindicato na negociação, mas autorizada da forma individual. 

Da mesma forma que ocorre com a redução da jornada, a suspensão temporária do contrato de trabalho para os empregados que ganham entre R$ 3.135,01 e R$ 12.202,11 pode ser feita apenas mediante prévia negociação sindical. 

Importante destacar que a MP permite que acordos e convenções sejam renegociados para adequação à MP, sendo que esta pode ser uma boa forma de discutir todos estes temas através do sindicato.  

E também algumas condições adicionais, durante a suspensão:

  1. Prazo máximo de dois meses (diferente da redução, de 3 meses) e fracionado em até dois períodos. 
  2. Garantia de pagamento de todos os benefícios durante o interregno.
  3. Trabalho a suspensão – importante isto – não poderá haver trabalho a domicílio. 
  4. Pode ser aplicada suspensão na aprendizagem.
  5. Os acordos individuais deverão ser encaminhados ao empregado com pelo menos dois dias de antecedência.
  6. Caberá ao empregador encaminhar os acordos individuais ao sindicato (pelo menos isto).
  7. Poderá haver cumulação entre o benefício emergencial com o pagamento feito pelo empregador enquanto ajuda compensatória.

Exemplo: para quem recebe uma média salarial de R$ 2.000,00, o valor de cada parcela do seguro-desemprego seria de R$ 1.479,87 e, EM CASO DE REDUÇÃO SALARIAL DE 50%, POR EXEMPLO, receberá metade deste salário mais igualmente ½ do seguro desemprego (R$ 739,94)

 

 ORIENTAÇÕES:

    1. Em caso de necessidade de acordo coletivo, ou aditivo ou ACT ou CCT vigentes, específico para o período de pandemia e calamidade pública, enviar ofício para empresas da base e sindicato patronal, estabelecendo os seguintes termos:
      a) isolamento social a ser viabilizado por licença remunerada para todos os empregados;
      b) em caso de adesão da empresa aos programas de auxílio de emergência contidos na MP 936, o complemento da diferença entre a quantia que resultar da aplicação do parâmetro de pagamento de seguro-desemprego e a remuneração do empregado;
      c) as hipóteses de grupos de risco, a vedação absoluta de qualquer trabalho;
      d) negociar situações de trabalho em domicílio, no que couber;
      e) garantia e emprego de 1( um) ano após o término da vigência da calamidade pública prevista em lei;
      f) formas de acompanhamento sindical, via eletrônica, a serem ajustadas, tanto para negociação direta com o empregador como a formação de um plenário bipartite permanente entre sindicato e empresa, através dos recursos não presenciais/ virtuais.
    2. Formalizar  posicionamento de que o sindicato não reconhecerá nenhuma presunção de expressão de vontade nos acordos individuais realizados pela empresa, por se tratar de matéria exclusivamente coletiva e  consistir o empregado em parte vulnerável, individualmente, na relação de trabalho. Além disto, evidente, exigir seja cumprida a liminar deferida pelo Ministro Lewandowsky impondo que haja manifestação sindical nas reduções salariais, o que devemos, inclusive, argumentar em todas as mudanças coletivas que pretendam fazer, isto com base mais geral no artigo 7 da Constituição Federal e Convenções da OIT.
    3. Ainda sobre acordos individuais, enquanto concessão, aceitar-se discutir uma minuta de termo individual prevista em Acordo de Contrato de Trabalho (ACT) que contenha as regras gerais, sendo este termo apenas a efetivação do que negocialmente acordado entre empregadores/sindicato patronal e sindicatos de trabalhadores/federação
    4. Formar banco de dados de todos os acordos individuais recebidos pela entidade, a fim de municiar futura ação judicial anulatória destas supostas avenças. 
    5. O banco de horas prevendo pagamento posterior de período de afastamento deve ser  afastado de cogitação e, no limite, em situações extremas, após discutido com os trabalhadores, somente consentir com a aplicação de um redutor de 75% do período, de modo que será objeto do banco o percentual  o saldo de horas que exceder a esta limitação.
    6. Garantia de todos os benefícios sociais convencionais durante o afastamento do trabalho.Interessante os sindicatos valerem-se da nota técnica n. 233, do DIEESE, sobre a proposta de redução de salários, pois pode subsidiar bastante na discussão mais geral da economia e proteção ao trabalho no quadro da pandemia. 
    7. Utilizar o conceito de ajuda compensatória, a fim de excepcionalmente  negociar itens que possam favorecer o empregado, sem incidência fiscal, mas de forma secundária, a fim de não prejudicar a arrecadação de impostos necessários ao funcionamento do Estado.
    8. Sustentar sempre que por se tratar de MP, portanto, de instrumento jurídico provisório, é mais seguro para empregados e empregadores obterem acordos coletivos ou convenções, aditamentos, em lugar de ficarem a mercê do que poderá ser tanto alterado pelo legislativo, como impugnado pela via judicial, conforme ADINs que já foram impetradas contra a MP em comento. Onde não for possível obter acordos coletivos, a orientação é que, com dos devidos cuidados, onde couber, ingressar com ações civis públicas questionando os acordos individuais firmados, requerendo a declaração do direito ao recebimento da  parte que exceder o valor calculado com base no salário-desemprego, ou mesmo, em caso de suspensão de contrato, realizada de forma irregular, requerer seja todo o período considerado como licença remunerada, compensada a parte que exceder o valor que tiver como base o salário-desemprego e, inclusive, em audiência de conciliação, tentar construir um acordo, no futuro, que venha a compensar as perdas, bem como utilizar o ajuizamento destas ações como forma de, mesmo durante a pandemia, tentar obter-se uma acordo, que poderá ser homologado no processo judicial eletrônico. 
    9. Que os temas tratados pela MP são, em maioria absoluta, matéria alimentar, com previsão de proteção social na forma da Constituição da República, e, mais ainda, previsão em Convenções da OIT, de modo que nada poderá escapar ao questionamento jurídico/judicial, nas situações de ofensas a estes diplomas jurídicos nacionais e internacionais. Inclusive, em situações de risco para saúde pública, no interior de empresas, poderão ser ajuizadas ações requerendo  EPIs adequados à pandemia, bem como os sindicatos devem questionar os decretos e leis municipais que de funcionamento do comércio/indústria, na medida do possível, buscando impor limites a permissividade em relação ao COVID-19.
    10. A exclusão do sindicato em momento tão grave é igualmente um grave precedente para as tratativas posteriores à pandemia, porquanto não poderá ser alegada a reciprocidade e lealdade na negociação coletiva e relações empregador-empregado de forma geral.

Niterói, 7 de abril de 2020

 

*Assessoria Jurídica Sindical

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Baixe a íntegra da MP 936, com as tabelas em anexo, com as faixas abrangidas. Valores devem sofrer modificações, após decisão do STF.