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Pandemia demonstra a decadência capitalista

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

A pandemia do novo Coronavírus já infectou oficialmente mais de 500 mil pessoas em todo mundo. Mas, estes números devem ser significativamente inferiores a realidade. Afinal, muitos países, como o Brasil, não realizam testes de confirmação da doença em larga escala.

Segundo dados oficiais, divulgados no dia 26 de março, mais de 23 mil pessoas já morreram em decorrência da Covid-19 no mundo. Os três países que concentram o maior número de mortos é, na ordem: Itália, Estado Espanhol e China. Mas, o novo vírus está espalhado em praticamente todas as regiões do planeta.

Na América, impressiona o fato que os EUA já é hoje o país com o maior número de infectados. A maior economia do mundo já sofre pesado as consequências da pandemia, tendo em Nova Iorque o foco central dos seus infectados e mortos.

A América Latina já sente também os graves efeitos da doença. Em toda região já existe um grande número de infectados e mortos. O Brasil é um exemplo, figurando entre os países mais afetados, com 77 mortos e cerca de 3 mil casos confirmados (até a última quinta-feira). Inclusive, nosso país vive numa curva ascendente da doença muito perigosa, similar até as vividas por países como Itália e Estado Espanhol, na fase inicial da ampliação do surto.

Lembrando que as condições econômicas e sociais no Brasil são qualitativamente piores do que estes países europeus. O mês de abril pode ficar marcado por uma tragédia de grandes proporções em nosso país, com um salto exponencial no número de doentes e mortos.

A pandemia é uma expressão inequívoca da decadência mundial, provocada pelo sistema capitalista. A produção anárquica e predatória das grandes empresas e o consumismo desenfreado estimulado pela chamada economia de mercado, provocaram uma terrível crise ambiental e ecológica, que nas últimas décadas chegou a níveis alarmantes, ameaçando diretamente a existência da humanidade. A recorrência de novas epidemias e pandemias viróticas, por exemplo, devem ser consideradas expressão desta crise que afeta toda a natureza e os seres vivos.

A ideologia neoliberal do estado mínimo que destruiu e / debilitou profundamente a rede de proteção social da maioria, especialmente com a drástica diminuição do acesso a saúde pública e de qualidade, agora cobra seu preço cruel. Grande parcela da humanidade se encontra ameaçada pela nova pandemia, inclusive nas grandes economias capitalistas do mundo, sendo privadas das mínimas condições de tratamentos médicos e possibilidade de cura.

Apenas três décadas depois que os ideólogos da superioridade do capitalismo como sistema econômico proclamavam o fim da história, assistimos seu fracasso rotundo diante da ineficiência de combater a Covid-19 e os efeitos do caos ambiental criado por seu próprio sistema econômico. E, a decadência moral do capitalismo se evidencia cada vez mais, em um “vale tudo” desumano, apenas com variações de ênfases nos discursos dos principais líderes mundiais.

As potências econômicas e as grandes empresas transnacionais se preocupam, na verdade, em primeiro lugar e fundamentalmente, com os efeitos da pandemia na economia mundial. De fato, colocam os seus interesses geopolíticos e os lucros dos grandes capitalistas na frente da preservação da vida da maioria das suas populações.

Um mergulho inevitável

O verdadeiro pânico instalado nos mercados capitalistas, principalmente nas últimas semanas, se explica pela confirmação inequívoca que viveremos (ou já estamos vivendo) uma das maiores crises da economia capitalista da história (talvez, a maior delas).

Seria errado culpar a Covid-19 pela dinâmica de desaceleração econômica que já vivíamos no último período. Uma recessão na economia mundial poderia acontecer a curto ou médio prazo, mesmo sem a eclosão do novo Coronavírus.

A pandemia, na verdade, funcionou mais como uma espécie de detonador. Acelerando todos os elementos negativos da economia mundial, que já estava afetada negativamente principalmente pelos efeitos da guerra comercial e os conflitos comerciais entre as principais potências mundiais (especialmente entre EUA X China).

Neste momento, já em meio a pandemia, a discussão entre os próprios analistas econômicos burgueses não é mais se vamos ou não assistir uma recessão mundial, mas sim qual será a real dimensão e duração. E, não se descarta, inclusive, uma queda abrupta, como na crise de 1929, ou pior, com uma depressão econômica, de terríveis consequências sociais, difíceis de prever com total exatidão.

Um cenário crítico que está longe de atingir apenas as instituições financeiras, mas mira importantes ramos da produção, como demonstra a crise da indústria automobilística em várias partes do mundo e a nova crise de produção / preço do petróleo no mercado mundial.

Diante da magnitude desta nova hecatombe econômica mundial, não devemos nos enganar pelos falsos discursos de cunho social, que começaram aparecer na boca de políticos burgueses, que sempre foram adeptos de um neoliberalismo radical.

A “ajuda” na casa dos trilhões de dolares dada pelos governos das principais economias capitalistas as grandes empresas, já superando essa medida na crise aberta em 2008, não deixa dúvidas sobre o conteúdo de classe de sua política.

Em última instância, ao fim e ao cabo, o que vai prevalecer por parte dos capitalistas e seus governos será, mais uma vez, a tentativa de impor a mesma política de austeridade contra o povo trabalhador, no máximo com pequenas mudanças cosméticas e de forma.

Neste sentido, os discursos de Donald Trump, nos últimos dias, seguidos por seus lacaios de sempre, como Bolsonaro, são bastante demonstrativos sobre quais são as reais intensões do capitalismo: perder centenas de milhares de vida são apenas efeitos colaterais necessários para a sua tarefa no. 1, manter negócios e lucros das grandes empresas.

Nossa saída é anticapitalista

Diante do verdadeiro caos geopolítico, econômico, ambiental, sanitário e social, provocado pela decadência capitalista, nossa saída deve ser oposta a receita neoliberal e autoritária do estado mínimo e dos planos de austeridade.

Neste momento, o foco dos movimentos sociais e da esquerda socialista em todo mundo deve estar voltado para a defesa da vida dos trabalhadores, especialmente dos idosos, da juventude e do conjunto dos explorados e oprimidos.

Se fez ainda mais necessária a construção de uma frente única de todos os explorados e oprimidos, suas organizações, movimentos e partidos, em cada país e, se possível, articulados internacionalmente, para cobrar das grandes empresas e governos uma ampliação qualitativa dos gastos sociais para proteger a vida da maioria.

Com destaque para os investimentos públicos necessários para garantia de uma ampliação significativamente na proteção social e atendimento de saúde dos trabalhadores, sejam eles empregados, desempregados ou de alguma forma precarizados. Sem garantia mínima, as prometidas quarentenas se transformam em mera hipocrisia, pois a maioria do povo teria que escolher entre a doença e a fome.

Entretanto, para além destas lutas prioritárias, que é exigido de nós no grave momento que estamos vivendo, temos que identificar a necessidade combiná-las com a apresentação de uma saída política e programática contra a verdadeira barbárie que o capitalismo está provocando no planeta.

É a hora das organizações socialistas revolucionárias, dos ativistas sociais e dos intelectuais marxistas realizarem um diálogo e um esforço realmente comum para apresentação de saídas anticapitalistas, ecossocialistas e de transição ao socialismo. Este debate é também inadiável. O momento exige a defesa de um programa de mudanças radicais e profundas, que vão no sentido da ruptura e superação do atual modelo e sistema econômico.

A defesa do Socialismo como saída estratégica para este grave momento de crise não pode se restringir aos pequenos círculos militantes. Ela deve estar na boca da militância da esquerda mundial, numa cada vez mais forte agitação política nas redes e nas ruas (quando pudermos retornar a elas), disputando corações e mentes de milhões.

A atual situação de crise generalizada exige ousadia dos marxistas revolucionários. Buscar, a todo o momento, estarmos à altura dos terríveis acontecimentos. Lutar ao lado da nossa classe – dos explorados e oprimidos – contra a verdadeira destruição capitalista da natureza e da própria humanidade.

Precisamos de firmeza programática, flexibilidade em nossas táticas e iniciativas políticas, “sangue frio” e, sobretudo, confiança nas lutas que serão protagonizadas pela classe trabalhadora. Como já muito bem escreveram os grandes poetas brasileiros Fernando Brant e Milton Nascimento:

“Tenha fé no nosso povo que ele resiste … Acendendo a esperança e apagando a escuridão”.