Na calada da noite, Jair Bolsonaro editou uma medida provisória (MP 927) que permitia que as empresas deixassem de pagar os salários dos trabalhadores por quatro meses. Esta medida levaria milhões de pessoas à fome. Sem salário, os trabalhadores não teriam como comprar comida e gás de cozinha e pagar o aluguel e as contas de água e luz.
Quando fechávamos este editorial, Bolsonaro, perante o repúdio generalizado ao seu ato, anunciou no Twitter que determinou a revogação do artigo 18 da MP 927 que permitia a suspensão do contrato de trabalho por quatro meses sem salário. De todo modo, a publicação dessa medida provisória, por si só, demonstra o objetivo do governo: jogar o custo dessa crise nas costas da classe trabalhadora para salvar os lucros dos grandes empresários.
As ações de Bolsonaro evidenciam também que, diante do avanço do novo coronavírus, nem todas as pessoas têm a mesma condição de se protegerem. Enquanto as famílias dos milionários se isolam em mansões luxuosas fartamente abastecidas, os trabalhadores, em especial os mais pobres e precarizados, se pergunta: ficar em casa para não contrair o vírus ou ir trabalhar para não passar fome?
Estabelece-se assim uma cruel divisão de classe: os que podem defender suas vidas e os que precisam arriscar as suas para terem o que comer. Essa afirmação se concretiza na vida real dos profissionais da saúde, das faxineiras e empregadas domésticas, dos garis, dos trabalhadores de call center, transporte público e aplicativos, dos operários nas fábricas e de tantas outras mulheres e homens, em sua maioria negras e negros moradores das periferias e favelas, que seguem acordando cedo para trabalhar sem saber como estarão na manhã seguinte.
Essa é a luta elementar e crucial nesse momento: pela vida da classe trabalhadora e dos mais pobres, garantir o direito à quarentena para todas e todos. É necessário, imediatamente, fazer cessar todos os trabalhos não essenciais, por meio de licença remunerada com estabilidade no emprego aos empregados formais e benefício extraordinário (1,5 salário mínimo por mês) para todos informais, precarizados e desempregados.
Para trabalhadores indispensáveis nessa crise — como enfermeiras, médicos, operários de fábricas de alimentos, entre outros — é preciso assegurar todas as condições de proteção no serviço. O PSOL, muito corretamente, vem apresentando uma série de propostas no Congresso Nacional para proteger a população trabalhadora, sobretudo de seus setores mais vulneráveis.
Há recursos para garantir o direito dos trabalhadores ficarem em casa?
Analistas da grande imprensa argumentam que muitas pessoas não podem deixar de ir trabalhar porque precisam sobreviver economicamente. Outros afirmam que a economia não pode ser sacrificada demais parando todos os trabalhos não essenciais. Esses mesmos analistas, porém, não consideram um problema o governo gastar bilhões de reais ajudando banqueiros e grandes empresários em dificuldade, ao invés de priorizar os investimentos emergenciais em saúde pública e benefícios sociais.
Há recursos e meios, sim, para garantir que todos (com exceção dos trabalhos essenciais) possam ficar em casa. A taxação imediata dos lucros acumulados pelos bancos e das grandes fortunas poderia render dezenas de bilhões de reais para a compra de testes em massa, equipamentos hospitalares e medicamentos. Para termos uma idéia, os lucros somados do Itaú, Bradesco e Santander em 2019 foram de mais de R$ 60 bilhões.
Outra medida seria suspender o pagamento da dívida pública para os grandes credores, o que representaria mais dezenas de bilhões de reais para garantir renda básica para todas as famílias brasileiras que precisarem. Os bancos públicos, por sua vez, poderiam disponibilizar recursos financeiros para todas as micro e pequenas empresas ameaçadas de quebrar com a crise.
Alternativas existem, mas os governos optam pelo salvamento dos lucros dos grandes empresários. Bolsonaro e Guedes já tem medidas prontas para socorrer as companhias áreas, o agronegócio e outras grandes empresas. Para os trabalhadores pobres, prometem uma ajuda de 200 reais, o que não dá pra comprar nem meia cesta básica — uma cesta básica completa custava em São Paulo, em dezembro, R$ 784,16, segundo o DIEESE.
Irresponsavelmente, o governo federal e os estaduais ainda não determinaram a suspensão de todos os trabalhos não fundamentais, colocando em risco milhões de pessoas. No caso de Bolsonaro, o comportamento é ainda mais grave, pois o presidente neofascista segue desdenhando da pandemia, tomando ações que põem em perigo a população e anunciando ataques aos direitos da classe trabalhadora, como a redução da jornada de trabalho com redução salarial e a intenção de cortar os salários dos servidores públicos. Felizmente, o repúdio a Bolsonaro vem crescendo na população. Em milhares de janelas, todos dias, ecoa-se o grito de “Fora Bolsonaro”.
Nessa crise, o povo tem que tomar em suas mãos o destino do país
Não podemos esperar dos governos e grandes empresários as medidas necessárias para salvar as nossas vidas. Com apoio dos sindicatos, os trabalhadores em diversas fábricas e empresas já começaram a exigir a imediata suspensão do trabalho, como ocorreu em diversas unidades de telemarketing. Em inúmeros bairros e favelas, as comunidades estão se organizando em comitês para tomar medidas de proteção da população. Importa dizer que a pandemia não será controlada com soldados e tanques nas ruas, e sim com os profissionais da saúde, cientistas e as ações solidárias e coletivas do nosso povo.
Em todo país, vão surgindo exemplos emocionantes de pessoas e coletivos que se colocam à disposição de ajudar quem mais precisa. As organizações de esquerda, os sindicatos e centrais, movimentos sociais e associações de bairro, precisam se engajar nessas ações e se unir imediatamente numa grande Frente Única em defesa da vida do povo trabalhador e oprimido, tomando ações concretas de solidariedade e luta, e exigindo dos governos medidas para salvar as pessoas, e não os lucros.
É tarefa de todos militantes da esquerda e dos movimentos sociais e sindicais participarem das iniciativas de solidariedade e de luta no seu sindicato, bairro, local de trabalho, enfim, em todos espaços possíveis, para ajudar os mais necessitados (como idosos e pessoas com doenças crônicas), colaborar com as vaquinhas coletivas, organizar os trabalhadores para exigirem licença remunerada e medidas protetivas, entre outras iniciativas. Dando exemplo nesta luta, a esquerda socialista cumprirá seu papel nessa grave crise.
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