Militante de esquerda em Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro, Jad lançou nas redes sociais uma nota de repúdio envolvendo seu antigo companheiro e dirigente da corrente que fazia parte. A moção denuncia uma sequência de atitudes machistas de agressões psicológicas e físicas. Jad não obteve apoio algum de sua antiga corrente, na qual o agressor milita. Sendo assim, a esquerda na cidade resolveu comprar essa briga junto com Jad. O Esquerda Online conversou um pouco com ela.
E.O.Line: O que você acha da participação das mulheres na política e no movimento?
Jad: Eu acho essencial a partir do momento que seja uma mulher da classe. Se colocar uma mulher da burguesia lá, ela não vai fazer nada por nós. Só mulheres da classe batalham por nós. Então, eu acho que a militância de esquerda entra justamente nisso, de englobar mulheres no fator político. De todos nos formamos juntos politicamente, porque, por exemplo, na CUT tem a questão da paridade de 50 % para homem e 50% para mulher, mas a direção acaba injetando mulheres sem política nenhuma, só para que elas possam dar voto no que eles querem. E, no movimento estudantil, a gente também consegue perceber isso.
Eles geralmente colocam uma mulher negra, mas no fundo é um homem narrando o que ela tem que dizer. Então você começa a perceber que quem dá a linha política em todo tipo de movimento e, até mesmo da esquerda, são homens na grande maioria dos casos. As mulheres passam a usar seu “lugar de fala” pra alcançar a linha do seu movimento, que muitas vezes pode não ser o que elas pensam. Porém, não há um espaço devidamente democrático para um debate interno em muitas organizações, feito pela base. Isso aconteceu em Volta Redonda. As meninas em cima do carro de som num ato, onde o “Fora Temer” foi barrado de ser gritado pela direção do protesto. Só que as meninas estavam querendo gritar o “Fora Temer”.
E, na fala de uma delas no final do protesto, para não dizer “Fora Temer”, já que estava sendo centralizada por um homem, foi: “Fora aquele que não pode ser pronunciado o nome”. Fica evidente o que ela queria dizer, o que não poderia dizer, e por quem foi centralizada. Então se percebe que são pouquíssimas mulheres que conseguem enfrentar isso, com amplo espaço em suas organizações. Não porque não querem. É porque é difícil, porque a organização não faz diálogo com a base e a centralização vem da direção. Mulher fazer política é muito difícil. Porque o tempo todo é a mulher tentando conquistar credibilidade numa batalha dupla de lutar pela esquerda e ser mulher.
E.O.Line: Aqui, em Volta Redonda, o conjunto da esquerda se uniu em torno a uma moção de repúdio à agressão que você sofreu. O que você achou da iniciativa?
Jad: Então, eu acho que aquela reunião com os movimentos de esquerda da cidade para fazermos uma moção contra o machismo latente na esquerda foi um marco para nós. Porque começou a travar uma batalha contra o machismo em Volta Redonda. Os movimentos estão dando bastante informes. O machismo deve ser combatido, como por exemplo uma organização que participou da moção fez ao saber de um caso dentro da mesma. Logo que tiveram ciência de um caso extremamente forte de machismo, expulsaram imediatamente o militante. Eu acho que nós fizemos algo que vai ter um impacto muito positivo a longo prazo.
As correntes presentes no movimento não podem usar isso para destruir as outras correntes, devem entender que isso é um problema de toda a esquerda e que podemos combater juntos em unidade. Antes da moção, quando escrevi uma nota de repúdio sobre meu caso, outra menina se sentiu representada e lançou uma nota de repúdio para o mesmo rapaz que repudiei. E ela me falou que ganhou essa força a partir disto. Até hoje, recebo depoimentos dizendo “passei a mesma coisa que você dentro da minha organização” ou “eu fui vítima do mesmo cara”. Eu também me motivei por ver outras meninas lutando contra os homens machistas, caras que dizem que o feminismo é pauta secundária, que a ordem do dia é lutar contra o capitalismo, lutar para derrubar o Temer e não temos tempo de lutar pelo gênero. Porém, eu não posso lutar contra o capitalismo sem lutar contra o machismo. Uma coisa não está desligada da outra e a luta deve ser conjunta.
E.O.Line: Como começou sua vida militante? O feminismo sempre esteve presente?
Jad: Eu comecei a militar efetivamente no feminismo com 16 anos, daí quando vim para Volta Redonda tive experiências com alguns partidos. Então conheci a corrente na qual militava, que é onde sofri as violências machistas do meu ex companheiro e dirigente. Enquanto lá militava, rompi com o feminismo porque o debate nesta corrente é de que a luta deve ser contra a opressão da mulher, não uma luta feminista, pois há a separação de que o feminismo é um corrente burguesa, não havendo então um debate de gênero visto que não teria como lutar só pelo gênero, a nossa luta é pela classe trabalhadora.
Porém com esse debate, a questão da mulher ficava para trás. Existia a compreensão de que tem opressão sobre a mulher, mas não que era pauta do dia essa luta. E que lutando apenas por revolução e pautas concretas da classe, como cortes de direitos, já era uma forma de lutar contra a opressão da mulher. Neste período, eu já me relacionava com o tal militante dessa organização, que era meu dirigente, e que depois passamos a ser dirigentes juntos. O machismo dele era visto por mim, diante deste debate interno da corrente, como coisas normais, já que “somos iguais”. Agora, com esse rompimento meio forçado por não haver combate ao machismo, que eu voltei a ter força para seguir nessa batalha como ordem do dia, assim como derrubar o governo Temer e lutar por direitos.
E.O.Line: Que mensagem você deixa para companheiras da esquerda socialista?
Jad: Principal mensagem é que se você se sentir num relacionamento abusivo, é porque você está. Você não vai sentir isso a toa, você não está ficando maluca. Porque esse era o discurso para mim, de que eu era louca. Hoje eu li algo sobre o relacionamento abusivo. Você passa em frente a uma loja e vê um sapato que é perfeito para você, então junta dinheiro porque você quer muito ele, economizando bastante e deixando de fazer muita coisa que queria. Você compra, calça e percebe que ele está te apertando, mas continua usando ele e reclamando com as pessoas de que ele está apertado. As pessoas falam, “então não usa!”.
Mas você sempre quis o sapato e gastou para tê-lo, esforçou-se pra conseguir. Não é simples não usar. Chega uma certa hora que fica mais apertado ainda e já não dá mais para usar, seja por causa de uma chuva que o molhou ou porque depois de um dia de trabalho seus pés estão inchados para colocá-los. Numa relação abusiva é a mesma coisa. A gente acha que aquele homem é perfeito, ou a mulher perfeita porque isso pode ocorrer com o outro lado também, por mais que seja uma exceção. E você acha que não vai conseguir algo melhor do que aquilo. Mas, você pode, e deve dar um basta nisso.
A nota em defesa de Jad é assinada pelas organizações: Corrente Liberdade, Socialismo e Revolução RJ, Núcleo PSOL-UFRRJ, Setorial de Mulheres PSOL-VR, Setorial de Mulheres PSOL-UFRRJ, Partido Comunista Brasileiro (PCB/Volta Redonda), Juventude Vamos à Luta, Nós Não Vamos Pagar Nada, Coletivo Feminista Medusas, Movimento Mulheres em Luta, Quilombo Raça e Classe, Oposição Metalúrgica (CSP), Central Sindical Popular (CSP-Conlutas), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST), RUA, Centro Acadêmico de Psicologia UFF (CAPTA/UFF), Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista (MAIS), União da Juventude Comunista (UJC), Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, Coletivo Feminista Vira-Latas, Coletivo Mangueiras, Diretório Acadêmico César Lattes (DACL/UFF), CAAP/UFF.
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