São Paulo faz 466 anos. A capital paulistana, a de maior visibilidade do país, é conhecida como a “Nova York brasileira”, onde tudo acontece o tempo todo, na qual convivem muitas tribos, uma grande diversidade de cultura e de pessoas. No entanto, ao mesmo tempo, na cidade reina um mal-estar, provocado pela exclusão e desigualdade crescentes.
Há muito tempo ficou explícito que São Paulo é a cidade onde a população negra e pobre morre mais cedo, fato revelado pelo Mapa da Desigualdade 2019. Quando nós vemos a situação das mulheres na cidade, lamentavelmente temos menos ainda a comemorar no aniversário da capital. As políticas de Bolsonaro, Dória e Bruno Covas não têm tido efeito algum na redução dessa barbárie mista de miséria e violência no país.
Entre violência e resistência
Vivemos uma coexistência de silenciamento e resistência. O Atlas da Violência ressaltou o aumento da violência contra a mulher na última década e o país segue liderando a terrível estatística de mortes da população trans no mundo.
Segundo a pesquisa Viver em São Paulo: Mulher e a cidade, da Rede Nossa São Paulo e do Ibope, as mulheres estão mais dispostas a denunciar violências e abusos. O aumento das denúncias é maior na parcela de mulheres negras (30%) e periféricas (31%).
Numa cidade imensa como São Paulo, as pessoas demoram mais de uma hora no deslocamento entre suas casas e os locais de trabalho. Já não bastasse o transporte com poucas linhas, concentrando muito mais pessoas, muitas mulheres sofrem assédio sexual (97%) e não se sentem à vontade no transporte (46%).
É uma herança de setores do feminismo que têm denunciado e educado que a violência contra a mulher se produz e se reproduz em diferentes dimensões: física, psicológica, simbólica e patrimonial. Precisamos que isso faça parte da agenda dos movimentos sociais como um todo para conquistarmos uma política de Estado com investimento em prevenção e combate à violência, porque a maior parte dos casos de violência contra a mulher acontece por conhecidos e dentro de suas casas.
Baixa renda, alto assédio
Quando olhamos a situação das trabalhadoras paulistanas no mundo do trabalho, a maioria das mulheres possui renda baixa, condições de trabalho precárias e sofrem com a permanência do assédio e da discriminação machista.
Recente pesquisa do Dieese e da Fundação Seade, sobre a situação da mulher trabalhadora na região metropolitana de São Paulo, expõe que a maioria é jovem e começa a trabalhar cedo, concentrando-se na faixa de idade dos 16 aos 49 anos, e a ampla maioria está no setor de serviços (71%), parte na administração pública (21,9%) e no trabalho doméstico (14,5%). Muitas delas como autônomas, sem carteira de trabalho assinada ou realizando o trabalho doméstico gratuito em seus lares.
Na região da capital paulistana, houve uma redução da taxa de desemprego das mulheres, mas ainda vivemos uma proporção de que, a cada 10 desempregados, 6 são mulheres. São Paulo reduziu muito pouco a taxa de desemprego e, mesmo com emprego, não quer dizer que a maioria das mulheres possui algum tipo de direito trabalhista ou assistência, a não ser o próprio pagamento de sofridos salários.
Aquilo que as mulheres já vivem e sabem os dados de pesquisa confirmam: mulheres negras possuem menor salário que mulheres não-negras, cujo salário é menor do que de homens negros, que é menor, por sua vez, do que homens não-negros. E, além de possuírem baixa renda, muitas sofrem discriminação no local de trabalho simplesmente por serem mulheres.
Mães solo e crianças esperando meses por creche
O cuidado com as crianças é dever do Estado e da família, segundo a Constituição Federal de 1988, mas a situação real está desequilibrada e, em vez da família como um todo, é unicamente sobre a mulher que esta responsabilidade tem recaído.
Na cidade de São Paulo, a ampla maioria das mães (69%) cuida sozinha de suas crianças, segundo pesquisa Viver em São Paulo: Mulher e a cidade. No Brasil, 80% das mães são solteiras e 5 milhões de crianças não possuem os nomes de seus progenitores homens no registro de nascimento.
As mulheres esperam durante meses por vaga em creche em bairros periféricos da capital paulista. Na Vila Andrade, o tempo de espera para se conseguir uma vaga em creche é de 9 meses. Também o tempo médio de espera da cidade de São Paulo como um todo é preocupante: 3 meses e 16 dias.
Ao contrário de responsabilizar as mulheres pelo cuidado e pela educação das crianças, o Estado deveria construir mais escolas, espaços de recreação, parques, bibliotecas infantis, como parte de políticas para encerrar o ciclo de exclusão e violência desde a infância.
Mulheres trans: abandonadas pelo Estado
A comunidade LGBT é mais da metade da população em situação de rua na cidade de São Paulo. Quando olhamos a situação das pessoas trans, a realidade é realmente dramática. Até hoje não houve uma política efetiva de reconhecimento de direitos plenos, que garantisse a inclusão de empregabilidade e assistência social para pessoas trans.
São Paulo possui apenas dois abrigos para pessoas trans em situação de rua, com grandes filas de espera. A cidade é uma das 11 cidades brasileiras com ambulatório para pessoas trans, em que elas podem realizar todos os procedimentos específicos do processo de transição e acompanhamento.
Com os cortes no SUS e o fechamento do Departamento de HIV/Aids, essa comunidade é atacada brutalmente, pois o Centro de Referência e Treinamento de DST/Aids (CRT), localizado na capital, é dedicado também ao tratamento de pessoas trans, o que reduziu drasticamente a possibilidade de atendimento. Resultado: o aumento da fila de espera de pessoas trans para realizarem seus tratamentos gratuitos no SUS beneficiou clínicas privadas.
Pelas vidas das mulheres, contra a barbárie
Nessa situação de barbárie, as mulheres têm resistido. São Paulo é um dos principais lugares da luta das mulheres, com manifestações contra a violência, por direitos reprodutivos, por salários iguais e tem sido um ambiente de construção e formação de novas feministas brasileiras da atualidade com projeção nacional e internacional, o que tem contribuído muito para o reconhecimento de direitos das mulheres.
Agora, precisamos que as políticas públicas contribuam para acabar com a exclusão e a desigualdade que as mulheres sofrem. Isso só será possível se houver fóruns democráticos em diferentes territórios, comunidades e periferias de São Paulo que tenham condições de participação das mulheres para que elas decidam pela melhoria da sua qualidade de vida no presente e no futuro.
Não é mais possível aceitar que a cidade de São Paulo seja governada pelos mesmos métodos e mesmos políticos. Neste ano, teremos um carnaval politizado contra o governo Bolsonaro, faremos uma gigante manifestação do 8 de Março e, nas eleições municipais, também vamos botar o bloco na rua pelas vidas das mulheres e de todo o povo trabalhador e oprimido.
* Silvia Ferraro é professora da rede pública municipal de São Paulo, feminista e ex-candidata a senadora pelo PSOL
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