Nada de “fazer cocô um dia sim dia não” ou “se o filho ficar viadinho tem que dar uma surra nele”. O manifesto do partido que Bolsonaro criou para reunir seus seguidores fiéis é um documento sofisticado. Provavelmente a maioria dos membros do novo partido não tem capacidade cognitiva de entender o que está escrito ali. Mas nós da esquerda não podemos nos dar ao luxo de ignorar o que está naquelas sete páginas.
Em primeiro lugar, é quase certo que foi Olavo de Carvalho em pessoa escreveu o manifesto. Todos os traços de sua escrita está ali: a linguagem empolada, o culto aos chamados “fundadores” do Brasil, as citações distorcidas e fora de contexto do livro “Os donos do Poder” de Raimundo Faoro. Se não foi Olavo, foi um de seus alunos mais aplicados. O novo manifesto do partido é antes de tudo um resumo do “pensamento” do Astrólogo que se converteu a conselheiro da família presidencial.
Mas vamos às bases do programa do partido olavista-bolsonarista. Em primeiro lugar, está o “Respeito a Deus e à religião”. A nova agremiação defende a supremacia do cristianismo perante as outras religiões e perante a falta de fé. Ateus, agnósticos, pessoas de religiões de matriz africana estariam contra “a alma do povo brasileiro”. É a forma erudita de, como Bolsonaro diz, falar que “as minorias têm que se curvas às maiorias ou desparecer”. O partido mistura religião e política e é inimigo do Estado Laico.
O segundo objetivo é o “Respeito à memória à identidade e à cultura do povo brasileiro”. Logicamente para este partido a “cultura do povo brasileiro” se resume, como diz o manifesto às “tradições lusitanas e hispânicas, do Direito Romano, da filosofia grega, da moral judaico-cristã”. A herança cultura indígena e negra sequer são citadas no manifesto. Eles nem falam em “miscigenação” ou “democracia racial”. É sumpremacismo branco na veia!
O terceiro objetivo do novo partido, segundo o manifesto, é a “Defesa da vida, da legítima defesa, da família e da infância”. Ou seja, contra o aborto, pela liberação do comércio de armas, e contra o sistema educacional brasileiro. É nesta parte em que é defendido o ensino domiciliar, ou seja, o estado ser desobrigado a educar as crianças para que os pais possam dar aulas para os filhos em casa, mesmo sem ter formação alguma. Também é mostrado aqui a intenção de proibir qualquer discussão nas escolas que vai contra os valores conservadores. Claro, não poderia faltar a homofobia. Afinal, a agremiação se compromete com “a defesa da família como núcleo natural e fundamental da sociedade e defenderá sempre o direito do HOMEM e da MULHER de contraírem casamento e de constituírem uma família”.
A coisa começa a ficar mais preocupante a partir do quarto objetivo: “Garantia da ordem, da representação política e da segurança” Além da defesa do chamado excludente de ilicitude para que a polícia possa matar sem risco de punição, o manifesto coloca o terrorismo, narcotráfico, corrupção e esquerda no mesmo balaio. Vejamos este trecho: “o narcotráfico brasileiro, favorecido pela corrupção, pela revolução cultural e pelo garantismo socialista, adota, ele próprio, feições e métodos do terrorismo”. Ou seja, se “bandido bom é bandido morto”, os movimentos sociais e quem pensa diferença da ideologia do partido também é “bandido” e está na mira.
No quinta e último objetivo, o que realmente interessa: “Defesa do livre mercado, da propriedade privada e do trabalho”. Nenhuma linha sobre os direitos trabalhistas, apenas sobre a liberdade do patrão de “empreender” sem intervenção do estado. Nesta parte é mostrado para o que este novo partido realmente foi feito. Defender os interesses dos grandes capitalistas. Se preciso, passando por cima da Constituição. “O partido repudia a luta de classes, geralmente oculta e inoculada sob uma interpretação torpe e falsa da expressão ´função social da propriedade´, e as tentativas de coletivização da propriedade, que ignoram o direito natural de cada um ao que é seu”, diz o manifesto. Ou seja, quem contesta as desigualdades sociais estaria contra “os princípios naturais da propriedade”, sendo um “bandido”. E bandido para eles, tem que morrer.
Em resumo, as sete páginas do manifesto poderiam ser resumidas no número do novo partido: 38. Bolsonaro e sua turma negam em público que é o número do calibre da arma, mas a militância faz questão de postar na internet que é “38 na cintura e nas urnas”. Assim é manifesto do novo partido. Finge ser civilizado para que os desentendidos não fiquem em alerta, mas emana em seu significado mais profundo o supremacismo branco, a defesa da ditadura, o machismo, a homofobia e a defesa da exploração do trabalhador.
Comentários