A liberdade provisória de Lula altera o panorama político no país. Após 580 dias preso injustamente, o petista retorna às ruas e aos palanques, reacendendo a polarização com a extrema direita. Seja em razão do expressivo apoio que conta em uma parcela da sociedade, seja pela forte rejeição que desperta em outra parte, o ex-presidente volta a pautar o debate político nacional.
Em suas primeiras declarações, Lula apresentou um perfil de contundente oposição ao governo Bolsonaro, chegando a afirmar em Recife, no domingo (17), que “a luta agora é para libertar o país desse bando de milicianos”. Uma semana antes, no ABC paulista, o petista havia dito, usando o exemplo das mobilizações no Chile, que é preciso “atacar e não apenas se defender”, e fez duras críticas ao ministro Paulo Guedes, chamando-o de “demolidor de sonhos”. Com isso, Lula busca animar sua base de apoio e, sobretudo, assumir a liderança da oposição a Bolsonaro.
A enfática crítica do ex-presidente à política econômica neoliberal de Guedes incomodou bastante a elite empresarial, a grande mídia e os partidos de direita, que acusam Lula de “radicalizar”. Esse fato explicita o papel desses setores na sustentação política do governo de extrema direita. Se, por um lado, a Globo, a Folha de SP, Rodrigo Maia e outras lideranças da direita se contrapõem aos “excessos” autoritários de Bolsonaro, por outro, estão empenhados em defender o projeto econômico e social executado pelo presidente neofascista e seu ministro da economia.
O discurso de Lula está marcado por um incisivo tom de oposição ao governo de milicianos e sua política econômica, assim como à Lava Jato e à grande mídia — o que é sumamente positivo. Contudo, as falas pungentes vêm desagradando setores do PT, que preferem a moderação. Infelizmente, muitos dirigentes petistas não aprenderam até hoje que a tentativa conciliação com seus algozes só prepara novas e amargas derrotas.
Apesar do firme pronunciamento de oposição ao governo, deve-se registrar que Lula não parece disposto a fazer qualquer avaliação crítica dos graves erros cometidos no passado recente. No sábado (16), em Salvador, ele disse que o PT não tem que fazer “autocrítica” nenhuma. Desse modo, as repetidas alianças feitas pelo PT com a direita durante seus governos (com o MDB de Temer e Cunha, por exemplo), o estelionato eleitoral de Dilma em 2015 (quando começou a aplicação do ajuste neoliberal, abrindo espaço para a direita golpista crescer nas ruas) e a subestimação do perigo de Bolsonaro nas eleições em 2018 são totalmente desconsiderados por Lula. Como bem afirmou Guilherme Boulos em entrevista recente ao UOL, uma esquerda que não reconhece seus erros não pode apontar futuro.
Consideramos muito positiva a intenção de Lula de enfrentar Bolsonaro e seu projeto de destruição das garantias sociais, trabalhistas e democráticas. Ele tem enorme responsabilidade nessa batalha. Se o petista colocar sua influência política a serviço da mobilização unificada, a classe trabalhadora, a juventude e os oprimidos estarão mais fortes na resistência.
Por isso, é correta a posição do PSOL de construir a unidade com Lula e o PT na luta contra Bolsonaro. Mas a unidade em questão deve ser, sobretudo, a união de forças para a mobilização social e a disputa de consciência do sociedade. O estratégico é derrotar Bolsonaro e o neofascismo nas ruas, em outras palavras, construir as condições para derrubar esse governo pela força da mobilização popular.
Para tanto, a Frente Única de todas forças políticas da esquerda e dos movimentos sociais, sindicais, estudantis, culturais e dos oprimidos é indispensável. Nesse sentido, é super bem-vida a proposta das Frente Povo Sem Medo e Frente Brasil Popular de um ato unificado, no dia 06 dezembro, em São Paulo, com a solicitação da presença de Lula.
A necessária unidade para lutar contra o inimigo em comum não apaga as diferenças políticas e programáticas existentes na esquerda. Não temos acordo com o projeto lulista de conciliação de classes, que se baseia na busca por um pacto com forças políticas da direita e da classe dominante para gerir o capitalismo brasileiro sem mudanças estruturais. Por isso, defendemos que o PSOL apresente um projeto político e programático próprio, que evite a repetição dos erros do PT.
A direita e a extrema direita brasileira não hesitaram em dar um golpe em Dilma e prender Lula por objetivos políticos, mobilizando massas na rua de verde e amarelo. Para derrota-los, impedindo que consumem seu programa de destruição completa dos direitos trabalhistas, sociais e democráticos, será preciso ter força social de choque nas ruas, tal como estão fazendo os chilenos há 1 mês em seu país. Lula optará por essa via de luta de massas? Ou novamente tentará o caminho da conciliação com o andar de cima, para ser uma oposição moderada a Bolsonaro? Nossa posição é a de que o petista deve se engajar na construção da mobilização unificada, que é o único caminho seguro para destruir a ameaça neofascista e abrir caminho para um governo da e para a maioria do povo, sem alianças com a direita e os grandes capitalistas.
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