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MUNDO

Entrevista com Stalin Pérez Borges: “Nada está normalizado na Venezuela”

Stalin Pérez Borges é um dirigente político e sindical venezuelano, fundador da organização de esquerda LUCHAS (Liga Unitaria Chavista y Socialista). Nesta entrevista, ele responde a várias perguntas da agência adn.info sobre a realidade venezuelana, depois da frustrada tentativa de invasão imperialista e com o cruel bloqueio que os trabalhadores desse país sofrem.

Por Modesto Emilio Guerrero, de Buenos Aires, para adnagencia.info. Tradução: Celia Ramos

Adn.info – O que se normalizou, na Venezuela, a partir do recente pacto entre o governo e uma parte da oposição?

SPB: O que se normalizou? Aqui nada está normalizado. No entanto, devo reconhecer que, desde que vêm se dando com mais frequência, ou que se tornaram mais públicas, as conversações do governo com um setor da oposição, diminuíram um pouco as pressões da incerteza política que se sentia anteriormente.

Agora existem mais ilusões em que as diferenças oposição/governo serão dirimidas logo, em cenários sem guerra nem violência nas ruas, e até existe a suposição de que haja porta-vozes interlocutores do lado da oposição.

No entanto, não se pode ser tão fantasioso e imediatista a ponto de acreditar que a relação oposição/governo já tenha se normalizado. Dentro da oposição continuam imperando os poderosos setores econômicos e importantes organizações políticas que querem derrubar o governo Maduro, por qualquer forma violenta. Esses grupos, que são financiados pelos governos dos Estados Unidos e do chamado Grupo de Lima, têm pouca esperança que isso seja resolvido em uma Mesa de Negociação, já que exigem, para entar nas negociações, a cabeça de Maduro e eleições presidenciais já.

Os partidos políticos ultradireitistas como Voluntad Popular (VP), Vente Venezuela (VV), no parlamento venezuelano e no conjunto da oposição, expressam abertamente essas posições de não fazer acordo com o governo. Agora mostram-se agitados, por causa do que está acontecendo no Chile e antes no Equador, com os violentos protestos nas ruas desses países e que criaram uma grande desestabilização política. Esse setor da oposição está desesperado para ver como consegue criar uma situação similar aqui, ainda neste ano.

Por trás desse setor, encontram-se os partidos Primero Justicia (PJ) e Acción Democrática (AD), dentro do campo dos “duros”, mas eles observam o pêndulo: irão na direção da inclinação das esperanças da maioria das massas opositoras. Então, que ninguém estranhe se daqui a alguns meses tanto o PJ como a AD entrem na Mesa de Negociações e acompanhem Claudio Fermín, Henry Falcón, o pastor evangélico Bertuchi e Enrique Ochoa Antich e marquem data para as eleiçoes parlamentares.

Para que serviu a volta do governo ao parlamento, a Assembleia Nacional?

A volta dos deputados partidários do governo ao Parlamento não foi mais que uma forma de operatividade para os acordos entre o governo e o, até agora, setor negociador da oposição. Nele, endossarão “constitucionalmente” o que conseguirem acordar e tolerar. Lembremos que a questão do novo diretório do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), para realizar novas eleições parlamentares e presidenciais como sendo uma nova composição do TSJ (Tribunal Superior de Justiça), vai passar por esse parlamento.

Claro, se não houver consenso, o governo terá o recurso da Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Então, a utilidade do parlamento, com a volta dos deputados do PSUV/Gran Polo Patriótico, se verá no futuro, e dependerá dos acordos na Mesa de Negociação.

Qual a intenção do governo ao fazer, na região industrial de Guayana, um ato com um programa na VTV dedicado a seus trabalhadores?

Esse ato em Guayana, como muitos outros que o governo tem feito em outras regiões do país, tem a ver com a constituição dos Conselhos Produtivos dos Trabalhadores (CPT). Trata-se de um organismo com existência legal, no qual os delegados dos trabalhadores das empresas públicas, e mesmo das privadas, têm a incumbência de propor e decidir sobre todas as operações das empresas, a fim de garantir a produção e o funcionamento delas.

Existem milhares de Conselhos formados e agora se estaria em uma fase de indução, em meio dessa situação política do governo, para propaganda e respaldo dos trabalhadores. Os CPTs foram eleitos já há bastante tempo nas empresas do setor de alimentação, farmacêuticas e de produtos de higiene pessoal, e agora lhes deram um marco legal e foram estendidos a um arco maior de setores, além desses citados, mas que ainda não alcançaram o objetivo de elevar os níveis de produção, salvo algumas exceções.

Os CPT podem ser um tremendo instrumento, não apenas para elevar a produção, mas para avançar no processo revolucionário, que está metido em um grande atoleiro e do qual não consegue sair, colocando em risco todos esses anos de luta e sacrifício do povo trabalhador. Eles teriam que ser parte fundamental para se dar o giro de “golpe de timão” que estamos esperando nesses últimos seis anos e que o governo não impulsionou. Deveriam ser a instrumentalização principal dos trabalhadores para, junto às comunidades, irmos avançando para o Estado Comunal e dos Trabalhadores, que tenho defendido há tempos, antes ainda da convocação da Assembleia Nacional Constituinte, em 2017.

O problema principal da situação geral do Parque Industrial de Guayana, pertencente à Corporación Venezolana de Guayana (CVG), é que quase todas essas empresas estão paralisadas. As de alumínio (Alcasa, Venalum, Bauxilum e Carbonorca) não estão produzindo nada. Estão tecnicamente fechadas, funcionam minimamente para a limpeza, manutenção e o pessoal administrativo. No caso das empresas de ferro e aço é mais que crítica a situação: na Sidor (Siderúrgica del Orinoco), a única que estava funcionando era a Midrex e, depois de muitos sacrifícios dos trabalhadores, agora está sendo entregue aos russos, não sei se já na condição de vendida ou em uma dessas associações de entregas, que os governos muitas vezes fazem.

A partir de boas fontes, a informação é de que as únicas empresas que estão operativas são a Ferrominera del Orinoco e a Briqueteras. Chegou-se a esse ponto por causa da incapacidade gerencial, incompetência associada à corrupção, agravadas pela crise elétrica e exacerbadas pelo bloqueio econômico. Mas este não é qualquer problema: estamos falando de uma empresa como Alcasa que, tendo uma folha de pagamento de 5.000 trabalhadores, só estão trabalhando uns 400.

Como anda o processo de privatização das empresas que foram estatizadas por Hugo Chávez?

Quando eu lhe respondi anteriormente que “Os CPT podem ser um tremendo instrumento, não apenas para elevar a produção, mas para avançar no processo revolucionário, o qual está metido em um grande atoleiro e do qual não consegue sair, colocando em risco todos esses anos de luta e sacrifício do povo trabalhador”, foi porque o inimigo se aninha no governo. Dentro do Conselho de Ministros e nas reuniões com os governadores, o presidente Maduro dorme, ou melhor, convive com um grupo grande de ministros e governadores que colocam abertamente que é necessário privatizar a maioria das empresas do Estado. Pressionam e manobram para devolver as terras expropriadas a seus antigos donos ou entregá-las para o capital privado.

Até chegaram ao descaramento de defender que se deve construir uma nova ‘burguesia revolucionária”. Agora eles têm como panaceia as associações com o capital privado e/ou a descentralização de empresas para os governos estaduais. Já existem muitas empresas privatizadas ou associadas ao capital privado, que é uma forma disfarçada de privatizá-las no futuro. Estão cometendo o despropósito de entregar aos governos estaduais, em condição de Corporações, o engarrafamento e distribuição do gás doméstico, sendo esta outra forma para que, logo mais, tais empresas se transformem em privadas. Essas Corporações obtêm o gás da PDVSA completamente grátis e colocam o preço que querem nos cilindros.

No caso da Corporação de Gás no Estado Carabobo, chamado de “Gás Drácula” porque é com esse nome, Drácula, que se batizou o governador desse estado, já foram colocados na rua mais de 317 trabalhadores, ignorando a ordem de readmissão que a Inspetoria do Ministério do Trabalho deu.

A hiperinflação é muito grande e até agora é um fato incontrolável da parte do governo.

 

A circulação de mercadorias e o consumo popular estão melhores agora?

SPB: Sim, a circulação de mercadorias melhorou muito. Os supermercados estão abarrotados de diferentes tipos de produtos, muitos deles de origem chinesa, alguns vêm do Brasil ou Turquia; também há hortaliças, frango, carnes e queijos de produção nacional. Mas o que piorou foi o poder aquisitvo do salário e, em consequência, o consumo. A hiperinflação é muito grande e até agora é um fato incontrolável da parte do governo. Ninguém vive do salário. Todo mundo está ocupado em busca de um jeito de conseguir outra forma de conseguir dinheiro, além de preservar seu salário.

 

Publicado originalmente em Adnagencia.info

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