Companheira Hilda, presente!

Martina Gomes

Vozes-Mulheres

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.

(Conceição Evaristo – Poemas de recordação e outros movimentos, p. 10-11).

A vida de uma mulher negra que preserva a sua humanidade diante da opressão é algo que nos traz esperança. Hilda, mulher, negra, trabalhadora, socialista, militante do movimento negro, dirigente sindical e mulher de religião imprimiu nas últimas décadas em cada um de nós um pouco do que era e acreditava. Feminista por imposição da vida, orgulhava-se da força das mulheres que emanava de sua família e também das companheiras de militância.

Hilda militou anos no PSTU e dedicou seus últimos anos de vida ao projeto do MAIS e depois da Resistência/ PSOL. Cumpriu papel fundamental na formação de uma nova geração de militantes negros e negras nas organizações que atuou, na militância sindical contribuiu para a compreensão do papel das lutas das mulheres nas entidades do movimento.

Hilda lutou incessantemente pela sua humanidade. Com a voz rouca dos últimos anos e uma tosse que havia virado símbolo de suas intervenções orais, expressava convicção nas suas ideias e humildade na escuta. Firme nas palavras e sensível nos gestos demonstrou sabedoria de quem não se curvava ao padrão de dominação imposto nesse mundo.

A Hilda vai fazer falta. Faria em qualquer momento, mas em especial nesse, onde as pessoas significam esperança de mudança, sentiremos cada espaço que a Hilda ocupou um pouco de vazio e dor. Admitir que as pessoas farão falta e identificar o espaço que elas ocupam, neste caso, uma mulher negra que dedicava sua vida para uma empreitada coletiva de mudança da sociedade, é algo fundamental. Ela merece que seu nome seja reconhecido em cada espaço que ocupou, cada aprendizado que nos passou e em cada história que levaremos adiante.

Para nós, tem importância as pessoas que ficam com um pouco da Hilda nesse momento. E o melhor que podemos fazer sobre nós mesmos será dar a mão a quem está do nosso lado. E seguir com firmeza. Quando perdemos uma camarada mulher negra revolucionária há de se buscar força na sua trajetória e erguer um legado que se multiplique em cada luta de liberdade que alcemos, dar visibilidade aos seus feitos e reconhecer que lutamos por outro mundo.

Nos últimos meses de vida, Hilda nos demonstrou uma equação de resistência contra uma grave doença que tentava abatê-la e uma força imensa em seguir na militância profissional, em especial com um olhar aos jovens.

Dotada de sensibilidade e intelecto apurado para educar as novas gerações na luta antirracista e anticapitalista, Hilda ficará também como poesia em cada um de nós.

Por isso, no abraço dos que ficam: filha, familiares, amigos, colegas e companheiros de militância, que possamos transformar esse momento no olhar atento no futuro e na coletividade. Hilda: PRESENTE! Hoje e sempre!