A falta de um programa para a educação que responda aos anseios dos trabalhadores ficou evidente, desde a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro à presidência. O que vemos hoje é um governo conturbado, que nos primeiros sete meses já coleciona muitas medidas desconexas e sem nenhuma contribuição para a melhoria da educação pública brasileira.
A disputa interna no Ministério da Educação foi a marca dos primeiros meses e os dois ministros que estiveram até hoje à frente da pasta foram responsáveis por medidas meramente polêmicas que representaram um afronte à democracia, à laicidade e à liberdade de pensamento.
Inicialmente, no cargo de ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez adotou medidas descabidas como, por exemplo, o envio de uma carta às escolas públicas e privadas do país para que, no primeiro dia de volta às aulas, os estudantes cantassem o hino nacional e fizessem a leitura de um texto contendo o slogan de campanha presidencial: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Ao ferir o Estatuto da Criança e do Adolescente, propondo que as crianças fossem filmadas e que os vídeos fossem destinados ao MEC, o ministro reconheceu o “equívoco” e enviou novo comunicado suspendendo o pedido.
Posteriormente, Vélez também defendeu que os livros didáticos fossem revisados, para mudar a forma como retratam o golpe de 1964 e a ditadura militar. Sinalizou ainda que uma das prioridades do MEC seria a adoção da velha disciplina “Moral e Cívica” (agora denominada “Educação para a cidadania”). E, no que tange ao sistema de avaliação de estudantes, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) chegou a criar uma comissão para inspecionar os temas da prova do ENEM que façam abordagens “ideológicas”. Ou seja, seriam eliminadas aquelas questões consideradas controversas, sob o ponto de vista conservador, ou que atinjam certos grupos sociais, cujos símbolos, tradições e costumes são tidos como expressões do “patriotismo”.
Dando sequência às ações perniciosas e recrudescendo o traço autoritário do governo, uma das primeiras medidas para a área educacional foi a criação, na estrutura do ministério, da Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares do Ministério da Educação, vinculada à Secretaria de Educação Básica. O surgimento do setor foi justificado com o argumento de que as escolas militares são capazes de unir “disciplina” e bom desempenho escolar.
A criação de escolas militares e a militarização de escolas regulares passaram, então, a ser apresentadas como um ponto-chave para a melhoria da educação no atual governo. Hoje, no país, existem 13 escolas militares vinculadas ao Ministério da Defesa. Para efeitos comparativos, atualmente, no Brasil, há cerca de 48 milhões de alunos na educação básica em geral e nos colégios militares existentes há apenas 13 mil alunos, estes com um custo por aluno três vezes maior que as escolas públicas regulares.
O plano de governo de Jair Bolsonaro diz que em dois anos haverá “um colégio militar em todas as capitais do Estado”, o que foi reiterado em visita ao Colégio Militar do Rio de Janeiro em maio deste ano. Além disso, o presidente eleito tem dito que pretende fazer o maior colégio militar do Brasil no Campo de Marte, em São Paulo, no qual o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a FIESP estarão juntos na construção.
Recentemente, o presidente do Conselho Regional do Sesc do Piauí, Valdeci Cavalcante, anunciou a abertura de uma escola militar em Parnaíba – PI e pretende batizá-la com o nome de Jair Bolsonaro. Segundo o representante, a escola terá entre as suas disciplinas uma de educação moral e cívica que será ministrada por oficiais das Forças Armadas e da Polícia Militar, além de empresários e “trabalhadores de bons costumes”.
Além destas medidas que buscam criar escolas militares, tem ocorrido um incentivo ao processo de militarização de escolas públicas no país. As escolas cívico-militares são instituições da rede pública de ensino que seguem sendo vinculadas às secretarias de educação, mas possuem gestão e modelo pedagógico, baseados nos colégios militares do Exército, das Polícias Militares e do Corpo de Bombeiros. E o fomento do governo às escolas cívico-militares inclui apoio à gestão administrativa, à infraestrutura e à formação dos profissionais que atuarão nessas escolas.
Hoje, existem cerca de 240 escolas que adotam esse modelo no país. Em Goiás, por exemplo, a militarização de escolas estaduais e municipais é promovida desde o final da década de 1990. Atualmente, há 60 escolas militarizadas neste estado que são mantidas pelo poder público e também com a contribuição voluntária resultante de campanhas promovidas pelas instituições militarizadas.
Até meados de 2019, o Sudeste era a única região do país que não possuía esse modelo de organização escolar, até que em 03 de junho foram inauguradas as duas primeiras unidades do Colégio do Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro, a primeira em Volta Redonda e a segunda em Miguel Pereira. Estas escolas juntas atendem a 120 alunos (duas turmas) e foram inauguradas com uma cerimônia pomposa, que contou com a presença do governador, como se fosse uma grande realização do governo e advindas de um enorme anseio popular. O que fica oculto é que estas escolas atendem a um número ínfimo de estudantes numa rede pública que fechou mais de 360 escolas nos últimos 10 anos, e que recentemente apresentou falta de vagas para 20 mil alunos.
Desta maneira, a inauguração de colégios militares e a militarização de escolas públicas regulares aparecem como mais uma campanha de marketing que o governo federal, os governos estaduais e setores do empresariado tentam desenvolver para dialogar com um segmento mais conservador da sociedade, tentando desmoralizar os educadores, como se estes não fossem capazes de ensinar bons valores.
Durante os primeiros meses de governo, o que vimos foi o desmantelamento da educação pública, tendo como motor das políticas educacionais o cerceamento da liberdade de ensinar. A assinatura do projeto de lei para regulamentar a educação domiciliar – homeschooling –, o combate a “ideologia de gênero”, a militarização das escolas e a escalada retórica contra os professores foram as medidas prioritárias, demonstrando que existe uma intenção clara de fazer com que o medo e a censura façam parte do cotidiano escolar. Assim, os reais problemas da educação pública brasileira, que se manifestam na falta de acesso e permanência na escola ou a falta de investimento, ocultam-se na retórica de que o problema está em como se ensina, culpabilizando sempre os professores.
Com o segundo ministro, as brigas internas no Ministério da Educação (MEC) entre ideólogos ligados a Olavo de Carvalho, militares e técnicos, passaram a ficar mais apaziguadas, ou menos aparentes. Diferentemente do filósofo Vélez, o economista Abraham Weintraub incorporou um personagem que aparenta ser mais gestor e demonstra se preocupar mais em fazer cortes orçamentários, resolvendo eleger como principais inimigas a serem combatidas, as universidades públicas. Assim, sempre em tom agressivo, polêmico e gravando vídeos provocadores, o atual ministro demonstra que em sua gestão e educação será alvo de cortes bilionários.
É preciso destacar que esse não é um movimento inaugural. Os gastos com a educação têm diminuído significativamente nos últimos anos, passando de cerca de 124 bilhões, em 2014, para 107 bilhões, aproximadamente, em 2018. Uma situação que se agrava atualmente. O ataque ao orçamento do ministério, feito na gestão de Weintraub alcança ações centrais, como o programa de apoio à infraestrutura de escolas, o programa de livro didático, o programa de manutenção da educação infantil, as ações no setor de alfabetização de jovens e adultos, as iniciativas de promoção de qualificação profissional, dentre outros. Todos estes setores são de extrema importância para a educação nacional e caso deixem de receber os devidos aportes financeiros, vão acelerar o processo de destruição do sistema escolar brasileiro.
Nestes tempos de Jair Bolsonaro na Presidência, as equipes que passaram pelo Ministério da Educação demonstraram ter um discurso vazio e totalmente desconectado das necessidades das escolas públicas, afinal, os reais problemas são ignorados e não há o menor interesse em resolvê-los. As ações do governo em nenhum momento apresentaram planos para superar o fato de que apenas 50% das escolas públicas do país têm biblioteca, que somente 30% têm espaço adequado para Educação Física, que falta merenda e que muitas escolas não têm sequer saneamento básico.
Os dois ministros titulares da pasta sequer fizeram um diagnóstico, somente apresentaram uma visão rudimentar que ignora completamente as pesquisas acadêmicas, os sindicatos e as entidades nacionais que congregam educadores. Até hoje não foram apresentadas soluções ou um plano concreto para avançar efetivamente na melhoria da educação brasileira, ao contrário, o que vimos foi uma tentativa clara de desmonte da esfera pública. Mesmo o compromisso pela Educação Básica, lançado recentemente, está longe de ser um programa de governo e afronta um longo processo de debates – ainda que controverso e problemático –, que construiu um Plano Nacional de Educação, sobretudo por introduzir aspectos que representam um enorme retrocesso.
Além dos cortes, da perseguição política, da censura e da falta de um planejamento estruturado, as ações do MEC são orientadas no sentido de reduzir ao máximo a ação estatal nas políticas públicas educacionais, buscando espaço para as organizações privadas, tendo a escola pública como espaço privilegiado de mediação dos interesses imediatos de acumulação do capital e de manutenção da supremacia burguesa. No entanto, a disputa por um projeto de escola, de educação, de valorização dos professores permanece e a organização coletiva dos trabalhadores em educação torna-se cada vez mais necessária para o enfrentamento às ações políticas governamentais no intuito de defendermos uma escola pública que colabore, ainda que em meio às imensas contradições que a permeia, para o interesse dos trabalhadores.
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