Na última semana, em assembleia com mais de 700 trabalhadores, votou-se o acordo que concluiu a longa jornada em que se constituiu a campanha salarial da construção civil da região metropolitana de Fortaleza. Houve o risco, pelo segundo ano consecutivo, de não se fechar a convenção coletiva. Felizmente, isso não ocorreu e é interessante se debater os motivos.
Crise da construção civil, desemprego e dificuldades nas negociações
Há quem pense que as negociações de uma campanha salarial são o resultado da valentia ou da audácia de meia dúzia de diretores sindicais. A história do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil conta outra história. Por exemplo, no começo do século XXI, por duas vezes, as negociações não avançaram e as campanhas salariais terminaram em dissídios coletivos. Perdeu-se até o feriado do dia do trabalhador da construção civil. No ano passado, novamente a figura do dissídio coletivo entrou em cena. Nesse contexto, as conversações não desataram o nó e 2019 iniciou sem que a convenção coletiva de 2018 estivesse assinada.
A queda da economia, e particularmente do setor da construção civil, transformou o plantel da Região Metropolitana de Fortaleza, de 70 mil trabalhadores, em um pequeno exército de 10 mil combatentes. Aproveitando-se desse quadro dramático de desemprego, e apoiando-se na letra da “reforma” trabalhista, a patronal tenta, desde 2018, implantar o banco de horas. E, por conta disso, as conversas entre as partes entraram num autêntico impasse.
No ano passado, a greve de uma semana não teve força suficiente para que os trabalhadores vencessem a queda de braços. Este ano, houve mobilizações e paralisações localizadas e, mais do que isso, trabalhadoras e trabalhadores da construção civil aderiram à greve geral nacional. Os patrões, contudo, sabendo da atitude defensiva da classe trabalhadora, nacionalmente, e sabedores, também, das dificuldades do operariado, em particular, e por extensão, de suas organizações sindicais, fizeram o possível e o impossível para impor uma dura derrota ao movimento sindical. O banco de horas seria o signo dessa dura derrota. Ela não veio, no entanto. E por que não veio?
Um exemplo de resistência
O sindicato dos trabalhadores e trabalhadoras da construção civil esteve à frente de uma campanha salarial que, de fato, se arrastava desde o ano que passou. Assim, o sindicato segurou a aplicação do banco de horas em 2018, e, por fim, o derrotou em 2019. E como o derrotou? Essa não nos parece uma questão pequena.
Quando quase ninguém mais acreditava que fosse possível resistir, considerando a situação econômica e política do país, os diretores do sindicato organizaram uma senhora estratégia de resistência. Só este ano, a campanha salarial perdurou por cerca de seis meses. Paralisações e confrontos nos canteiros de obra, permeados pelas temidas “blitzs” de final da tarde e começo de sábado, efetivamente, deram a tônica da campanha. As “blitzs” impedem que o concreto seja descarregado no canteiro e essa tática produz o caos no planejamento das empresas, atrasam as atividades e dão prejuízos aos empresários. Os trabalhadores deixam de fazer hora-extra (à noite e no sábado) e todo cronograma patronal é rigorosamente confrontado.
Os patrões, talvez, acreditassem que os sindicalistas não aguentariam um mês na aplicação dessa tática. Pior para eles. Durante meses, as “blitzs” puseram os canteiros de obra de ponta à cabeça, e somadas às lutas por empresa e a adaptação do calendário local ao calendário nacional de paralisações e mobilizações, deram suporte a uma resistência que entra para história dos operários e das operárias da construção civil da região metropolitana de Fortaleza.
Uma assembleia vitoriosa coroou o processo de resistência
Um visitante, que não houvesse acompanhado toda campanha salarial, certamente teria ficado surpreso com o número de “peão” na assembleia, se se considera a terrível quadra socioeconômica; ficaria surpreso com a combatividade e a politização do operariado (como se observou durante a intervenção de Renato Roseno, deputado estadual do PSOL-CE), mesmo sofrendo com a tragédia do desemprego; e quedaria pasmo com a quase unanimidade dos que apoiaram a proposta da diretoria do sindicato (Resistência e Unidade Classista), que numa assembleia de mais 700 trabalhadores contou com apenas cinco votos contrários.
Os trabalhadores e trabalhadoras, que lutam contra a política econômica de Bolsonaro, que foram as ruas para defrontar a desgraça da “reforma” da previdência, sabiam o significado de impedir que o banco de horas adentrasse o conteúdo de sua convenção coletiva. Dois anos depois, voltaram a ter um acordo coletivo de trabalho, com o pagamento de todo retroativo e sem banco de horas. Essa compreensão comum explica porque os trabalhadores votaram massivamente com o sindicato. Ademais, abre-se caminho para que a taxa assistencial, aprovada canteiro a canteiro, volte a irrigar o terreno financeiro do sindicato. Só os que não entendem a importância da organização dos trabalhadores podem fazer pouco caso dessa conquista.
Aliás, todas as cláusulas sociais foram mantidas, inclusive a jornada de trabalho, que permanece de segunda a sexta. A polêmica sobre os sábados, inclusive foi a única celeuma da assembleia, e a oposição usou o seu tempo para tratar desse tema. Por que os trabalhadores fecharam igualmente com o sindicato nessa questão? Em tese, hoje, os operários trabalham até oito sábados ao ano, podendo ser apenas dois deles consecutivos. Por que em tese? Porque operárias e operários trabalham quase todo sábado, principalmente devido ao fim da “produção” (que era, muitas vezes, maior do que o salário do peão). O que a patronal queria com o banco de horas? Acabar com essa prática de hora-extra, paga com 67% de acréscimo a hora normal. O que se aprovou na assembleia: trabalho aos sábados, podendo ser apenas dois deles consecutivos e pagos com acréscimo de 67% em cima da hora normal. Certamente, numa conjuntura mais favorável, era pouco provável que a cláusula fosse aprovada exatamente desse modo, uma vez que ela amplia os sábados oficiais. Dificilmente, os trabalhadores aceitariam algo assim. Acontece que eles são conscientes dos tempos em que vivemos e de suas dificuldades. Não por acaso, alguns sindicatos combativos têm assinado acordos que abrem caminho para demissões e redução de direitos. Não se trata de ser mais ou menos combativos. Trata-se de lutar nas condições adversas que marcam a atual etapa da luta de classes no Brasil. E nas condições adversas de que sabemos, as trabalhadoras e trabalhadores da construção civil conseguiram derrotar o banco de horas.
Um último alerta
A patronal não irá desistir de estabelecer o banco de horas. Vai tentar se apoiar na legislação nacional para impor esse regime infernal à nossa classe. Tentará, do mesmo modo, fazer com que o operário trabalhe todo sábado, se possível. Fará com que o salário atrase, e que a jornada de trabalho invada a noite e alcance o domingo. Ela tem do seu lado, um congresso nacional pró-patronal, disposto a votar medidas duríssimas contra quem trabalha. E, principalmente, tem do seu lado o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, inimigo da classe trabalhadora e instrumento dos patrões e de seus interesses imediatos e históricos. Os trabalhadores sabem que a vitória dos mais de 700 da grande assembleia da última quinta-feira é provisória, que a patronal não irá lhe dar descanso. Por isso, como bem disse Nestor Bezerra, coordenador do sindicato, mais do que nunca, é preciso descer aos canteiros de obra, juntar a força de um trabalhador com a força de outro (“um guerreiro com outro”), e juntos enfrentarmos os dias sombrios que martirizam a nossa classe.
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