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BRASIL

“Você ficou do lado deles, Tábata”

Uma carta fictícia de uma professora para a deputada Tábata Amaral (PDT), após o seu voto na reforma da Previdência

Maria Joana da Silva*
Luiz Macedo / Câmara dos Deputados

Meu nome é Maria Joana, sou professora temporária, tenho um contrato precário de trabalho com uma escola pública de uma grande periferia desse país que tem um convenio com uma Organização Social (OS). Duas horas pra ir, duas horas pra voltar. De segunda a sexta, agora também aos sábados por conta da greve que fizemos por conta de salários atrasados…

Acompanho sem a devida dedicação por falta de tempo para me aprofundar, mas acompanhei de alguma forma os debates da reforma da previdência que o governo quer fazer, nossa escola parou na greve geral, fizemos uma roda de conversa com o pessoal do sindicato. São muitas informações a gente fica confusa…

Eu vi que você votou novamente a favor da reforma da aposentadoria, contrariando a orientação do seu próprio partido. Acompanho sua trajetória tem um tempo, fiz campanha pelas redes sociais, sempre admirando o seu trabalho. Sempre tive você como uma referencia política…

Eu escrevo essa carta no final de uma noite, cansada, e circula na minha cabeça a preocupação se terei o meu contrato de trabalho renovado no final do ano, com dois filhos para criar. Fico a procura de outras possibilidades de emprego, de projeto financeiro, as vezes uma angustia, mãe solteira. O tempo passando e a gente perdendo para o tempo… Não trabalha para viver… Mas vive somente para trabalhar…

Então, eu escrevo essa carta, mas como um desabafo, uma auto terapia, para tentar harmonizar meu sistema nervoso talvez. Vou publica-la nas redes. Vou fazer isso como alguém que atira uma carta dentro de uma garrafa no mar… Se tiver sorte, chegará ao conhecimento da deputada.

Pois bem, eu cheguei em casa agora, na TV a pauta da Reforma da Previdência, que foi votada em segundo turno nessa terça feira. Acabo de ver num site de noticias, sua declaração dizendo que “quem votou contra, não votou pensando nos mais pobres, mas votou pensando na eleição.”. Eu realmente fiquei chocada…

Eu vi vídeos e entrevistas mostrando que desde o início você se interessou sobre o tema. A gente até entende que fazer um ajuste no sistema de aposentadorias é preciso em algum momento, por conta da dinâmica demográfica do desenvolvimento populacional do país. Mas quando vamos alterar convenções sociais antes estabelecidas, que vão modificar os pesos e contra pesos da sustentação material do estado e da responsabilidade de cada fração social… O que define em ultima instancia as decisões é o elemento ideológico, a maneira que a gente percebe o mundo e as sensibilidades que nos chama mais atenção. E o que determina os elementos ideológicos são os interesses de cada classe em luta…

Dentro desse congresso de tantas raposas e absurdos. Eu jamais achei que eu não poderia enquanto trabalhadora, não contar com você. Num momento desse, eu sempre acreditei que você seria eu mesma lutando dentro do congresso nacional em defesa dos direitos da classe trabalhadora e dos homens e mulheres que tem suas vidas arruinadas nos moinhos desse sistema…

São muitos elementos e detalhes que envolve a reforma da previdência e eu não quero ficar aqui discutindo ponto por ponto, porque não há necessidade. Eu só gostaria de destacar e pensar com você um único trecho:

“Pelas novas regras, o valor da aposentadoria será calculado com base na média de todo o histórico de contribuições do trabalhador (não descartando as 20% mais baixas como feito atualmente).

Ao atingir o tempo mínimo de contribuição (20 anos se homem 15 se mulher para aqueles que ingressarem no mercado de trabalho depois de aprovada a reforma), os trabalhadores do regime geral terão direito a 60% do valor do benefício integral, com o percentual subindo 2 pontos para cada ano a mais de contribuição. Para ter direito a 100% da média dos salários, a mulher terá que contribuir por 35 anos e o homem, por 40 anos.”

Traduzindo o meu entendimento: A mudança no cálculo, traz uma desvantagem, fazendo o valor do benefício baixar. Quando for aposentar, o trabalhador só irá receber o valor integral da média salarial( rebaixada) quando contribuir 40 anos( homens) e 35( mulheres).

Cara Deputada Tábata Amaral, somente esse trecho acima, para mim dá uma tristeza profunda… Eu que não tive a sorte de nascer em berço de ouro e com 40 anos de idade nunca consegui contribuir mais do que 7 anos. Trabalho desde os 15 anos de idade, e na maioria desse tempo, foram poucas as vezes que pude ter um trabalho digno com a minha contribuição previdenciária recolhida devidamente. Eu fico pensando como será para a vida das novas gerações de trabalhadores pobres como eu, que não vão encontrar trabalho com carteira assinada facilmente. Principalmente porque quase todos os direitos trabalhistas estão também sendo retirados da legislação, por um presidente que está dizendo ao mundo que a vida de patrão que é difícil e que a relação de trabalho precisam ser quase informal… Numa situação onde os bancos batem recordes de lucro no meio de toda crise econômica que castiga um país com um índice de desigualdade chocante.

Quando a gente vai ficando velha e vê os filhos crescerem, a gente começa a perceber que além de lutar pra ter uma casa, pra ter uma geladeira com comida e ter um conforto básico entre outras coisas da sobrevivência… A gente também tem que lutar pelo tempo. E quem trabalha ou tem um pequeno negócio… Tem duas dimensões para lutar pelo tempo que envolve as relações de trabalho. Lutamos pra ter mais tempo livre na semana, pra dar mais atenção para os filhos, ou para cuidar dos pais, para estudar, para cuidar da saúde, para ter e fazer cultura, para exercer de alguma forma suas potencialidades físicas e intelectuais, para entender o mundo… E tem outra dimensão, que é a luta para ter mais tempo livre na velhice, não para curtir uma enfermidade numa cama de hospital, mas par ter o fim da sua dura caminhada pela terra, com saúde para conseguir viver, e não somente sobreviver.

Porque alguém que trabalhou a vida toda, nem sempre em empregos formais, conseguiu com muito custo contribuir para previdência, entregou sua vida em anos de emprego numa grande empresa, passando parte dessa trajetória em atividades insalubres… Porque é essa pessoa que terá que pagar mais ou ser parte da única fração social que será castigada pela reforma? Numa situação onde o sistema financeiro concentra radicalmente a riqueza produzida, que essa sim, poderia pagar qualquer ajuste no sistema previdenciário do país… Não parece uma lógica obvia e simples de entender?

Para um neoliberal ou qualquer capitalista mesquinho, não! Não parece ser uma lógica simples, porque na concepção deles, vale tudo para impedir a queda da taxa de lucro. E somado a isso, parte dessa ínfima minoria social, acredita que foi eleita por Deus para gozarem da prosperidade, porque mereceram, pelo fato de serem os cristão que eles são.

A minha imensa decepção e que me faz escrever essa carta para você deputada. É explicar porque você perdeu uma eleitora, uma grande fã e apoiadora. Eu não quero mais fazer campanha para alguém que na hora que estiver em jogo o meu tempo livre, o tempo de ficar com meus filhos, o tempo da minha saúde, da velhice digna e etc… Quando tudo isso estiver em jogo eu quero ter a certeza que a deputada que eu votei vai ficar do meu lado e não do lado de quem sempre se deu bem nesse país. Do lado dos banqueiros, … já está quase todo PIB que esse país produz…

Essa gente que vive numa realidade paralela de tão ricas que são

Essa gente vive num luxo infinito, alguns deles já tem deputados que gastam R$ 150 mil reais com tratamento dentário (dinheiro público), pisando sobre os sonhos de milhões de brasileiras e brasileiros, e incrivelmente tem o escárnio de chamar o trabalhador de privilegiado.

Eu aprendi com você deputada que a gente tem que lutar pelo o que acredita, e eu não acredito mais em você.

Você ficou do lado deles Tábata.

Maria Joana da Silva*

 

  • nome fictício