Greve na Baixada foi o meme do Chico Buarque invertido: a gente ficou triste, depois feliz

Leandro Olimpio*, da Baixada Santista, SP
Leandro Olimpio

Concentração de manifestantes no Ato Unitário, em Santos

É véspera da greve geral na Baixada Santista (SP), pouco antes da meia-noite, e não se fala de outra coisa nos grupos de whats app da militância: afinal, os ônibus vão parar ou não vão? A mesma pergunta, horas antes, já havia sido feita por boa parte das pessoas abordadas no terminal rodoviário de Santos, durante panfletagem sobre o 14 de junho. Muito provavelmente, todas elas integrantes do imenso batalhão de assalariados sem qualquer amparo de seus sindicatos para entrar em greve. A única chance de aderir ao movimento seria “involuntariamente”, a partir do bloqueio do transporte público.

Poucos minutos depois, a notícia que jogaria um balde de água fria em muitos é confirmada: diante das várias liminares obtidas contra a paralisação do transporte público, o Sindicato dos Rodoviários recuou. Quem é da Baixada Santista e participou de toda construção da greve geral, provavelmente, se identifica com este relato. A expectativa e apreensão se transformou em desânimo, frustração. Mas, enfim, era preciso construir a necessária e possível greve geral.

O vídeo produzido pela Frente Sindical Classista (assista aqui) demonstra que, apesar da cobertura cretina da imprensa regional, o 14 de junho na região esteve longe de ser um fiasco. Em diferentes momentos do dia, os portais de A Tribuna e Santa Cecília se esforçaram em pintar um cenário desolador. Fotos, com ângulos escolhidos a dedo, mostravam atos esvaziados. Postagens sem qualquer rigor jornalístico, em tom de pirraça para atrair cliques, repercutiam ações isoladas de enfrentamento para desmoralizar o movimento.

Não reconhecer que a greve geral em nossa região poderia ser maior seria um erro. Mas seria igualmente equivocado menosprezar o que fizemos, desprezando as diversas iniciativas que conseguimos concretizar.

Parece justo dizer que a greve geral na Baixada Santista se materializou como um forte dia de luta, mas aquém de suas possibilidades. Isso porque, desde o início, sabíamos que isso dependeria do bloqueio da circulação de ônibus, cujos impactos transbordam a categoria e atingem uma ampla parcela da classe trabalhadora da região, que depende exclusivamente deste meio de transporte para chegar ao trabalho.

Não é desprezível as consequências de uma liminar para os sindicatos, por isso seria equivocado relativizar o peso da multa estipulada aos rodoviários. Em sua decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou como pena, em caso de descumprimento, multa diária de R$ 1 milhão. Servidores de Santos e petroleiros, em greves recentes, já sofreram com a mão pesada da Justiça e também se viram forçados a recuar. Aliás, em tempos de extrema direita no poder, o caráter reacionário e anti-trabalhador da Justiça será ainda maior daqui pra frente, exigindo de todo o movimento uma reflexão sobre este tema.

Apesar de reconhecer a gravidade da liminar, é inegável a enorme frustração diante deste recuo. E a frustração foi ainda maior diante da argumentação política adicional usada. Em seu comunicado, divulgado nas primeiras horas de 14 de junho, o sindicato também diz que “ainda devido a apresentação do recente relatório da Reforma da Previdência que precisa ser melhor analisado, optamos por suspender a greve e aguardar novo posicionamento das centrais sindicais”.

Além de dar margem para ilusões de toda ordem, desarmando a continuidade da luta direta pós-greve geral (não há negociação com este governo), foi o suficiente para alguns sindicatos e centrais reproduzirem o mesmo discurso e tirarem o pé. Boa parte deles não ajudou nem mesmo a garantir os bloqueios de rua tradicionalmente feitos na região, mesmo não sendo alvos de liminares.

Diante disso, coube à Intersindical, bancários, Maria Vai com as Outras, LSR, UJC, Povo Sem Medo, CUT, anarquistas e diversos outros ativistas o esforço de garantir ao menos um bloqueio: o da avenida Nossa Senhora de Fátima, que dá acesso a Santos para quem vem de São Paulo, São Vicente, Praia Grande e Cubatão.

Greve petroleira foi o carro chefe

Apenas os petroleiros fizeram de fato um dia de greve geral, cabendo a esta categoria estratégica (por sua localização na produção de riqueza) o protagonismo na região. Piquetes foram montados na Refinaria Presidente Bernardes, UTE Euzébio Rocha e terminal Transpetro Pilões, em Cubatão, e no terminal Transpetro Alemoa, em Santos. A maior parte dos petroleiros diretos (concursados) sequer foi para as unidades e os terceirizados que chegavam nos ônibus eram, logo após breve conversa, dispensados.

Repetindo o que houve em greves anteriores, diversas chefias obrigaram os terceirizados a aguardarem nas vans uma possível desmobilização dos piquetes. Alguns, mesmo após o horário do almoço, ainda esperavam nas imediações. Com o piquete mantido até 16 horas, a greve foi garantida em todas as unidades operacionais. Essa ação do sindicato foi valiosa, pois era nítido o desejo de participação desses trabalhadores na greve. E sem os piquetes para preservá-los de futuras punições e assédio, seria muito difícil.

É importante registrar, para não se flertar com a falsa sensação de autossuficiência, que os piquetes na Petrobras só foram garantidos porque houve o apoio de muitos sindicatos e ativistas, dentre eles aqueles que votaram pela greve em suas categorias e não foram trabalhar mesmo sabendo que nos seus locais de trabalho o dia não seria de paralisação. Por isso mesmo, acertaram as entidades que votaram em assembleia a adesão à greve geral, dentre elas a maioria dos que integram a Frente Sindical Classista.

A maior expressão deste apoio foi o ato no prédio administrativo da Petrobras, no Valongo, em Santos, onde diversas forças políticas e ativistas se dirigiram até a unidade para fortalecer o piquete ali montando. Num momento em que o pré-sal é vendido a preço de banana para as multinacionais, e nossas refinarias estão sob ameaça de privatização, o fortalecimento desta categoria na greve geral foi fundamental.

O “segredo” que afeta mais nosso exército que os inimigos

Precisamos valorizar os aspectos positivos da organização da greve na região e, ao mesmo tempo, repensar algumas táticas. O primeiro destaque, positivo, foi o esforço de diversos ativistas e organizações para construir desde o início um processo unitário de luta. Isso se refletiu na construção de um importante calendário de preparação da greve geral, com reuniões organizativas nos dias 3 e 10 de junho, panfletagens em locais de grande circulação e entrevista coletiva dos sindicatos no dia 12. Essa busca pela unidade, envolvendo em espaços coletivos todos aqueles que se dispõem a arregaçar as mangas, sobretudo o movimento estudantil, foi um acerto e deve seguir nas próximas lutas.

Por outro lado, é questionável a insistência em manter segredo sobre os locais onde serão realizados bloqueios. Tanto em 2017, quanto agora em 2019, o esforço em manter sigilo não foi suficiente para impedir que, um dia antes, a imprensa anunciasse os possíveis focos de piquete nas ruas. Até porque, lembremos, são sempre os mesmos.

Ao invés de favorecer o movimento, essa tática tem sido um problema para a organização da greve geral. Isso porque de um lado gera desinformação e dispersão dos vários lutadores que ficam até a véspera sem saber como e onde participar; e de outro, facilita a vida dos setores mais atrasados e vacilantes do movimento sindical a recuar sem grandes custos. Em vez de confundir as tropas inimigas, paralisa e confunde nosso exército.

Ou de fato pensamos em formas novas de luta, justificando na prática a recusa em compartilhar entre os nossos alguns planos, ou sabendo que serão os mesmos locais fazemos uma boa organização prévia das ações. Caso contrário, continuará sendo uma tática infrutífera, sem nos garantir correlação de forças mais favorável nas ruas.

O Ato Unitário

Outro erro, felizmente revertido, foi a reunião preparatória do dia 10 não ter feito um único encaminhamento prático para a greve geral, se restringindo a saudações das forças presentes. Era fundamental, naquele espaço, definir o horário e local do ato unificado. Não se trata aqui de apontar responsáveis, mas de registrar a importância da divulgação antecipada de uma atividade que se mostrou fundamental para o desfecho do 14 de junho.

Um dia depois, na assembleia da Unifesp Baixada Santista, último espaço coletivo de discussão e deliberação sobre a greve, corretamente os estudantes definiram os detalhes do Ato Unitário, acertando tanto no local escolhido (Estação Cidadania), como no horário (concentração 17 horas).

Foi correto o local, pois a memória recente tem sido de atos vitoriosos a partir da estação Cidadania. Os atos em defesa da educação, em 15 e 30 de maio, são exemplos contundentes. E foi correto o horário definido – dúvida legítima que se manifestou no próprio dia 10 – por duas razões.

Primeiro, porque petroleiros ficaram nos piquetes até 16h. Um ato no meio do dia inviabilizaria a participação da única categoria que parou efetivamente. Segundo, porque dada a fragilidade do movimento sindical, a enorme informalidade no mercado de trabalho, muitos trabalhadores não poderiam fazer greve, correndo risco de punições e até demissão.

O ato, realizado após o expediente, reuniu mais de mil pessoas e foi o que permitiu a todos que não puderam se integrar ao longo do dia nas atividades ser parte da greve geral. E para nós militantes, que estávamos frustrados até então com a não paralisação dos ônibus, foi uma grande injeção de ânimo, alterando positivamente o balanço do dia. Estávamos todos exaustos, mas não havia desfecho mais adequado do que ocupar novamente a Avenida Ana Costa, com estudantes e trabalhadores juntos.

A turma verde-amarela que foi à Praça da Independência, no dia 26 de maio, defender o absurdo corte de 30% na educação, certamente não está satisfeita com a ocupação sistemática das ruas pelos trabalhadores e estudantes. Em tempos de polarização, essa demonstração de força e disposição de luta deve ser comemorada.

E apesar de todos os problemas e limites enfrentados, devemos nos apoiar no fato de que estamos numa região onde sindicatos combativos conseguem interferir positivamente na realidade. A Baixada Santista foi parte da greve geral contra a reforma da previdência, os cortes na educação e a privatização de nossas riquezas. Parabéns a todos nós que, desde as primeiras horas do dia 14 de junho, levantamos para dar um passo a frente na batalha contras os ataques do governo Bolsonaro.

 

*jornalista e militante da Resistência/PSOL