Recentes revelações do The Intercept estão compondo o quadro do processo de golpe de Estado que teve como ponto culminante a aprovação, em 31 de agosto de 2016, pelo Senado Federal, do impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT).
Militares, agronegócio, FIESP, grandes meios de comunicação, fundamentalismo religioso, partidos tradicionais (PSDB, Democratas, MDB), movimento reacionário de massas, imperialismo estadunidense, setores da esquerda, Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal convergiram em uma frente única reacionária para mudar o capenga regime de Estado Democrático de Direito brasileiro em um mostrengo autoritário em crescimento. O eixo de toda essa operação golpista era o suposto caráter ético e emancipatório da Lava Jato em sua luta contra a corrupção. Aqui é bom lembrar que a “luta contra a corrupção” tem um longo histórico a serviço da reação: Mussolini, Hitler, Plínio Salgado (nosso fascista tupiniquim), a UDN e todos os golpistas de 1964 foram grandes representantes do combate ao comunismo e à corrupção.
Todo o esforço golpista resultou no governo Temer que radicalizou as medidas de austeridade: corte de gastos sociais, desmonte da legislação de direitos trabalhistas, ampliação da mercantilização de serviços fundamentais entre outras ações contra a população trabalhadora. Apesar disso, e de algumas divergências sobre os caminhos da Operação Lava Jato, esta seguia para os meios de comunicação dominantes, em sua cruzada anticorrupção, acima de qualquer suspeita.
Bem, nada como as denúncias do The Intercept para nos trazer à realidade: essa nova árvore ajuda a delinear a floresta macabra do golpismo. O Judiciário é partidário da reação. O Ministério Público e a Polícia Federal são arbitrários e conspiram com o imperialismo contra minguadas conquistas da maioria da população brasileira. Mecanismos obscuros, próprios de regimes de exceção, vêm à luz do dia: conluios, provas forjadas, perseguição de inocente, procedimentos irregulares. E tudo para evitar a candidatura de Lula à Presidência da República e reestruturar o regime político.
Todo esse mecanismo vai além de um problema de personalidade ou de ética. É uma questão relacionada a própria formação social brasileira e à luta de classes. Infelizmente, o resultado da derrota da ditadura (1964-1985) não superou os mecanismos oligárquicos de poder no Brasil. Houve certos avanços formais e positivos presentes na Constituição de 1988, que expressou uma determinada correlação de forças. Porém, o regime político instaurado sempre foi, em última instância, impermeável às reivindicações populares. A burguesia interna e associada ao imperialismo, que possui como fundamento existencial a superexploração do trabalho, teme qualquer concessão democrática aos trabalhadores. Os mínimos direitos tiveram que ser conquistados com muita luta. Além disso, a origem das classes dominantes brasileiras tem raízes profundas na violenta colonização portuguesa, no latifúndio, na monocultura, na produção voltada para o exterior e na escravidão de africanos. O passado do Brasil é escravista colonial e está presente na estrutura de classes, na cultura e nas instituições.
O impasse atual é que inclusive as conquistas formais e parciais do regime político instaurado pela Constituição de 1988 não interessam às classes dominantes brasileiras e ao imperialismo. A destruição da Previdência, a privatização da educação e da saúde, o ataque à demarcação de reservas indígenas, a superexploração do trabalho, a submissão ao imperialismo estadunidense, a repressão aos movimentos do campo, a opressão de setores sociais (negros, LGBTs, mulheres) e a devastação ambiental, tendem a se chocar com as parcas conquistas democráticas. Daí o governo de extrema-direita de Bolsonaro ter iniciativas mais contundentes para instaurar um Estado a serviço do ultraliberalismo econômico, um Estado mais forte no controle e repressão de movimentos populares para servir aos interesses econômicos da oligarquia financeira, do latifúndio e do imperialismo.
A simbiose entre Moro, Dallagnol e, agora, Fux, que hoje causa horror até em setores liberais, será regra geral se o governo Bolsonaro não for derrotado. Por isso, a importância que foi o dia 14. Apenas a iniciativa das multidões, dos milhões que constroem o Brasil cotidianamente pode virar o jogo. Derrotar a destruição da previdência é um passo significativo para barrar o processo de golpe de Estado e seu produto: o governo Bolsonaro. Lula livre! Viva a greve geral!
* Frederico Costa é diretor do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará – SINDUECE/ANDES-AD e Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO.
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