Dois países foram para as ruas protestar neste final de maio. No primeiro ato, dia 26, os apoiadores do Bolsonaro se mobilizaram em favor do presidente e sua agenda de “reformas”. No segundo, dia 30, estudantes de universidades federais foras às ruas contra os cortes nas universidades. Além das diferenças ideológicas, o perfil social de quem foi a cada evento foi bem diferente.
Vejamos o ato de domingo em favor do governo. O Monitor do Debate Político do Meio Digital, ligado à Universidade de São Paulo (USP), fez uma pesquisa sobre o perfil dos manifestantes. De acordo com os dados coletados, 54% tinham uma renda familiar maior que cinco salários mínimos e 66% eram brancos, sendo apenas 28% pretos ou pardos. Os homens eram 65% dos presentes e 91% eram maiores que 25 anos.
E no segundo ato? Quem esteve nas ruas foram os estudantes de universidades e institutos federais. Existe a lenda de que “apenas rico estuda em federal”. Mas se levarmos em conta a pesquisa de 2018 feita pela associação dos reitores das Universidades Federais, a realidade é outra. De acordo com os dados, 66% dos estudantes vêm de famílias com renda individual menor que um salário mínimo e meio. Além disso, após a política de cotas, 51% são negros e pardos. A mulheres representam 52% dos estudantes e 49% têm entre 20 a 24 anos.
De um lado um país de maioria branca, masculina, velha e rica. Do outro, um país de maioria negra, feminina, jovem e periférica. Não se trata apenas de discutir as pautas ou o número de pessoas em cada ato, mas quem representa mais o Brasil do mundo real. Nesse quesito, o ato das universidades federais ganhou de lavada.
Para quem viu de perto, a diferença foi gritante
O autor desta coluna esteve presente nos dois atos em Brasília. Para além dos dados das pesquisas, ver de perto o perfil de cada manifestante foi uma experiência bem interessante. De fato não se trata apenas de meras divergências políticas, mas de projetos de sociedade inconciliáveis.
No ato em favor de Bolsonaro não se via uma mulher desacompanhada de pai, marido, ou filho. Uma sequer. As raríssimas mulheres jovens estavam sob o olhar atento e ciumento de algum homem. No ato dos estudantes era bastante comum grupos de mulheres jovens podendo circular livremente.
Chamar o ato bolsonarista de manifestação da “elite branca” é forçar a barra. Havia negros defendendo o presidente, apesar de em menor número. Mas uma diferença notável é que no ato dos estudantes, os negros apareciam orgulhosos de seus traços, de sua cultura, com seus turbantes e cabelos crespos. No ato em favor de Bolsonaro isto não acontecia de forma alguma.
Um fato interessante foi ver um casal gay no ato bolsonarista. Apenas um. Se acariciavam com tanta discrição que era difícil perceber. Ao contrário dos casais de homens e mulheres, que se beijavam livremente. No ato dos estudantes do dia 30, não se via muitos namoros e beijos, quem acha que vai encontrar “uma verdadeira suruba” em atos assim vai se decepcionar. Mas os LGBTs expressavam livremente suas características, além de levantar os cartazes de sua causa. Havia travestis “montadas” e pessoas trans se apresentando com tal sem medo de constrangimento.
No ato bolsonarista, foi tranquila a participação da versão atual do grupo fundamentalista católico “Tradição, Família e Propriedade”. Seu conservadorismo é tão grande que eles chegam a ser contra o divórcio. O ato dos estudantes do dia 30 com certeza teve a participação de muitos católicos. Mas dificilmente um grupo que defende a volta para a idade média seria aceito.
O preço o lanche que os comerciantes vendiam refletia um pouco do perfil de cada manifestante. Por menos de R$ 10,00 era difícil comem no ato Bolsonarista. Por R$ 5,00 dava para forrar o estômago no ato dos estudantes.
Não podemos ser simplistas. Quem foi no ato para defender Bolsonaro não era 100% gente velha, conservadora e da elite. Mas a hegemonia ali era esta, isto não dá para contestar. No ato dos estudantes não podemos dizer o que estava lá era a exata representação do proletariado. Mas com certeza se aproxima mais do país que tem 13 milhões de desempregados.
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