Para além do lulismo: Vamos Sem Medo


Publicado em: 15 de agosto de 2017

Colunistas

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Colunistas

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Compartilhe:

Ouça agora a Notícia:

Por Valério Arcary, Colunista do Esquerda Online

É possível que a tensão entre a eficácia política que representam as organizações e os perigos ideológicos e políticos que encarnam seja insolúvel. Isso pode ser algo com que nós simplesmente tenhamos que nos acomodar. Parece, no entanto, que esta é uma questão que deve ser tomada de frente e que deve ser amplamente discutida, caso contrário, corremos o risco de ser dilacerados em duas frações absurdas, a “sectária” e a “marginal “. O número de pessoas ao redor do mundo que são “ex-militantes”  e que não são filiadas a nada, neste momento, mas que gostariam de alguma forma ser politicamente ativos tem, penso eu, aumentado enormemente depois da decepção do pós 1968. Eu não acho que devemos interpretá-lo como a despolitização dos que perderam suas ilusões, embora isto seja, parcialmente, verdadeiro. É, antes, o medo de que a atividade militante seja eficaz apenas na aparência. [1]

                                                                                                  Immanuel Wallerstein

Aproximam-se os prazos de votação da reforma da previdência. Mas a indispensável unidade para lutar contra as reformas não autoriza concluir que a unidade eleitoral deve ser feita em torno de Lula. Uma parte do petismo reagiu, criticamente, ao lançamento da plataforma Vamos Mudar o Brasil Sem Medo. Isso era previsível. Mas, Lula não pode mais unir a esquerda. Treze anos no governo, os limites de um reformismo quase sem reformas, mais o mensalão e o escândalo da Petrobrás não foram em vão. Se não abrirmos um debate sobre o programa que vá além do que foi o lulismo, o perigo de uma desmoralização da geração que despertou para a luta política depois de junho de 2013 é muito grande.

Nostalgia em política é um sentimento conservador, e não é boa conselheira. Aqueles que ainda querem reviver a experiência lulista se enganam a si mesmos. Pensar que o amanhã será como ontem é o mais perigoso dos erros, porque ignora as mudanças, os deslocamentos incessantes e ininterruptos no tempo. Esse tempo subjetivo da permanência é uma ilusão. Uma ilusão que aprisiona em rotinas mentais. São a raiz profunda dos erros políticos. Ir além das ilusões pode ser cruel, mas esse é o desafio central da tática.

Quando uma organização ou movimento está aquém do tempo histórico deixa o passado governar o futuro, e sucumbe. Quando está além, se ilude que o futuro possa governar o presente, e permanece marginal. A iniciativa do MTST de discussão pública de um programa diferente do programa do Lulismo tem um sentido renovador, e tenta abraçar uma iniciativa reorganizadora para a esquerda.

É verdade que, até agora, não há um plano de lutas à altura da necessidade de enfrentar o desafio de bloquear a votação da reforma da previdência, o que produz alguma angústia. A dificuldade de construir a resistência parece evidente. Ela vai exigir a luta pela frente única. As centrais sindicais estão quietas e sem iniciativa, incluída a CUT. Ninguém pode dizer se o governo Temer conseguirá ou não os 308 votos que precisa para votar mais esta PEC. Mas é bom critério não confiar somente nas pressões parlamentares. Muitas dezenas de milhões de vidas serão prejudicadas em nome das “necessidades do ajuste fiscal”. A direção do PT organiza uma caravana com Lula, pelo nordeste escoltado pelo MST, para demonstrar força social e tentar evitar uma segunda e fatal condenação no TRF de Porto Alegre. Tem todo o direito de o fazer, mas parece pouco.

A história sugere que, talvez, exista um lapso de tempo na forma de atraso entre a emergência de uma ação imposta pela pressão de uma realidade objetiva que amadurece, velozmente, e a capacidade das classes populares de responder à altura da defesa de seus interesses. Nesse sentido, a política está, tendencialmente, atrás da história, enquanto a teoria está à sua frente. Porque se a política se atrasa, a teoria se antecipa. São dimensões muito diferentes: a atividade de pensar e a de agir sobre o mundo. Esta obedece à necessidade de mudar o estado de ânimo das grandes multidões, e convocá-las à luta; aquela, se dedica à análise dos fenômenos, e busca a construção de explicações e previsões.

Foi nesse sentido que Marx cunhou a quase sempre  mal interpretada frase de que “a humanidade não se coloca problemas para os quais as soluções já não estejam reunidas”, ou em vias de maturação. Ela traduz a compreensão das mediações, e a principal é aquela construída pela vontade humana, e não o inverso. Um estreito determinismo é sempre a negação das possibilidades da luta política.

Os partidos das classes populares, enquanto lutam entre si, lutam também para influir sobre os estados de espírito de suas bases sociais, e sobre o humor das bases sociais que lhes são socialmente hostis. Nenhum partido é imune às pressões inimigas. O desencontro pode ser de dupla natureza: ou porque os partidos estão aquém, ou além do desafio histórico. Porque o tempo histórico da política que se define como estratégia, é aquele que faz a mediação entre o presente e o futuro, e esse tempo se articula como hipótese e está sempre em aberto. Está sujeito a redefinições, já que no presente tudo está em movimento, em uma instabilidade que é pouco previsível.


[1] Immanuel Wallerstein, 1968Révolution dans le Sistème Mondial, in Le Temps Modernes, 514/515, mai-juin 1989, p.172)


Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição