O jornalista João Filho, colaborador do The Intercept Brasil, publicou um texto no final de janeiro, dizendo que “Sergio Moro virou um soldado raso do Bolsonarismo”, argumentando muito bem como o ex juiz Sergio Moro largou a sua carreira admirada por grande parte da sociedade, na qual construiu uma imagem de herói anticorrupção, representado pelo boneco inflável “Super Moro”, que lhe rendeu premiações e viagens internacionais, para se tornar um mero político bolsonarista.
Aliás, política foi o que Sergio Moro sempre fez enquanto vestia toga, Sergio Moro atuou claramente para desestabilizar o governo PT, quando realizou operações e liberou gravações de áudios ilegais, inclusive, para imprensa, dias antes dos protestos a favor do impeachment de Dilma. A pressa que Sergio Moro teve ao assinar a ordem de prisão de Lula, surpreendendo até mesmo ao TRF 4, que esperava julgar os embargos de declaração em 30 dias, para só assim autorizar o cumprimento da sentença. Ao aceitar integrar o governo Bolsonaro, Sergio Moro não apenas foi recompensado pelo papel que cumpriu como também alcançou o objetivo traçado, a sua esposa, por exemplo, comemorou a eleição do candidato da extrema direita no segundo turno através da internet. Não só apenas comemorou e até mesmo se alistou na milícia digital bolsonarista, ao reclamar dos críticos do governo.
E por falar em milícia, Sergio Moro sabe que a família Bolsonaro mantém estreita relações com milicianos do Rio de Janeiro. No ano de 2005, Jair Bolsonaro fez um discurso no Congresso, em defesa do ex capitão da PM, Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado pelo Ministério Público como chefe da milícia de Rio das Pedras e articulador do chamado “Escritório do Crime”. O discurso de Bolsonaro correu dias após Adriano ter sido condenado a 19 anos de prisão, pelo assassinato do guardador de carros Leandro dos Santos, que havia denunciado PM’ s por extorquir moradores. E dois anos antes, em 2003, Jair Bolsonaro já tinha ido ao plenário da Câmara dos Deputados, defender a atuação de grupos de extermínio na Bahia.
Flávio Bolsonaro, quando ocupou o cargo de deputado estadual, condecorou Adriano Magalhães e seu grupo, conhecido como “Guarnição do mal”, na comunidade de Parada de Lucas, e um mês depois esses policiais se envolveram num caso de extorsão, sequestro e tortura. Adriano Magalhães foi condecorado com a Medalha Tiradentes quando estava preso preventivamente. Flávio Bolsonaro empregou no seu gabinete a mãe do ex PM, Raimunda Magalhães, que aparece no relatório do COAF, como uma das assessoras que fez depósito na conta de Fabrício de Queiroz e também a sua esposa Danielle Mendonça da Costa Nóbrega. E assim como Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro defendeu a legalização das milícias e votou contra a CPI das milícias, que resultou na prisão de centenas de membros da organização. Uma pesquisa divulgada segunda feira (18), demonstrou que a maioria dos moradores do Rio de Janeiro tem mais medo da milícia do que do tráfico de drogas.
Segundo o relatório do COAF, que apontou transações financeiras atípicas na conta de Flávio Bolsonaro, o senador fez 48 depósitos de 2 mil reais com diferença de minutos em cada operação, ao invés de depositar o valor total. E para explicar a quantidade sucessiva de depósitos, Flávio Bolsonaro diz que fracionou o dinheiro em 48 envelopes para evitar filas. No livro “Crime de lavagem de dinheiro”, publicado em 2010, pela editora Saraiva, Sergio Moro escreveu que não era incomum que para ocultar transações financeiras com dinheiro de origem ilícita, os criminosos realizassem operações bancárias com dinheiro fracionado, cujo objetivo era dificultar a identificação da movimentação pelo COAF. O que Sergio Moro tem a dizer sobre Flávio Bolsonaro? Não sabemos ou talvez saibamos, porque o silêncio é revelador.
O Banco Central encaminhou no mês passado, uma proposta para excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras, a proposta visava derrubar a exigência de que todas as transações bancárias acima de 10 mil reais fossem notificadas ao COAF. Só que a ideia não pareceu absurda para Sergio Moro, na visão dele, a proposta do Banco Central deveria ser conhecida e sua razão entendida, para depois ser debatida, como se por princípio, a proposta não representasse uma ameaça as investigações sobre corrupção.
A conveniente mudança do entendimento de Sergio Moro sobre a gravidade do “Caixa 2”
No Brasil, a expressão “Caixa 2” possui dois significados: um deles é a manutenção de uma contabilidade paralela àquela exigida por determinada pessoa jurídica, ou então aquele que é mais popular, o ato de não declarar verba recebida em campanha eleitoral, nesse contexto pode ser chamado de “Caixa 2 eleitoral”. Atualmente, não existe um crime especifico para o “Caixa 2”, apesar de que algumas condutas referentes a essa prática possam, sim, ser criminosas. O que mais se aproxima para uma possível criminalização do “Caixa 2”, são os crimes relativos ao Sistema Financeira Nacional, nos quais o “Caixa 2” mantido por uma empresa privada pode ser enquadrado como falsidade ideológica, previsto no artigo 229 do Código Penal. Se o “Caixa 2” extrapolar a omissão contábil, e tiver objetivo de reduzir o pagamento de impostos, pode ser considerado sonegação fiscal.
O principal caso que trouxe a público o tema do “Caixa 2” no mundo político eleitoral foi o julgamento do “Mensalão” em 2012. A estratégia de defesa utilizada pelas lideranças partidárias e políticos processados, era que o recebimento de recursos durante a campanha eleitoral não contabilizado se configurava como “Caixa 2”. O argumento não foi aceito pelo Supremo Tribunal Federal, que acabou condenado os envolvidos por corrupção e lavagem de dinheiro, durante o julgamento, a ministra Carmén Lúcia considerou o “Caixa 2” uma agressão a sociedade.
O ainda juiz Sergio Moro esteve no Congresso Nacional, para debater o pacote sobre as “10 medidas contra a corrupção”, se dizendo a favor da criminalização do “Caixa2”. No ano seguinte, quando esteve palestrando na universidade de Havard, nos EUA, Sergio Moro disse que “Caixa 2” era trapaça, um crime contra a democracia, muito pior do que a corrupção. Só que como um legítimo bolsonarista, Sergio Moro também volta atrás naquilo que diz. Antes mesmo de assumir o cargo oficialmente de ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro já começou a mudar a sua percepção sobre a gravidade da utilização do “Caixa 2”. Ao ser questionado numa coletiva de imprensa em Curitiba, sobre o fato do Ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ser réu confesso na prática do “Caixa 2”, por ter assumido que recebeu 100 mil reais da JBS na campanha eleitoral. Sergio Moro respondeu que o ministro assumiu o erro e pediu desculpas.
Sergio Moro não só aceitou o pedido de desculpas de Onyx Lorenzoni, como disse que o ministro era da sua “confiança pessoal”, logo após o ministro do STF, Edson Fachin, determinar a abertura de um processo para investigar Onyx. Sergio Moro perdoou Ony Lorenzoni, daquilo que ele mesmo considerava ser algo pior do que a corrupção e ainda tutelou o ministro da Casa Civil, frente as investigações abertas pelo STF. O ministro Onyx Lorenzoni disse que se entendeu com Deus e chegou a fazer uma tatuagem com uma frase bíblica para que nunca se esquecesse que errou. Sergio Moro criou a sua própria religião, na qual os políticos corruptos se confessam, assumem seus erros e são perdoados, acredito que Sergio Moro tenha ido com Onyx Lorenzoni no estúdio de tatuagem para acompanhar a sua regeneração marcada na pele.
A mudança definitiva de Sergio Moro sobre a gravidade do “Caixa 2”, se consolidou na entrega do inconstitucional pacote “anticrime”ao Congresso Nacional, que foi fatiado e enviado sem a criminalização do “Caixa 2”. O ministro afirmou que a retirada da proposta se deu a por causa da “reclamação de alguns agentes políticos, que o crime de “Caixa 2” é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, crime organizado e crimes violentos”, e que seria encaminhado num projeto a parte. Sergio Moro cedeu a reclamação dos agentes políticos, os quais ele não quis dar nomes, para protege los? E sem constrangimento algum, afirmou que “Caixa 2” não é corrupção, que existe o crime de corrupção e o crime de “Caixa 2” e ambos são graves.
O tratamento diferenciado entre corrupção e “Caixa 2” parece ter se generalizado entre os membros da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, se manifestou pelo twitter defendendo a separação entre “Caixa 2” e corrupção, porque nem sempre é possível provar a origem ilícita do dinheiro do “Caixa 2”, apesar de ser uma prática relacionada com a corrupção. E também pelo twitter, o ex procurador geral da República Rodrigo Janot, reagiu com surpresa a separação entre o pacote anticrime e a criminalização do “Caixa 2”. Deve ser a tal ‘nova era’.
Ora, de um crime contra a democracia, uma trapaça e de algo muito do que a própria corrupção, Sergio Moro conseguiu suavizar a prática do “Caixa 2”, do juiz implacável, crítico do foro privilegiado e a favor da prisão em segunda instância, Sergio Moro se mostrou muito sensível aos desejos dos políticos que estão preocupados com a criminalização do “Caixa 2”.
Enquanto a imprensa de forma até correta dá ênfase na mudança, na contradição entre os discursos do juiz Sergio Moro x o ministro Sergio Moro, não considero que estamos de frente a uma metamorfose ambulante, como cantou Raul Seixas. Nós estamos vendo na verdade a coerência de um sujeito que nunca teve pudor em se mostrar parcial, pois o que não faltam são fotos de Sergio Moro acompanhado de políticos do PSDB, cochichando ao pé do ouvido e sorrindo com Aécio Neves, o campeão em ser delatado.
Sergio Moro é um sujeito cínico, que age de maneira conveniente a sua própria moral, quando aceitou se tornar ministro do governo Bolsonaro, chegou ao disparate de falar que não estava entrando para a política, mas sim, assumindo um cargo técnico. Só que por um acaso existe concurso público para o ministério da Justiça? No programa Roda Viva, da TV Cultura, Sergio Moro defendeu o recebimento do auxílio moradia, mesmo morando num imóvel próprio. Segundo Moro, os 4 mil reais do auxílio moradia era uma forma de compensar a ausência de reajuste no salário da magistratura. Eis a lógica de Moro, não é imoral receber auxílio moradia sem ter necessidade, porque no fundo ele estava recompondo a perda salarial acumulada. O próprio Moro resolveu se autoconceder aumento salarial, desviando recursos do auxílio moradia da sua devida finalidade!
Em 2016, Sergio Moro dizia que uma “sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes”, no entanto, Moro se recusou a responder o questionamento, sobre uma reunião que ele teve no ministério com um representante da Taurus, fabricante de armas, no dia anterior da edição do decreto que flexibilizou a posse de armas. Sergio Moro reivindicou o direito à privacidade, porém, as agendas dos ministros são públicas e a reunião não constava na divulgação online. Aguardem, Sergio Moro e Bolsonaro vão mudar tudo isso aí, tá ok?
Artigo publicado originalmente na Revista Rever/Salvador
Foto: Reprodução TV Globo
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