A anti-lógica de Alfredinho: pequena crônica sobre a vida e a morte do embaixador da camaradagem

Por: Manuela Oiticica, do Rio de Janeiro, RJ
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O Bip nunca se interessou pela lógica ou o Alfredo não teria sido eleito o segundo melhor garçom do Rio sem jamais ter servido alguém. Mais gente fora do que dentro, e ele equilibrando a bandeja das contradições que gostava de ressaltar: sou católico mas sou comunista. Porra. Ou vice-versa.

Se formaram mais músicos ali do que em muita faculdade, mais militantes do que em muito partido, mais senso humanitário do que em muita igreja, mais casais do que em muito aplicativo.

Alfredo, seu filho da puta, seu legado também é o do encontro.

Num país que talvez nunca tenha levado tão a sério o salve-se quem puder, o Bip é a embaixada da camaradagem. No mínimo, por pura provocação, porque nós somos desses, seus bolsominions de merda, que conhecemos a teimosia e inventamos outras lógicas para comportar as verdades que o mundo tem insistido em falsear.

Não fosse assim, ele não teria morrido como foi. Uma calçada inteira parando no ar os seus confetes, um asterix em prantos, uma vaca de minissaia consolando a bailarina embriagada. O realismo não comporta algumas perdas que só a fantasia ajuda a embalar.

No apartamento com ele sentado na poltrona em que inventou de morrer, o pré-velório só foi possível quando virou confraria. Aí chegou o cara da funerária e estava tudo parecendo normal demais. Nem de longe lembrava as comitivas de bebuns que invadiam a recepção do pronto-socorro pra amparar alguma emergência do Alfredo, menos ainda parecia o périplo por delegacias depois que um merdinha desses resolveu encher o saco no meio do nosso minuto de silêncio (para Marielle). Mas o cara da funerária era ele sozinho, sem maca nem ajudante. Obviamente, não faltaram braços para carregar o Alfredinho embrulhado para o carro. Mais precisamente, doze braços, doze pernas e muito mais quilos do que comportava o elevador.

Foi o que dissemos várias vezes pros bombeiros. São sete homens – seis vivos e um morto – parados há quase uma hora entre o segundo e o primeiro andar, como se o Alfredo se recusasse a partir ou debochasse da própria partida. Vem logo, moço, porque o elevador é pequeno e o ar, triste e rarefeito.

No fundo, ele sabia que ninguém poderia suportar o dia de hoje e deu um jeito de morrer no carnaval e empacar o elevador. Só assim pra ser possível o fim da noite que um dia cada um de nós já temeu. O Bip nunca se interessou pela lógica, afinal.

Ou então não caberia um tanto de humanidade em imprescindíveis dezoito metros quadrados.

Alfredo, você quer nos fuder?