Gente nasceu para brilhar, não para morrer de fome (Caetano Veloso).
Poucos tiveram conhecimento, mas uma das primeiras medidas deste governo foi extinguir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), responsável por construir políticas públicas referentes à segurança alimentar. Essa ação pode contribuir no aprofundamento do nosso quadro social de desigualdade ao acesso à alimentação e nos colocando a um passo, mais uma vez, do mapa da fome da Organização das Nações Unidas (ONU). É urgente e necessário lutarmos pela permanência do Consea. Além disso, é preciso compreender que essa ação do governo está intrínseca em beneficiar o modelo agroexportador presente no Brasil, tornando nosso país um grande latifúndio do mercado internacional. Nesse sentido, a discussão sobre a conjuntura agroalimentar – que implica na produção e distribuição dos alimentos- é de fundamental importância para entendermos como chegamos até aqui, o que nos espera e quais são as bandeiras de lutas e alternativas apontadas.
O Brasil está na lista dos maiores produtores de alimentos do mundo. Poderíamos ficar muito orgulhosos desse posto se essa produção estivesse voltada em resolver o problema da fome e acesso aos alimentos em diversas escalas. Mas não, não resolve e na verdade só vem piorando a situação. A questão é que o Brasil não é um dos maiores produtores de alimentos, e sim um dos principais produtores de commodities e o projeto que Bolsonaro defende tem a intenção de aprofundar a desigualdade existente na distribuição de alimentos.
Já no primeiro dia do seu governo foi anunciada a medida provisória 870/2019, que altera as atribuições e a estrutura dos ministérios e órgãos. Dentre as modificações, uma que passou, quase como um detalhe, foi a extinção do Consea.
Uma das principais atribuições deste conselho está em formular, monitorar e avaliar políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, objetivando construir ações progressivas ao direito humano à alimentação adequada. Por exemplo, entre as principais atividades desenvolvidas pelo Consea ao longo da sua existência estiveram: aprovação da política e do plano nacional de segurança alimentar e nutricional; proposição do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); ampliação e aperfeiçoamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); proposição dos programas de cisternas, auxiliando no acesso ao direito à água no semiárido; aprovação da política nacional de agroecologia e de produção orgânica.
De mãos dadas com o setor do agronegócio, o governo Bolsonaro tem um caráter entreguista na sua política, especialmente no que concerne a projetos vinculados a nossa biodiversidade. Além da extinção do Consea, em seu discurso em Davos, apesar de ter sido bastante fugaz, Bolsonaro foi claro com sua política, especialmente em falar “compatibilização entre a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico”. Traduzindo o seu discurso nos seus atos e políticas apresentadas: flexibilização das leis ambientais, entre elas a liberação de agrotóxicos de níveis altamente nocivos (como sulfentrazone e sulfoxaflor – banidos nos Estados Unidos e na União Europeia, por estar colocando em risco de extinção das abelhas); perseguição aos indígenas, quilombolas (não garantindo a demarcação de suas terras) e aos camponeses; além da promessa de perdão das dívidas bilionárias dos ruralistas. Resumindo, intenso apoio ao agronegócio em detrimento à agricultura familiar, a responsável pela produção de alimentos.
É importante frisar que grande parte da produção do agronegócio é para atender as demandas do mercado externo. Esse nosso papel cada vez mais fincado na divisão internacional do trabalho, sai para nós a um preço muito caro. Este setor utiliza até a exaustão as forças de trabalho, dos solos, da biodiversidade em qualquer lugar que ele se instala. Vem desencadeando processos de degradação ambiental, desmatamento, grilagem, concentração de terras e riquezas e conflitos no campo. Além da utilização descomunal de agrotóxicos para aumentar de todas as formas a produtividade e os lucros. Deixando para os trabalhadores, o meio ambiente e os alimentos contaminação e problemas de saúde pública a níveis ainda imensuráveis.
Para nós, o que sobra também é um cenário com poucas políticas estruturais de abastecimento local. Talvez isso nos traga indícios do motivo que a cesta básica sobe acima da inflação e atualmente estamos importando feijão, um dos elementos básicos no prato do brasileiro.
Eduardo Galeano nos lembra na obra As veias abertas da América Latina que “a soberania de um povo começa pela boca”. Batemos recordes de produção de “alimentos”, enquanto isso milhares de brasileiros não têm acesso ao seu direito à alimentação, vivendo em estado de fome ou em condição de subnutrição. A nossa dependência e carência alimentar está intimamente vinculada ao modelo agroexportador.
Dia 27 de fevereiro de 2019 vai ser votada na câmara essa medida provisória. É urgente coadunarmos as reivindicações pela permanência do Consea para revogarmos essa medida, pois a extinção desse conselho significa um golpe ao nosso direito básico. Adicionado a isso, temos que nos aliar nas lutas dos movimentos sociais do campo, por ampliação de programas de fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, pela expropriação do latifúndio, pela reforma agrária e aplicação de programas de agroecologia, feiras orgânicas, mercados de circuitos curtos de abastecimento de alimentos, e assim construirmos medidas efetivas para que a classe trabalhadora, tanto no campo como na cidade, tenha garantindo o acesso a uma comida diversificada, de qualidade e livres de venenos.
*doutoranda em Geografia, estuda sobre geopolítica dos alimentos e questão agrária.
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