A tragédia em Suzano e a cultura da violência
Publicado em: 15 de março de 2019
Suzano é uma cidade de porte médio da Grande São Paulo, possui pouco mais de 400 mil habitantes e mais de 200 mil eleitores – a última eleição para prefeito da cidade em 2016 foi em dois turnos.
Vários motivos poderiam dar visibilidade nacional a cidade.
A pujança de sua economia – comércio, serviços, indústria e agricultura -, a hospitalidade de seus habitantes e o bom humor dos suzanenses – não há um dia na escola onde trabalho em que eu não participe de uma ou mais rodas de conversa com piadas e histórias hilárias com as professoras e as funcionárias.
Poderia ser também pela denúncia do abandono da cidade pelos endinheirados locais que monopolizam o governo; ruas esburacadas, inúmeros pontos de alagamento, escolas abandonadas e sem qualquer segurança – os suzanenses não merecem o governo que têm.
Mas, foi sob o signo da tragédia que essa boa cidade alcançou a notoriedade nacional – dois terroristas assassinaram funcionárias e alunos de uma escola pública tradicional na cidade.
A consternação e o horror diante de tal tragédia tomou conta de todos, a repulsa a um ato tão bárbaro como o praticado pelos homicidas da escola Raul Brasil produziu uma unanimidade aparente, população e autoridades – locais e nacionais – repudiaram o massacre.
As declarações oficiais das “autoridades constituídas”; do governador do estado, do prefeito da cidade, dos chefes dos três poderes em Brasília refletiram perplexidade, horror e surpresa – em minha opinião, declarações sentidas e honestas.
Unanimidade aparente porque os representantes do poder se dizem perplexos, que o massacre foi uma ação insana, sem explicação ou sentido.
Que foi uma ato insano, digno de psicopatas e sociopatas creio que seja um fato. Sem sentido ou explicação, é outra coisa. O massacre na escola Raul Brasil expressa algo perfeitamente explicável que ocorre no Brasil; a ascensão da extrema direita e a decadência econômica e social de nosso país como expressão da decadência capitalista.
Mais de 40 milhões de trabalhadores na informalidade, mais de 30 milhões de desempregados e subempregados, a nona maior concentração de renda do planeta – traduzindo: a nona sociedade mais desigual do mundo – e mais de 13 milhões de analfabetos além de uma escolaridade média de oito anos – menos que o ensino fundamental e equivalente a escolaridade do Zimbábue, o pior país do mundo para se viver segundo o IDH da ONU – ajudam a explicar o pano de fundo de tamanho ato de desespero e insanidade.
Na juventude o desemprego e o subemprego são muito maiores do que na média da população, a maioria de nossos jovens – pobres e não brancos das periferias – não têm perspectivas de futuro, sofrem em seu cotidiano todas as formas de violência – da social a policial – sendo que um jovem não branco tem duas vezes e meia mais chances de ser assassinado do que um branco segundo o IBGE.
Essa realidade se reproduz em Suzano, como em todas as cidades de nosso país. Esse caldo de cultura ajuda a explicar o desespero de parcelas crescentes dos jovens, muitos tornando-se presa fácil para grupos de extrema direita que pregam o ódio étnico e social – o outro elemento que ajuda a entender o que houve.
A direita fascistoide prega a violência contra os movimentos sociais e a esquerda em geral, defende o armamento da população – dos endinheirados que podem comprar armas – aumentando o clima de guerra civil ou guerra social dos ricos contra os pobres e os movimentos organizados que impera em nosso país, disfarçada em combate ao crime – que moral ou autoridade uma família que tem relações mal explicadas com criminosos milicianos tem para falar em combate a criminalidade!
Não por acaso, os dois jovens que praticaram o massacre simpatizavam com grupos racistas de extrema direita, que defendiam o nazismo e a pena de morte segundo o portal R7 e Jornalistas Livres.
Como dizia Karl Marx a história se repete.
A base social e popular do nazismo e do fascismo incluía jovens do lumpemproletariado, desesperados e excluídos pelo capitalismo, anônimos que culpavam as minorias e a esquerda pelo seu infortúnio, querendo seus “segundos de fama”.
Esses são os jovens que perpetraram a odiosa ação na escola estadual Raul Brasil – poderia ter sido qualquer escola pública em qualquer outra cidade de nosso país. As escolas públicas de Suzano – como de regra em todo o país – não têm as condições mais elementares para funcionar; falta de tudo – salários dignos, pessoal, segurança, equipamentos – e recentemente a secretaria de educação municipal retirou os agentes de segurança diurnos das escolas transferindo-os para o período noturno a fim de priorizar a proteção ao patrimônio das escolas em detrimento da segurança das pessoas.
Que o ocorrido na escola Raul Brasil sirva de alerta.
Combater futuros atos bárbaros como esse implica em combater e deter o avanço da direita fascistoide no Brasil; para tal é necessária a unidade de toda a esquerda e de todos que defendem a democracia, juntamente com a luta cotidiana por segurança e condições dignas de funcionamento nas escolas – funcionários, salários, equipamentos e democracia.
Prevenir, evitar e combater atos criminosos e bárbaros como esse massacre não passa pelas declarações formais dos governantes e autoridades da extrema direita no governo.
O povo pobre, os movimentos sociais, a esquerda e todos que defendem a democracia devem se unificar em uma batalha – o bom combate – pela vida, por direitos e democracia para superamos esse momento sombrio da história de nosso país e colocar os fascistóides em seu devido lugar – a lata de lixo da história.
Direitos e democracia/liberdades não se negociam, se conquistam.
*Gilberto P. de Souza é professor e diretor de escola em Suzano/SP, autor do livro Inimigos Públicos (Usina Editorial)
Imagem Reprodução TV Globo
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