Ventos novos sopram da Argentina? Considerações sobre a derrota de Macri


Publicado em: 18 de agosto de 2019

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Renato Fernandes, de Campinas (SP)

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No último domingo, 11, ocorreram as eleições primárias na Argentina (PASO). Contrariando as previsões, os analistas políticos e os institutos de pesquisa, o candidato peronista Alberto Fernández derrotou o atual presidente Mauricio Macri por uma grande diferença, cerca de 4 milhões de votos (47,66% a 32,08%). 

A derrota não foi só de Macri, mas das políticas neoliberais que ganharam força após 2014-2015 e que vêm sendo implementadas também no Brasil após o golpe de 2016, por Temer e Bolsonaro. Políticas de retirada de direitos, contrarreformas na previdência, trabalhista, corte nos investimentos sociais, entre outras coisas. A reação do mercado, controlado por investidores estrangeiros e uma burguesia associada a eles, foi imediata e tentaram fazer um “segundo turno” retirando investimentos e pressionando o dólar: o principal índice da bolsa argentina, o Merval, caiu 30%, o peso argentino se desvalorizou frente ao dólar 16,96% e o Banco Central Argentino subiu os juros para 74%.

O Brasil também foi bastante afetado com esse “segundo turno” do capital financeiro internacional. Aqui o dólar subiu a R$ 3,98 e a bolsa brasileira caiu 2%. Bolsonaro, que é um ativo apoiador de Macri, sentiu o impacto dos resultados eleitorais na Argentina, e iniciou uma campanha de terror frente à derrota de seu comparsa .

Para entender melhor o peso da derrota de Macri, vale a pena dar uma olhada em alguns dados eleitorais.

Uma derrota em todo o país

Mauricio Macri sabia que ia ser derrotado na maior parte das províncias, principalmente no interior. Por isso apostava numa vitória nas maiores províncias eleitorais. A derrota foi acachapante na maior parte do país: em Santiago de Estero, por exemplo, Alberto Fernández venceu com 75% contra 13,86% de Macri; em Tucumán, Fernández conseguiu 59,54% contra 24,93% do atual presidente. Porém, Macri saiu vitorioso em dois grandes colégios eleitorais: em Córdoba venceu com 48% contra 30% de Fernández; e na Cidade de Buenos Aires venceu com 44% contra 33% (na província de Buenos Aires, perdeu 50,66% a 29,88%).

No dia seguinte a derrota, a opinião unânime da maior parte dos analistas políticos é que Macri perderá as eleições de outubro. Entre os vários motivos apontados, estão os erros cometidos pela gestão presidencial e pela falta de consenso em sua política macroeconômica.

As urnas demonstraram claramente que ocorreu uma forte rejeição a política econômica do presidente e, como disse um colunista do La Nación, Macri perdeu a legitimidade para continuar a governar. Ao invés de assumir os erros, Macri fez o que é mais comum entre os candidatos burgueses, sugeriu que o povo não sabe no que está votando. Afirmou que a vitória de Fernández e do peronismo kirchnerista seria uma “volta ao passado” e que “o mundo vê isto como o fim da Argentina”.  

A vitória do kirchnerismo não é nenhuma garantia de que a vida da classe trabalhadora irá melhorar na Argentina. Alberto Fernandez é um neoliberal, que no primeiro ataque especulativo do imperialismo, após os resultados das PASO, resolveu conversar com Marcri para ver como podem, conduzir este momento difícil da economia argentina.

A derrota não foi só nas eleições nacionais. Nas eleições proporcionais e para governadores os candidatos governistas também foram derrotados. Para deputados, o kirchnerismo de Fernández venceu na maior parte das províncias, ficando com 36% no geral de votos, enquanto o Cambiemos de Macri ficou com 30%. Na eleição para governador de Buenos Aires, Alex Kicilloff, ex-ministro da economia de Cristina Kirchner, ficou com 49,34%, contra 32,57% da atual governadora María Eugenia Vidal – que por algum tempo ficou como possível substituta de Macri, caso ele não decolasse, o chamado “plan V”. A vitória mais importante do macrismo ocorreu na Cidade de Buenos Aires, onde seu candidato Horacio Larreta conseguiu 46,45% contra Matías Lammens, 31,94%.

A votação da esquerda socialista

A esquerda socialista argentina demonstrou ter representatividade eleitoral, ainda que minoritária. O candidato presidencial da Frente de Izquierda y de los Trabajadores – Unidad (FIT-U), Nicolas Del Caño recebeu 697 mil votos, ficando com 2,86%. Se compararmos com a votação das primárias da FIT em 2015, ocorreu uma perda de cerca de 30 mil votos, quando tinha conseguido 3,31%. Dois fatores explicam essa queda: o primeiro é que em 2015, o governo era de Cristina Kirchner e não da direita liberal, o que nas PASO deste ano pesou o “voto útil” contra a direita; o segundo é que em 2015, ocorreu uma disputa entre Del Caño e Jorge Altamira, para ver quem iria ser o candidato da FIT, o que acirrou a votação. 

Nas eleições para deputados, a FIT-U aumentou o número de votos absolutos em Buenos Aires. Em 2015, nas PASO, a FIT obteve 290 mil votos na província, 3,8%; agora, em 2019, a FIT obteve 337 mil votos, ficando com 3,68%. Em outras províncias como em Neuquén fez 5,24%, Córdoba 3,05%, em Mendoza 4,41% e Jujuy 4,83%. Um resultado muito bom da FIT foi na Cidade de Buenos Aires, onde conseguiu aumentar sua votação de 75 mil (2015) para 90 mil (2019). Dessa forma, como já era previsto, o terreno das eleições proporcionais demonstram a possibilidade de ampliar a força da esquerda socialista.

A esquerda socialista também teve como candidata Manuela Castañera, do Nuevo MAS. Apesar de não ter conseguido superar a barreira da PASO, a votação cresceu cerca de 70 mil votos, pulando de 0,47% para 0,71%.

As eleições de outubro

As PASO foram bastante polarizadas entre Macri e o kirchnerismo. A tendência é que na eleição de outubro ocorra o mesmo, principalmente pela possibilidade da derrota de Macri no primeiro turno. As movimentações de Macri e de Fernández em relação ao terceiro colocado, Lavagna que ficou com 8,23%, demonstram isso. Uma vitória de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner será uma derrota dos setores mais à direita na região e, consequentemente, um enfraquecimento de Bolsonaro e de Trump, que estão apoiando a reeleição de Macri.

Já do lado da esquerda socialista, é necessário reconhecer que a FIT-U teve um acerto ao incluir mais forças na frente eleitoral, como o Movimiento Socialista de los Trabajadores. A polarização nacional demonstrou correta essa ampliação da unidade para manter as trincheiras da esquerda socialista. O Nuevo Mas demonstrou que, apesar de não fazer parte da FIT-U, construiu um espaço eleitoral e uma figura pública importante nacionalmente.

As tarefas até outubro serão gigantescas. Macri fará de tudo para recuperar terreno tendo como aliados Bolsonaro e o capital financeiro que sugou a economia argentina nos últimos anos. Por outro lado, Alberto Fernández vai aproveitar para surfar nas ondas das PASO e garantir sua vitória no primeiro turno. 

A esquerda socialista que conquistou e consolidou um espaço eleitoral minoritário tem uma tarefa gigante: ampliar a resistência nas ruas, sua unidade e lutar voto por voto para garantir uma boa eleição. É hora de transformar a alta rejeição a Macri em alternativa política com um programa que defenda os interesses da classe trabalhadora argentina baseado na ruptura com o FMI, num programa de estatização da economia, num aumento geral de salários e na exigência as Centrais Sindicais que retomem as mobilizações contra o governo.


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