Foi o General Mourão (PRTB), vice-presidente eleito pela chapa de Jair Bolsonaro (PSL), quem afirmou para uma platéia de empresários, ainda durante a campanha eleitoral: “Temos algumas jabuticabas que a gente sabe que é uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras: 13º salário. (…) É complicado, e o único lugar em que a pessoa entra em férias e ganha mais é aqui no Brasil”. Embora Bolsonaro, preocupado com o impacto eleitoralmente negativo da declaração, tenha rapidamente buscado desautorizar o seu vice, o seu já anunciado “super” Ministro da economia, Paulo Guedes, compartilha e é um entusiasta das mesmas ideias do General.
O discurso do General Mourão não é nada ingênuo. É calculadamente pensado por um lado, para atender aos interesses de um empresariado ávido por devorar direitos trabalhistas, e por outro, para confundir trabalhadores disseminando a falsa ideia de que o décimo terceiro é algo absurdo, um estorvo, que só impede os comprometidos empresários de investirem no país. Nada mais falso.
O décimo terceiro não é uma concessão ou uma bonificação resultante da natureza benevolente do empresariado brasileiro. Muito pelo contrário, é um direito que serve para restituir ao trabalhador um valor pela sua mão-de-obra que, sem o décimo terceiro, sairia de graça para o patrão. Para entender, a conta não é tão difícil. Vejamos um exemplo:
Uma trabalhadora recebe um salário mínimo por mês de R$954,00. Ao final dos 12 meses do ano, ela receberá R$11.448. Considerando que um mês possui quatro semanas, significa que esta trabalhadora recebe R$238,50 por semana.
Até aí tudo bem, né? Só que tem uma coisa:
Embora tenha doze meses, um ano possui 52 semanas (consultemos o calendário, se necessário).
Logo, essa trabalhadora deve receber ao longo do ano R$954,00 por mês ( R$954 x 12 = R$11.448) + o valor equivalente a essas quatro semanas (238,50 x 4 =R$954,00). Viu como não tem nada de “extra” no décimo terceiro? É uma conta bem simples, que aliás todo trabalhador conhece bem.
Relembrando a História
Há 56 anos, em julho de 1962, o então presidente João Goulart sancionou a lei 4.090/62, que instituiu a gratificação de Natal ao trabalhador, que entraria para história como a lei do décimo terceiro salário. Como todos os direitos trabalhistas adquiridos, o décimo terceiro não foi nenhum ato generoso do governo, mas sim uma conquista, fruto de muita luta e pressão dos trabalhadores.
O projeto de lei que daria origem ao décimo terceiro foi apresentado em 1959 pelo deputado do PTB do Rio, Aarão Steinbruch, e votado na Câmara de Deputados em dezembro de 1961. Uma greve geral, convocada pelo movimento sindical para pressionar o governo pela aprovação da lei ainda aquele ano, foi duramente reprimida e dirigentes sindicais foram presos. Sob forte pressão dos empresários, somente em 26 de junho de 1962 o Senado se posicionaria, numa votação realizada em regime de urgência. O jornal O Globo, de 27 de junho de 1962, noticiou assim a sessão ocorrida no dia anterior no Congresso federal:
“O Senado aprovou ontem, por 33 votos contra 14, o projeto que obriga as empresas privadas a pagarem aos empregados o 13º mês de salário. Foram rejeitados substitutivos e emendas e o projeto foi aceito na forma original da Câmara, para que possa ir imediatamente à sanção. Foi votado em regime de ‘urgência urgentíssima’ em três sessões, que se estenderam durante todo o dia de ontem” (O Globo, 27/06/1962)
Em 1988, o décimo terceiro salário foi inserido no texto da nova Constituição, no seu artigo sétimo, que trata dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Já em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o texto da lei de 1962 sofreu uma alteração que deu garantias ao trabalhador, em caso de demissão, para o pagamento proporcional ao dias trabalhados. Agora, sob o governo Bolsonaro, o décimo terceiro será mais um direito ameaçado por uma burguesia que, diante dos direitos dos trabalhadores, comportam-se como hienas famintas prontas para estraçalhá-los
O curioso é que na alcatéia da burguesia brasileira, as hienas que mais defendem o bote voraz ao décimo terceiro são os empresários do setor de comércio e serviços. Ano passado, na sua ânsia por desregulamentação, ajudaram a disseminar o falso conto de que a reforma trabalhista traria mais emprego. Logo nos primeiros seis meses após sua aprovação, vimos que a reforma trabalhista em nada contribuiu para geração de emprego. Pelo contrário, 305 mil vagas com carteira assinada foram fechadas. O indice de empregos com carteira de trabalho caiu 1,5% e na soma geral a taxa de desemprego só aumentou chegando a 13,1%, mais de 14 milhões de desempregados.
Agora querem o fim do décimo terceiro, pois concordando com o General Mourão, querem tirar mais essa “mochila” das costas. No entanto, é só chegar dezembro que esses mesmos empresários esfregam as mãos, ansiosos pela turbinada que o décimo terceiro promove na economia. Segundo o DIEESE, 84,5 milhões brasileiros receberão décimo terceiro salário esse ano. O valor médio em 2018 será de R$2.320 e a injeção na economia brasileira chegará aos R$211,2 bilhões de reais, um valor correspondente a 3% do PIB do Brasil.
A injeção dos recursos oriundos do décimo terceiro mexem com todos os ramos da economia do país, e quem reconhece isso, curiosamente, são os próprios empresários. Em entrevista concedida ao jornal À Tarde, Eduardo Morais de Castro, presidente da Associação Comercial da Bahia (ACB) disse que “Com o crescimento das vendas, toda a cadeia produtiva é beneficiada. Desde setembro, que a indústria se prepara para atender a demanda decorrente da entrada do benefício na economia” .
O que pretendi demonstrar nessas poucas linhas é que a tal da jabuticaba é, no mínimo, doce e saborosa o suficiente para afastar os planos de derrubada da “jabuticabeira”. Em primeiro lugar, porque o décimo terceiro não é uma concessão, um “extra”, mas sim um direito fruto trabalho empregado pelo trabalhador e trabalhadora brasileiros. E em segundo lugar, ao contrário do que diz o General Mourão, não é uma “mochila nas costas” ou um fardo. É justamente seu oposto. Pois ao ser utilizado pelo trabalhador para a satisfação de suas necessidades (seja para pagar dívidas, ou adquirir bens e serviços) acaba por aquecer a economia e dinamizar toda cadeia produtiva do país.
Moral da história, um viva às jabuticabas!
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