De qual geladeira Paulo Guedes está falando?

Em defesa dos servidores públicos


Publicado em: 29 de abril de 2020

Marcelo Sitcovsky, de João Pessoa, PB.

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Marcelo Sitcovsky, de João Pessoa, PB.

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Compartilhe:

Ouça agora a Notícia:

Se há algo obsessivo no Ministério da Economia, certamente é o ataque aos direitos de servidores públicos. Pelas mãos de Paulo Guedes somos alçados ao posto de inimigo número 1: em todas as oportunidades a resposta é sempre a mesma, a culpa são os servidores públicos.

Nunca é demasiado lembrar que a “reforma” da Previdência, aprovada no ano passado, mirou em cheio nos direitos previdenciários de servidores públicos federais, estaduais e municipais. Os resultados de curto, médio e longo prazos são devastadores, basta recordar que a “reforma” fará com que o conjunto dos(as) trabalhadores(as) trabalhe mais e receba menos no futuro, isso se vierem a se aposentar algum dia. Entre tantos efeitos perversos, destacamos o confisco salarial, resultado do aumento das alíquotas de contribuição para a previdência que passaram a ser descontados no mês de março. Combine este confisco salarial com a política de aumento zero praticada nos dois últimos anos e com a situação das perdas salariais acumuladas em 33%, de acordo com as entidades nacionais de servidores públicos federais, baseadas em estudos e dados do Dieese. Portanto, a geladeira dos servidores não está cheia, Senhor Ministro.

A obtusa obsessão do ministro Paulo Guedes em reduzir o tamanho do Estado, destruindo as políticas sociais, promovendo privatizações, retirando direitos e, entre eles, os salários de servidores públicos federais deixa, propositalmente, de fora dos cálculos de gastos – para alcançar a tão sonhada austeridade fiscal – a sangria de recursos dos cofres públicos destinada ao sistema financeiro (bancos e especuladores). 

Em outras oportunidades já destacamos o assalto ao fundo público, praticado no país há vários anos, operado pela política econômica que privilegia o pagamento de uma dívida que sequer se permite uma auditoria cidadã. Ano após ano, bilhões e até mesmo trilhões de reais são desviados do Estado que poderiam estar sendo utilizados em políticas sociais, mas na verdade enchem as geladeiras de especuladores financeiros. Os estudos e pesquisas nesta área são inúmeros e estão repletos de dados e análises que comprovam o desastre social que a adoção desta política representa para a população brasileira, ampliando dramaticamente as desigualdades sociais. 

A adoção da agenda ultraneoliberal de Paulo Guedes apenas reforçou isso, basta pegar um exemplo recente. Em meio às medidas do governo frente à pandemia do Coronavírus, a geladeira do sistema financeiro foi abastecida com R$ 1,2 trilhão. Em contrapartida, os bancos assumiriam o compromisso de disponibilizarem recursos para empresas e famílias brasileiras, através da concessão de empréstimos, ou seja, fazendo aquilo que sempre fazem e ainda recebendo do Estado brasileiro condições especiais de risco zero, por meio da emissão de papéis muito bem renumerados pelo Banco Central.

Trata-se de um grande negócio patrocinado pelo Estado brasileiro, uma verdadeira farra com os recursos públicos que são arrecadados através de impostos e contribuições. Mas então quem se alimenta desta política econômica? Quais as geladeiras cheias? 

Segundo estudo de Rodrigo Ávila (2019), o governo, alegando sigilo bancário, tem se negado a fornecer os nomes dos beneficiários dos títulos da dívida. A figura acima “[…]mostra a distribuição dos tipos de detentores de títulos da dívida federal, sem as omissões constantes nos dados comumente divulgados pelo Tesouro Nacional. Verifica-se que os bancos, investidores estrangeiros e as seguradoras (que possuem grande ligação com bancos) já respondem pela maioria do estoque da dívida interna”. Sobre os 19% que estão nas mãos de Fundos de Pensão, Ávila esclarece que, “com a chamada “Previdência Aberta”, ou seja, onde qualquer pessoa – inclusive milionários e banqueiros – podem colocar suas economias” não é possível identificar quem são os detentores dos títulos. Ainda de acordo com Rodrigo Ávila, “[…] a única forma de tentar estimar a participação dos Fundos de Pensão na dívida interna federal é por meio do ‘Informativo Mensal da Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar’, onde se diz que os Fundos de Pensão aplicavam (em novembro de 2017) R$ 430,2 bilhões em investimentos de ‘Renda Fixa’, dentro os quais se incluem títulos da dívida interna federal” (idem). Conclui-se, então, na esteira da argumentação de Ávila, que os detentores dos títulos, aqueles que estão com as geladeiras cheias, que se beneficiam dos bilhões de reais são os grandes bancos e especuladores financeiros.

Outro dado importantíssimo quando estamos diante de mais um ataque aos assalariados, desta vez os servidores públicos, sob a justificativa de ser oferecida uma cota parte para o enfrentamento da pandemia e dos seus desdobramentos econômicos, é retomar a questão sobre a taxação das grandes fortunas. De acordo com os dados disponíveis no Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), da ONU, o 1% mais rico do Brasil concentra 28,3% da renda total do país.

O Índice de Desenvolvimento Humano que é um indicador dos vários disponíveis, passível inclusive de críticas sobre aspectos metodológicos, permite-nos uma aproximação sobre a realidade do Brasil e ainda estabelecer comparações entre países. O índice considera três dimensões: renda, saúde e educação. Nestes aspectos o país figura entre os países mais desiguais do mundo. O relatório intitulado, Além do rendimento, além das médias, além do presente: Desigualdades no desenvolvimento humano no século XXI, destaca os altos índices de desigualdade no Brasil. Segundo relatório, as pesquisas domiciliares no Brasil mostraram que os 10% mais ricos receberam mais de 40% da renda total do país em 2015. Quando consideradas todas as formas de renda, não apenas as reportadas nas pesquisas domiciliares, as estimativas sugerem que os 10% mais ricos de fato concentram 55% do total da renda do país.

Há, neste momento, uma campanha que envolve as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, além de centrais sindicais e partidos de esquerda, defendendo a taxação das grandes fortunas. É possível ler no documento de divulgação da campanha que, “[…]Precisamos taxar quem ganha mais e diminuir de quem ganha menos, dos mais pobres. De cada mil contribuintes, apenas 8 contam com uma renda mensal de mais de 80 salários mínimos. Essa elite responde sozinha por um terço de toda a riqueza declarada em bens e ativos financeiros, sendo que metade dessas pessoas chega a ganhar em média 4 milhões de reais por mês!”

No mês de março, quando o Congresso Nacional foi decidir sobre as medidas que deveriam ser adotadas no enfrentamento da Covid-19 e como ajustar o orçamento federal, a tese da redução da despesa com pessoal foi acionada. Naquela oportunidade destacamos que, Paulo Guedes, Bolsonaro, Maia e seus associados nunca abandonaram o programa de destruição dos serviços públicos e estavam se aproveitando da crise sanitária para empurrar a todo custo as medidas da “reforma administrativa”. Mais uma vez cabe retomar nosso argumento, a despesa com pessoal em 2019 foi de R$ 180,41 bilhões, diante de um Orçamento de cerca de R$ 3 trilhões. As necessidades orçamentárias, frente a pandemia e seus efeitos econômicos, exigem mudança de rumo na economia política praticada no país. É preciso gastar, promover investimentos sociais que permitam gerar empregos, garantir direitos e dinamizar as economias locais. Cortar, reduzir ou congelar salários de servidores, além de injusto e desumano, não ajuda na recuperação da economia. O mesmo serve como argumento sobre as criminosas medidas de redução salarial dos trabalhadores em geral.  

As geladeiras abarrotadas são as das pouquíssimas famílias de banqueiros e especuladores financeiros, que promovem banquetes com os recursos drenados do fundo público brasileiro e que alimentam a opulência dos milionários brasileiros. Taxar 0,3% da população brasileira pode salvar 70% mais pobres!

 

Referências

ÁVILA, Rodrigo. Mentiras e verdades sobre a dívida pública. 2019. (disponível em https://www.cadtm.org)

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. Além do rendimento, além das médias, além do presente: Desigualdades no desenvolvimento humano no século XXI. Relatório do Desenvolvimento Humano, 1 UN Plaza, New York, NY 10017 USA, 2019.

 

 

LEIA MAIS

 Em carta aberta, Auditoria Cidadã diz que a PEC 10 é guerra contra os pobres


Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição