Mesmo sabendo do imenso desafio que era “virar”, a maneira altiva e destemida com que um setor significativo da população- movimento de mulheres, de juventude, setores organizados da classe trabalhadora, movimento negro, organizações de luta contra a homofobia, artistas, jornalistas, intelectuais, juristas e lideranças políticas democráticas -, enfrentou o segundo turno e os “dias seguintes” da derrota eleitoral, fortaleceu a trincheira contra o obscurantismo, a intolerância e o atraso!
Manter e ampliar este movimento num ambiente hostil é um desafio enorme. Não é simples, nem fácil. Exigirá que a gente revolucione nossas práticas políticas, eleve a qualidade dos debates entre nós e, principalmente, que nossa atividade militante supere os limites da via institucional, seja parlamentar ou de um sindicalismo ultraesquerdista “em si”, rotineiro, economicista e burocratizado.
Para formular nossa política, a primeira coisa a fazer é dialogar, estudar, ouvir com atenção as diversas opiniões para precisar com todo cuidado a etapa da luta de classes que atravessa o país, o continente e o mundo.
Neste contexto definir a relação de forças entre as classes, os setores que integraram o novo governo e os que estão na oposição, a relação com o imperialismo, o papel que desempenham nele as forças armadas, o poder judiciário, o parlamento, a mídia, as igrejas, etc.
Não cabe improviso, o derrotismo de que não há como resistir, tampouco o ufanismo incapaz de analisar as relações de força na sociedade.
Em linhas gerais a imensa maioria dos que farão oposição a Bolsonaro caracterizam que ele representa um projeto de extrema direita, autoritário e repressivo. Mas a forma, os ritmos e os meios que utilizará para tentar impor este projeto ainda não estão totalmente delineados.
Publicamente a maioria defende a necessidade da mais ampla unidade de ação em defesa das liberdades democráticas, das conquistas econômicas e das organizações populares, sindicais, de mulheres, dos negros, do movimento LGBT e da juventude. Mas entre a “intenção e o gesto” existe enorme gama de opções. Num extremo, setores já ensaiam fazer “uma oposição propositiva”, “moderada” e “respeitosa”, para se diferenciar dos defendem uma luta frontal, sem tréguas, contra este governo que carece de legitimidade, eleito na “eleição do golpe”. A indicação de Moro para o ministério de Bolsonaro é a “prova dos nove” que coloca um ponto final no debate sobre os objetivos políticos da Operação Lava Jato e do poder judiciário. “Com Supremo, com tudo”.
Noutro extremo, os setores que ainda não compreenderam integralmente os riscos que todos estamos correndo e insistem na política de agitar tantas condicionantes e exigências para participar do movimento de resistência democrática que seus chamados a unidade não passam de artimanhas para autoconstrução. Existem varias maneiras de se propor a unidade de ação. O decisivo é se apoiar no sentimento espontâneo de unidade que se generalizou por toda parte para que se tenha um programa mínimo capaz de manter a unidade do movimento. Sem hegemonismo e vetos. Afinal, esta unidade de ação responde a uma necessidade objetiva do movimento de massas em uma etapa precisa da luta de classes.
Nahuel Moreno, no livro O Partido e a Revolução, sobre a importância das bandeiras democráticas, escreveu: “A ofensiva econômica da burguesia será inevitavelmente acompanhada por uma ofensiva política: tendência a governos reacionários, cerceamento de liberdades democráticas, ataques aos setores mais explorados dos trabalhadores etc. Ou seja, uma etapa política defensiva, na qual a burguesia é que rompe o ‘equilíbrio’, e, no início, os operários e outros setores explorados tentarão mantê-lo”.
Cada novo “endurecimento” de algum governo colocará para as massas a necessidade de mobilizar-se para reconquistar a liberdade democrática perdida ou defender a ameaçada”. Na época em que foi escrito este artigo sobre a realidade europeia, regimes semifascistas liquidaram todas as liberdades democráticas na Espanha, Grécia e Portugal. Por isso, Nahuel Moreno questionava: “Que dizemos aos trabalhadores desses países? Que lutem pelo “controle operário” ou pelo nosso “modelo socialista”? Os camaradas da maioria não acham mais correto levantar alguma palavra de ordem democrática específica?”
Uma palavra de ordem sem conexão com a realidade é um erro grave. Durante o terceiro período, Trotsky criticou incansavelmente o stalinismo por usar a palavra de ordem de formar sovietes (a mais importante do Programa de Transição) em um momento em que as massas não podiam implementá-la. Pelo contrário, uma palavra de ordem aparentemente neutra – a da “paz” – pode ser revolucionária em uma situação concreta: quando a burguesia russa e o czar não podia concedê-la e quando, para as massas, era uma necessidade imperiosa.
Leon Trotsky, em Tarefas e Métodos da Oposição de Esquerda Internacional (dezembro de 1932), esclarece a relação entre as bandeiras democráticas e a Revolução Permanente: “Reconhecimento da necessidade de mobilizar as massas com palavras de ordem transitórias que correspondem à situação concreta de cada país e, em particular, com palavras de ordem democráticas quando se trate de lutar contra as relações feudais, a opressão nacional ou ditadura imperialista descarada em suas diversas variações (facismo, bonapartismo, etc)”.
A luta contra os ataques as liberdades democráticas é essencialmente defensiva, no entanto também tem um caráter ofensivo. É certo que no calor da batalha para impedir gravíssimos retrocessos, potencializa-se também a luta pela ampliação e efetivação de outras reivindicações democráticas que nunca foram implementadas no Brasil porque o pacto das elites no final da ditadura militar resultou numa “democracia” estreita e amputada. O que permaneceu da ditadura não é mais, ou somente, uma herança. Na verdade, se renovou nas estruturais atuais.
FOTO: Ato no Largo de São Francisco, em 1977, em defesa da anistia e contra as prisões políticas. Divulgação Exposição Transições. Das Ditaduras às Democracias na América Latina. Veja SP.
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