Não é a economia, estúpido

Por: Diogo Xavier, de Recife, PE

Nas eleições norte-americanas de 1991 o marqueteiro assessor da campanha de Bill Clinton, James Carville, cunhou a frase que virou mantra em disputas eleitorais por todo mundo “É a economia, estúpido”. Segundo o assessor, que se provou certo, o que definia o voto das pessoas era o momento econômico do país e quem representava a melhora no próximo governo.

As eleições de 2018 no Brasil mostram que a máxima de Carville não serve pra todos os momentos e fatores fora da economia estão sendo muito mais decisivos para o voto.

Momento econômico do Brasil e Governo Temer

É notório que o país passa por uma crise econômica. Os 14 milhões de desempregados e outros milhões no subemprego representam uma das facetas mais perversas dessa crise. No entanto, o mal estar do governo de Michel Temer não caiu diretamente sobre os ombros de nenhum dos candidatos. Nem Henrique Meirelles, integrante da equipe econômica do presidente e que saiu candidato pelo partido de Temer, teve sua imagem ligada diretamente à crise econômica.

Haddad trouxe no seu programa os bons tempos do governo Lula e esqueceu o pedaço da crise que começou ainda nos tempos petistas de Dilma Roussef. Bolsonaro, mesmo sendo fiel a Temer nas suas propostas, e aprovando as medidas que ajudaram a aumentar essa crise, também não foi colocado como candidato da recessão.

Por isso, o segundo turno dessas eleições traz a economia como sendo uma pauta diminuta no debate. Por mais que setores mais engajados tentem trazer isso à pauta, como aconteceu com a candidatura de Ciro Gomes, que trouxe como proposta central limpar o nome das pessoas pra ampliar o crédito e estimular a economia, esses tema não têm chegado ao grosso do eleitorado, que gerou uma profusão de temas se sobressaindo.

Com isso, a população sublima aspectos práticos da vida, como emprego, renda, poder de compra, acesso ao consumo e coloca outros aspectos no centro do debate político.

Nos últimos anos, governos neoliberais têm conquistado vitórias eleitorais na América Latina, principal caso é o de Mauricio Macri, na Argentina. Apesar de ser uma agenda que não representa os anseios do povo, foi referendada pelo voto popular, que agora já colhe os frutos de uma grande privatização e piora da vida. Mesmo as pautas econômicas impopulares precisam passar pelo crivo do eleitorado pra que este possa definir qual é o modelo econômico a ser adotado.

Conservadorismo

Os temas ligados à moral ganharam uma relevância muito grande nos últimos anos. Esse conservadorismo nunca deixou de fazer parte da política nacional, no entanto o crescimento de um segmento ultraconservador das igrejas evangélicas deu maior relevância a essas pautas.

Os períodos de crise sempre resgatam a ideia de que, no passado, as coisas eram melhores, o que gera a noção de que as novidades é que trazem os problemas. Na Europa isto pode ser identificado com a xenofobia que tem matado imigrantes vindos da África e Oriente Médio, já na América do Sul a desigualdade social se revela com maior força nesses momentos e o ódio de classe coloca uma elite que tem medo de perder seus privilégios contra toda e qualquer forma de ascensão social.

Esse ódio se rebate com muito mais força contra negras e negros que ocupam os piores postos de trabalho e também ocupam em sua grande maioria os locais menos assistidos das cidades, já a população LGBT é acometida de medo por grupos que espancam e matam pessoas por sua orientação sexual, insufladas por discursos que propagam ódio como se a população LGBT fosse o mal do mundo. O famoso discurso “No meu tempo não tinha viado” legitima pessoas a saírem de suas casas pra extirpar essa população.

Casamento homoafetivo e direitos LGBTs, aborto, descriminalização das drogas e outros temas são colocados como centrais na discussão eleitoral. O voto evangélico tem ajudado a eleger uma das maiores e mais influentes bancadas do Congresso, que é a bancada evangélica. Pluripartidária, ela se une na “defesa da moral”. Este pensamento levado por líderes espirituais que usam as igrejas como verdadeiros currais eleitorais e se aproveitam politicamente disso tem, ao longo dos anos, deixado de lado temas centrais da discussão.

Redes Sociais e Deep Weeb

Seria quase impossível imaginar o tamanho do impacto que as redes sociais teriam nessas eleições. Por mais que fosse analisado em outros pleitos, como o dos EUA, em 2016, o whatsapp ainda é um meio recente de comunicação de massas. A campanha do candidato do PSL direta e indiretamente se utilizou desses mecanismos, que não têm rastreamento pra bombardear de fake news o candidato do PT.

Coisas como mamadeira de pênis e a posse do estado sobre crianças foram amplamente divulgadas, mesmo não tendo nenhuma base real. O caso do Kit Gay falsamente atribuído a Haddad quando era ministro da Educação foi o mais emblemático e divulgado, colocando na imagem do petista a ideia de que as crianças seriam ensinadas a serem homossexuais na escola. Uma bizarrice sem tamanho, que encontrou eco num conservadorismo, aliado à falta de conhecimento de uma população extremamente cristã e muito preconceituosa.

Essa campanha velada colocou a pauta econômica pra fora do centro da discussão e hoje uma parte do eleitorado está votando contra o kit gay ou pelos valores da família. Desta feita, o Estado passa a ser um garantidor da moral e da preservação dos costumes de um determinado grupo que não aceita contradições.

O grande malefício dessa encruzilhada política é que a pauta econômica é crucial no próximo ciclo. Toda a agenda do governo Temer fez o Brasil retroceder em anos em relação aos direitos dos trabalhadores e às garantias mínimas de vida da população mais pobre. Não discutir esses temas é prejudicial pra democracia, que prescinde de um debate sobre os rumos do país.

Essa eleição sem dúvida entraram para história como um ponto de inflexão, sendo contrária a quase tudo que os manuais da política explicavam sobre os meios pelos quais ganhar uma disputa eleitoral e os seus métodos. Agora, essa eleição também ficará marcada onde, no meio de uma crise econômica, o futuro da economia do país não foi discutido, onde as relações internacionais e os negócios com parceiros comerciais não foi debatido, onde a geração de empregos num país com 14 milhões de desempregados não foi discutido.

No meio de todo esse contexto, as outras economias do mundo olham para o Brasil como sendo um importante parceiro econômico e fazem suas cobranças pra essa economia. A crise econômica que começou em 2008 ainda cobra preços caros e o próximo presidente terá de lidar com todos esses desafios. No entanto, as pautas que prejudicam a maior parte do eleitorado brasileiro estão sendo camufladas por uma pauta conservadora.