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Especiais
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Da força dos falsos argumentos ao argumento da força

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

“O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.”

(Walter Benjamin, em Teses sobre a História)

O Brasil está em compasso de espera, para lembrarmos aqui o título de uma obra do mestre Florestan Fernandes. Os próximos dias e meses serão decisivos. Uma nova etapa política está aberta no país, e ela traz muitos perigos. Se, numa surpreendente virada, Haddad sair vencedor no pleito do próximo domingo (28) – o que seria, sem dúvida, uma enorme vitória da classe trabalhadora e da vanguarda socialista – isto de modo algum significará que a ameaça fascista estará extinta. Somente a realização de reformas radicais por parte de um eventual novo governo petista poderá corroer progressivamente as bases de massas do fascismo, compostas, em grande parte, por ingênuos e enormes contingentes populares que aderiram eleitoralmente a Bolsonaro, e somente as mobilizações de uma frente única antifascista, com forte presença da classe trabalhadora organizada, do movimento feminista e dos oprimidos em geral, poderá empurrar para os esgotos subterrâneos a extrema-direita organizada.

No caso, entretanto, de uma provável vitória de Bolsonaro – o que, certamente, significará uma derrota sem precedentes para as forças populares na Nova República, e uma ameaça concreta à vida da militância socialista e da totalidade dos segmentos oprimidos –, ainda assim não estaremos, necessariamente, diante da implantação imediata de um novo regime de exceção, de tipo militar, bonapartista ou mesmo fascista. Assim, justamente porque a vitória eleitoral de um candidato neofascista não é, necessariamente, sinônimo da instalação automática de uma cruenta ditadura, a luta contra o fascismo deverá não só continuar, mas ser aprimorada e adaptada às novas condições postas.

Destarte, em um caso ou em outro, com não desprezíveis diferenças, a tarefa colocada para o conjunto da militância socialista será a de se engajar, com a amor e afinco, na construção de uma sólida frente única antifascista, para a qual o retorno ao cotidiano trabalho de base, a formação teórica marxista e a propaganda revolucionária serão indispensáveis. Nos atuais tempos sombrios do Brasil, a militância socialista deve se agrupar, se unificar e se ajudar, procurando ser, parafraseando o jovem Marx, o coração de um país que parece, há tempos, desprovido de coração. Ter bondade é ter coragem. O presente produz o futuro, mas este não está dado de antemão naquele. Não há teleologia no processo histórico. A ausência de nossa resistência no tempo presente poderá privar os nossos filhos e netos de qualquer futuro humanamente aceitável, assim como poderá deixar o caminho livre para que, também, o passado seja alterado, e a história dos nossos antepassados, daqueles e daquelas que tombaram em luta, como Mariguella e Marielle, seja despudoradamente maculada, como sugere a epígrafe benjaminiana desse texto. Não podemos confundir os tempos históricos, sob pena de sermos cúmplices, sujeitos passivos e contemplativos da nossa própria derrota.

Como diz o ditado popular futebolístico, o jogo é jogado, e ele só acaba quando termina. Ainda não terminou. O tempo urge, mas ele ainda não se esgotou. A péssima realidade que se apresenta aos nossos olhos só poderá ser superada se conseguirmos, com a razão e o coração, superar o pessimismo que ela, à primeira vista, nos impõe. Ainda somos sujeitos da nossa própria história, e temos agora não mais do que sete dias para intervirmos decisivamente nela, sabendo que a luta pelo futuro está apenas começando. Convencer o máximo de pessoas possível a votar contra Bolsonaro, a digitar o 13 de Fernando Haddad no próximo domingo, é fundamental para, a despeito do resultado eleitoral, acumular forças e preparar as lutas de amanhã. Nesta semana, não há nada mais importante para os que têm apreço à vida humana do que esta tarefa. Para que aqueles que tem fome e sede de justiça sejam, um dia, saciados, a nossa luta diária, nesta semana e em todas as outras depois, contra aqueles que se baseiam na força dos falsos argumentos será indispensável para que eles não consigam, como desejam, nos governarem com o argumento da força.