Encobrir o erro é errar outra vez.
Os erros pagam-se caro.
Sabedoria popular portuguesa
O segredo para se andar sobre as águas é saber onde estão as pedras.
Sabedoria popular chinesa
Nos ambientes militantes me perguntam, às vezes, o que é e como se faz análise de conjuntura. Bom, não existe manual incontroverso. Aprender a pensar é um exercício lógico. Análise de conjuntura é um tipo de investigação interdisciplinar difícil. Parece que é algo parecido com tocar violão. Não é complicado tocar mal. Aprende-se fácil e, até rapidamente, alguns acordes. Mas dizem os musicistas que é um dos instrumentos mais complicados de tocar bem. Além da lógica, ela pede a economia, a sociologia, a história, a política, e outras, como análise de discurso, direito, psicologia social, etc. Mas eu não gosto de desestimular. Então, recomendo algumas regras básicas:
1. O tempo é uma medida objetiva. O espaço, também. Quais são os limites da análise? Qual é o seu objeto de estudo? Decida com clareza. Não é sério falar sobre qualquer coisa, aleatoriamente. Uma análise da última semana é diferente da análise do último mês. Nem falar do último semestre. Se for além, já não é análise de conjuntura, é análise da situação, ou até da etapa. A análise pode ser restrita à realidade de uma cidade, por exemplo. Mas pode ser uma avaliação da situação nacional. Pode querer considerar o contexto internacional. Por exemplo, as eleições presidenciais encerraram uma grande batalha. Mudou a conjuntura, evidentemente. Mudou, também, a situação ou não? Uma boa análise deve saber se colocar as perguntas certas.
2. Segundo é preciso saber conferir as fontes da investigação. Desconfie. A busca da credibilidade exige muito trabalho. Uma análise marxista deve ter critérios incontroversos. Estamos sendo bombardeados por informações falsas o tempo todo. Honestidade intelectual é uma questão de honra. A sua palavra deve valer muito para você mesmo. Isso significa que construir uma interpretação dos acontecimentos exige o máximo de rigor para não ser contaminada pela incerteza dos dados. É preciso conferir as informações. Mais de uma vez. Lembre-se que a confiança dos outros na sua palavra não tem preço. É a sua reputação.
3. Em terceiro lugar, uma boa análise não deve estar enviesada por valores ideológicos que vêm de contrabando pela pressão dos inimigos de classe, do senso comum, dos ambientes em que circulamos. E, não menos perigosas, pelas pressões das nossas preferências. A interpretação da realidade não é instrumental. Não vale tudo para ganhar debates de ideias. Análises sérias não podem ser referendadoras de nosso desejo. Este erro é fatal.
4. Análises sérias exigem um esforço rigoroso de abstração. A cabeça acompanha a pressão do chão que os pés pisam. A experiência pessoal de cada um de nós é valiosa, mas é parcial. Sempre é muito limitada. Os ambientes sociais em que circulamos são restritos. Generalizar para escala de um país, ainda por cima continental, a percepção que podemos ter de uma categoria de trabalhadores, de um movimento social, ou de uma cidade é perigosíssimo. Abstrações e generalizações rápidas conduzem, inevitavelmente, ao erro. Aprenda a não confiar somente na sua intuição. Aceite a dúvida como uma boa companheira.
5. Construir uma análise é separar partes de um todo. Os fatos não falam por si mesmos. Seja minucioso, detalhista, rigoroso. Os acontecimentos têm pesos distintos. Calibrar o que é importante do que é circunstancial é decisivo. Senão, o impressionismo desequilibra a interpretação.
6. Análise marxista é um estudo das contradições. Nada é linear. Tudo que nos cerca é contraditório. Tudo que existe é uma união de contrários. A totalidade é maior que a soma das partes. Quantidade se transforma em qualidade. Tudo está em movimento, e a análise é o estudo de tendências, portanto, da verificação de dinâmicas. Mas identificar tendências é, ao mesmo, tempo, observar as contra tendências.
7. A metáfora da engrenagem que separa causas de consequências é útil como esforço lógico temporal, mas há nela uma armadilha. As causas transformam-se em consequências e vice-versa. Estão embaralhadas. A análise é o trabalho de ourivesaria mental que atribui sentido aos conflitos em seu movimento. Chama-se este método de dialética.
8. A análise deve respeitar o método. Para marxistas existem três dimensões no esforço de abstração na investigação da realidade: a infraestrutura, a estrutura e a superestrutura. Deve-se iniciar a análise pelo estudo da situação econômica e social. Depois se avança para a análise da relação social de forças. As relações políticas de força dependem desse contexto. A pressa de pular etapas na análise e encontrar um atalho é perigosa. Este esquema teórico é um roteiro pedagógico, mas é um esquema. As três dimensões pressionam-se mútua e ininterruptamente.
9. Uma análise marxista é um estudo dos conflitos de classe. Os conflitos são expressão de interesses contraditórios em luta. Lembre-se que os discursos políticos são expressões ideológicas. Os porta-vozes dos donos da riqueza e do poder não confessam, publicamente, que estão ao serviço de interesses privilegiados e minoritários. Apresentam-se como defensores do interesse público. Dissimulam. Blefam. Mentem. A análise de discurso precisa ser crítica.
10. É preciso saber, também, que identificar tendências, determinações, forças de pressão de primeiro, segundo e terceiros graus encorajam a construção de prognósticos. Mas é necessário ser prudente. Há limites do que se pode prever, e são muitos. Sejamos modestos em previsões. Aceite a possibilidade de estar errado. E quando errar admita seus erros, publicamente. Ninguém é infalível.
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