Orgulho Lésbico: A memória da revolta do Ferro’s Bar e reflexões para as lésbicas do presente
Publicado em: 19 de agosto de 2020
Chegamos a semana da visibilidade e orgulho lésbica, mas para que marcar um dia para dizermos que temos orgulhos da nossa existência lésbica é importante? Pois somos encobertas pelo manto da invisibilidade do patriarcado, afinal por que se daria eco para as mulheres que se recusam a cumprir o seu papel dentro da reprodução social? Afirmar-se lésbica é para além de uma prática sexual, ser lésbica é carregar cotidianamente a subversão ao sistema no qual um do seus tripés é ancorado na submissão da mulher ao homem. Demonstrarmos nosso orgulho é também evidenciarmos que a trilha natural da vida de uma mulher não é a heterossexualidade, que mulheres que amam outras mulheres existem, e isto não as tornam menos realizadas. Por essa subversão encobertas pelos rótulos do pecado, doença e crime, termos um dia do Orgulho Lésbico nos permite destruir estes rótulos e criar significados mais positivos para a existência lesbiana.
A história da data tem origem com a Revolta do Ferro’s Bar, que ocorreu em 19 de agosto de 1983. Durante a década de 1980 em São Paulo existia o Grupo de Ação Lésbica Feminista (1979 – 1989), o GALF, protagonista do evento que marca no Brasil o dia do Orgulho Lésbico. No ano de 1983 na cidade de São Paulo um grupo de mulheres lésbicas protagonizaram essa mobilização que ficou conhecida como o “pequeno Stonewall brasileiro”, descrição dada pelo Jornal O Lampião da Esquina. O episódio desencadeado pelas agressões que as ativistas do GALF sofriam quando iam vender o boletim que elas editavam o Chana com Chana, para os donos do Ferro’s Bar. As lésbicas só eram aceitas em seu estabelecimento enquanto clientes que consumiam, porém inadmissíveis quando se mobilizavam e debatiam politicamente. Então, como resposta a estas agressões, elas organizaram um happening levando centenas de pessoas a comparecerem no Ferro’s Bar.
O GALF e o Chana com Chana são uma importante parte da história do movimento LGBTIA+ do Brasil, bem como são importantes para o debate da redemocratização no país. Haja visto que estiveram conjuntamente em diversas mobilizações de luta contra o regime militar, somando forças com o movimento negro, feminista, estudantil e sindical, como o 1o de maio de 1980 no ABC, a passeata contra violência policial no Teatro Municipal de São Paulo e o engajamento nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte em 1987. Para as lésbicas do GALF uma democracia só estaria de fato completa quando não existissem as amarras do machismo, racismo e da heterossexualidade compulsória.
Passados 37 anos da Revolta do Ferro’s Bar precisamos recuperar esta importante memória e tirarmos algumas reflexões. A primeira é a necessidade de lutarmos contra a política autoritária e repressiva, no caso elas lutavam pelo fim da ditadura civil-militar (1964 – 1985), regime que aperfeiçoou as fórmulas de controle político, social e sexual. E nós hoje nos empenhamos na luta contra o governo Bolsonaro que tem nítidas intenções autoritárias e antidemocráticas, e dentre a sua extensa lista de inimigas/os estão as LGBTIA+. Por isso é necessário que a gente engaje na luta contra o projeto neofascista, que tem como seus principais alvos tudo que foge da configuração de “cidadão de bem”, branco, heterossexual e cisgênero.
Nos anos de 1980 os movimentos LGBTIA+ se unificaram com os movimentos negros para denunciar a violência policial, a passeata em frente ao teatro Municipal de São Paulo em 13 de junho de 1980 é fruto dessa denúncia. Hoje no Brasil temos a polícia mais letal do mundo, que ceifam vidas com números idênticos a de uma guerra, que nas periferias tem assassinado sem distinção de gênero, sexualidade e idade, como é o caso de Luana Barbosa e de tantas outras as quais ainda lutamos por justiça. Por isso devemos nos colocar conjuntamente com os movimentos antirracistas lutando contra o genocídio da população negra e periférica, pela desmilitarização da polícia.
Outro legado importante deixado por elas é a importância de construir uma luta conjunta com os setores oprimidos da sociedade, compreendendo as especificidades, mas sabendo que a união destes segmentos é potência para se apontar para a transformação. O GALF entendia que era necessário superar o gueto e para isso construía pontes de diálogos com diversos movimentos – feminista, homossexual, negro, estudantil, ambiental etc – isso para englobar uma luta em defesa de seus direitos sociais e democráticos. Temos que combater a dispersão entre aquelas/es que estão na mesma trincheira nós, como diz o bordão: “devemos ser diversas, não dispersas”! Afinal todas as faces dos nossos inimigos se concentram unificadas no sistema capitalista, portanto para nós hoje é fundamental darmos um passo à frente e entender que a luta anticapitalista é estratégica para podermos desmantelar o que sustenta as opressões existentes.
Nós lésbicas existimos e resistimos através de nossa memórias das que nos antecederam e não abaixaram a cabeça para o que o patriarcado impõe. Recuperar esta memória das mulheres lésbicas e importante para nossa autoafirmação enquanto sujeitas políticas, para podermos aprender com as lições do passado e avançarmos em nossas tarefas e lutas. Que nesse dia a gente se encha de orgulho da nossa (r)existência e, também, que nos dê ânimo para os desafios e lutas que estão colocados.
Top 5 da semana

brasil
Prisão de Bolsonaro expõe feridas abertas: choramos os nossos, não os deles
brasil
Injustamente demitido pelo Governo Bolsonaro, pude comemorar minha reintegração na semana do julgamento do Golpe
psol
Sonia Meire assume procuradoria da mulher da Câmara Municipal de Aracaju
mundo
11 de setembro de 1973: a tragédia chilena
mundo