Ruy Braga
Na manhã do dia 17 de fevereiro de 2011, milhares de professores da rede pública de ensino de Wisconsin, nos Estados Unidos, reuniram-se na cidade de Madison a fim de protestarem frente ao Capitólio estadual. Ao meio dia, os professores somaram-se a outras delegações de servidores e estudantes, engrossando uma passeata puxada pela associação profissional dos bombeiros do Estado. Aos gritos de “Esta é a cara da democracia!”, “Poder para os trabalhadores!”, “Poder para os sindicatos!”, os manifestantes decidiram, então, transformar o prédio do Capitólio em seu quartel-general, iniciando o mais importante movimento recente da história dos trabalhadores nos Estados Unidos.
Aparentemente espontânea, a ocupação do Capitólio em Madison resultou de um amplo processo de mobilização das bases contra a política do governador republicano Scott Walker de eliminar a negociação coletiva e impor um drástico aumento na contribuição previdenciária dos servidores estaduais. Sem mencionar outros ataques aos direitos sociais, como os cortes no Medicare (programa de saúde que beneficia trabalhadores de baixa renda) e a privatização da Universidade de Wisconsin em Madison, Walker transferiu para os trabalhadores todo o ônus do ajuste orçamentário implementado por seu governo.
O exemplo vem de cima: além de destinar generosos pacotes financeiros de socorro para bancos e corporações, o presidente democrata Barack Obama congelou os salários dos servidores públicos por dois anos. Programa semelhante tem sido aplicado nos Estados: os governadores republicanos de Ohio, John Kasich, e Michigan, Rick Snyder, por exemplo, acabaram de aprovar austeras leis anti-sindicais, colocando um ponto final na negociação coletiva. O governador democrata da Califórnia, Jerry Brown, não ficou atrás: pressionou os sindicatos a aceitarem 400 milhões de dólares em cortes salariais, além de continuar eliminando investimentos em saúde e educação. A mesma rotina pode ser verificada no Estado de Nova Iorque, onde o democrata Andrew Cuomo também exigiu 450 milhões de dólares em cortes salariais.
A grande novidade deste cenário é que os trabalhadores de Wisconsin resolveram contra-atacar. Além da ocupação, organizaram passeatas massivas, como a do dia 12 de março, reunindo cerca de 150.000 manifestantes. No entanto, a disposição de luta das bases não sensibilizou suas direções… Aqui, vale lembrar que a burocracia sindical estadunidense é uma camada social especialmente conservadora: com honrosas exceções, os sindicalistas odeiam organizar greves ou mobilizações, preferindo sempre o caminho da “parceria” com os patrões. Nostálgicos do fordismo, ainda consideram ser possível restaurar o “compromisso social” entre o grande capital e o grande trabalho.
Apostando em uma tática que buscou canalizar a força do movimento para fortalecer candidaturas de políticos democratas, a burocracia sindical recusou-se a usar o instrumento da greve geral no momento mais oportuno, isto é, após a grande passeata de 12 de março. Quebrando a resistência dos ativistas locais, os representantes da American Federation of State, County and Municipal Employees e do Wisconsin Education Association Council pressionaram suas bases a aceitarem a renegociação dos contratos, golpeando a disposição dos trabalhadores de não fazer concessões. Negociando “perdas menores”, a burocracia sindical ajudou a desmobilizar o levante popular, assegurando indiretamente a vitória de Scott Walker.
Para os trabalhadores, no entanto, o que ficou marcado na memória não foi a decepção com os novos contratos, mas a alegria dos protestos e das passeatas. Uma alegria que começa a se espalhar por outras cidades, como Detroit, por exemplo. Conforme o depoimento de Sarah Roberts: “Num país dominado pela ditadura corporativa, a ocupação de Madison resgatou o orgulho de ser trabalhador” (The Nation, 21 de março de 2011). Mais do que isso, vários cartazes criados pelos manifestantes remetiam à Revolução Árabe: “Marchamos como egípcios”, “Fui para o Iraque e voltei pra casa no Cairo”, “Scott Walker: Faraó do meio-oeste”.
Obviamente, seria um erro forçar comparações entre Madison e Cairo. Erro maior seria ignorar certos paralelos: em ambos os casos, pressionados pela crise capitalista, trabalhadores e estudantes decidiram responder aos ataques contra seus direitos. As duas semanas de ocupação da Praça Tahir certamente inspiraram os manifestantes em Madison. Como no Egito, trabalhadores e estudantes apropriaram-se do espaço público a fim de superar suas debilidades organizativas. As passeatas massificaram-se. Subitamente, moradores de uma pacata região dos Estados Unidos, conhecida por seu queijo cheddar e sua cerveja barata, decidiram fundar uma nova organização política, a Wisconsin Resists, e debater como organizar uma greve geral!
Apesar da derrota momentânea, muitos analistas afirmaram que o levante de Madison serviu para despertar os trabalhadores nos Estados Unidos. É possível: assisti, no dia 4 de abril, ao fechamento do porto de Oakland pelo International Longshore and Warehouse Union Local 10. Confesso que fiquei impressionado com a determinação dos ativistas em bloquear as áreas adjacentes ao porto. Também acompanhei a vitória da oposição nas eleições para o sindicato dos instrutores do sistema estadual de ensino superior da Califórnia (UAW 2865). Um resultado que anuncia o início das mobilizações contra Jerry Brown e que foi celebrado por sindicatos e oposições de esquerda em todo o país.
Se depender da disposição das bases, as décadas de defensiva sindical parecem ter chegado ao fim. Assim como no Brasil, também nos Estados Unidos ocupações lideradas por professores e bombeiros iluminram o caminho dos trabalhadores.
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