Geysson Santos |
É com esse questionamento que inicio a tentativa de uma reflexão no que diz respeito ao Rap Nacional. Digo tentativa de reflexão, por acreditar que isso rende um longo debate. Um debate necessário, mas que muitas vezes é secundarizado ou posto de forma que não contempla o tamanho da discussão.
Antes de tudo, não estou aqui querendo provocar mais uma daquelas discussões de “Old School vs New School”, prefiro deixar isso para os fanáticos. Quero abordar fatos e elementos que possam, de fato, contribuir numa possível reflexão/discussão.
Entre os anos 90 e meados de 2004, o Rap Nacional foi marcado pelo estouro dos grandes medalhões, Racionais Mc’s, GOG, Ndee Naldinho, 509-E, Facção Central, Sisteama Negro, Câmbio Negro, RZO, Sabotage, Detentos do Rap, Clã Nordestino, enfim, são vários nomes.
Apesar das diferenças, todos esses grupos tinham em comum uma coisa: “ódio ao sistema”. Afinal, quem nunca ouviu a palavra “sistema” sendo proferidas por um desses respectivos grupos? Acredito eu que eles tiveram e ainda tem grande influência na vida de todos os jovens da periferia. Para mim, serviram como verdadeiros professores, me ajudaram inclusive na minha autoafirmação enquanto negro.
Coincidentemente ou não, foi nesse mesmo período que as elites culturais do Brasil tentaram caracterizar de alguma forma esse novo movimento cultural que emergia com bastante força e representatividade entre as quebradas de todo o país. Foram muitas formas confusas de caracterização para esses artistas autodidatas. Afinal, eram detentos, ex-detentos e jovens sem o segundo grau completo “querendo ser músicos”. Aceitar ou não?
O jornalista Apoenan Rodrigues em sua coluna no Jornal do Brasil (1993), tratou de responder essa pergunta:
“Rap já é um tipo meio chato de música na sua repetição incessante. No caso dos grupos brasileiros que cultivavam o gênero, então, o assunto ainda piora quando o que sobra da pobreza musical são letras lamurientas e mal construídas.”
O negativismo da imprensa durante esse período, contrasta claramente com quem temia o Rap. O sistema, que tanto atacavamos ESTAVA acuado. As desigualdades da nossa sociedade capitalista, estavam sendo postas à mesa por quem sofria as contradições de classe nas costas.
Então, aqui destaco outra característica que os grupos anteriormente mencionados tinham: consciência de raça e classe.
É importante essa demarcação, para perceber o tamanho da influência que o Rap Nacional detinha dentro das Periferias e como essa influência não era apenas musical, mas também política e isso assustava a elite.
Não sei se realmente pode-se dizer que hoje o Rap, se tornou apenas um estilo musical –tirando seu cárater político-. O que sei, é que a industria cultural tratou de hierarquizar o Rap nacional, de forma que, divida o rap apenas em “bom” ou “ruim”. Nessa lógica, o “Rap ruim” é aquele que não soube acompanhar os “avanços” do movimento. Ou seja, é aquele que insiste em “atacar o sistema”. Mas, o que mudou de lá pra cá?!
- Criamos nossas mídias alternativas, ótimo. Temos que acompanhá-las para que elas também não seja engolidas por essa grande indústria.
- A produção musical está mais acessivel, ótimo. Temos que tomar cuidado, para que nossas produções, não se tornem apenas mais uma nesse universo musical e mercadológico.
- Mas, e as desigualdades sociais, diminuiu de fato? Não. Ainda somos as mãos de obras super-exploradas.
- A Polícia Militar continua racista e matando os irmãos diariamente.
- O Sistema humanizou? Não. Então porque ficou ultrapassado denunciá-lo?
O Rap é –ou deveria ser- liberdade. Cabe todo e qualquer assunto. Mas, quando dividimos o Rap em bom ou ruim, à quem favorece? Ao movimento?
Se lá atrás, também cantava-se amor, hoje, também tem MC no veneno, cantando ódio ao sistema.
O sistema tá posto aí, todos sofremos com ele. Uns mais, outros menos. Quem sofre mais, tende a ter mais ódio dele, tende a querer reproduzir esse ódio nos versos.
Quem sofre menos, tende a ser mais passional, mas devendo respeito ao irmão. Acima de tudo, independe da geração, a vida nos ensinou a ter solidariedade.
Solidariedade na quebrada vale ouro, quem é sabe.
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