Por Waldo Mermelstein, de São Paulo
Mais um aniversário do terrível golpe de estado que terminou com a experiência reformista de Salvador Allende no Chile. Sempre é um momento emotivo, ao pensar nos que conheci, os que foram assassinados, exilados ou muitos sobre os quais nunca mais soube nada. Alguns reencontrei pessoalmente muitos anos depois, a maioria com os mesmos ideais que compartilhamos na juventude, ainda que por distintos caminhos.
De qualquer forma, a enorme luta dos trabalhadores e do povo chileno daquela época segue viva no gigantesco movimento que enche as ruas de Santiago nestes dias, contra a previdência privada (que é o sonho de consumo da burguesia brasileira há muito tempo).
O site Esquerda Online ira começar a publicar várias matérias e vídeos recordatórios sobre a experiência.
Queria fazer um breve comentário sobre os mecanismos do golpe de estado no Chile de então e a discussão um pouco ligeira sobre o que ocorreu no Brasil com o impeachment de Dilma.
Pelo menos há duas diferenças fundamentais entre ambos os processos:
– primeiro que as reformas realizadas por Allende foram muito mais profundas que as pequenas concessões feitas pelo petismo no governo. Um exemplo basta: a nacionalização, sem indenização, das minas de cobre cobriu 80% das exportações do país, ao passo que a propriedade do capital nacional e internacional não foi em nada tocada nos governos petistas
_ a participação e mobilização da classe trabalhadora e do campesinato durante o governo da Unidade Popular foram muito mais profundas que durante o governo petista e na verdade ultrapassaram em muito as intenções dos partidos de governo, incluído Allende. Particularmente, a partir de 1972, organismos independentes de poder operário começaram a surgir em especial nos chamados “cordões industriais” e uma poderosa ala esquerda surgiu dentro do movimento dos trabalhadores, apesar da explícita oposição de Allende e da ala direita da Unidade Popular.
Com relação ao desenlace, pouca semelhança há, é claro.
Mas a brutalidade do golpe militar de Pinochet obscurece como ele chegou a ser preparado e deflagrado. O estado capitalista chileno, cujo braço executivo foi dominado pelos partidos de esquerda, funcionou para ajudar a preparar o golpe:
_ o Congresso obstaculizou todas as reformas tentadas por Allende
_ a Justiça sistematicamente protegeu os latifundiários, os capitalistas das fábricas ocupadas, destituiu interventores de fábricas ocupadas, deixou em liberdade os fascistas, inclusive os que tinham preparado tentativas de golpe e atentados contra militantes de esquerda
– um órgão pouco importante na vida social, a Controladoria da República, encarregada somente de dar parecer sobre a constitucionalidade das medidas do governo, tornou-se um dos baluartes na luta contra as ocupações e intervenção ou nacionalização de empresas
_ a imprensa era dominada em pelo menos 70% pela direita, em especial os jornais mais lidos, as rádios e televisões. O grau de manipulação, parcialidade e furiosa campanha contra os trabalhadores não deixava nada a dever aos piores momentos da revista Veja e outros instrumentos da direita. As palavras de ordem, as campanhas cuidadosamente preparadas serviram de forma espetacular para preparar o ambiente para o golpe.
Agora, até março de 1973, quando a burguesia opositora fracassou em conquistar os 2/3 do congresso nacional para depor Allende, não havia consenso entre as forças burguesas e o Partido Democrata-Cristão não havia optado pela saída de golpe militar.
Dificilmente poderia haver um desenlace não violento dada a polarização entre as classes sociais, mas não estava escrito que a única saída era a brutal derrota que ocorreu.
Se a extraordinária força e disposição dos trabalhadores e camponeses chilenos fosse estimulada e canalizada pelos grandes partidos de esquerda, inclusive a disposição na base das forças armadas de não permitir um golpe contra os interesses e as conquistas do povo, outra alternativa poderia ter ocorrido.
Em particular, os marinheiros mantinham uma notável organização, denunciaram o golpe em preparação e estavam dispostos a enfrentá-lo, mas os partidos de esquerda não se animaram a ajudá-los. Tempo em um processo revolucionário é um item escasso e precisa ser utilizado com extrema precisão…
O estudo da experiência chileno é muito importante para se fazer o balanço do desastre da experiência petista, especialmente porque certamente haverá tentativa de reeditar os caminhos e ideias que a inspiraram.
Foto do Palácio Presidencial La Moneda sendo bombardeado durante o golpe militar
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