Em tempos de Copa, debate faz balanço do legado dos megaeventos e reafirma luta por Maracanã que seja nosso

Por: Igor Dantas, para o Lateral Esquerda

Em tempos de Copa do Mundo, o movimento ‘Se o Estado do Rio fosse nosso’ realizou mais um importante encontro na noite da última quarta-feira (20), organizado com apoio do núcleo anticapitalista 1º de maio do PSOL. A temática da vez foi justamente o Maracanã e o esporte e foram reunidas importantes vozes para debater sobre essa pauta: Afonsinho – (ex-jogador do Botafogo, criador do passe livre); Tarcísio Motta – (Vereador, PSOL); Carol Castro – (Presidente PSOL Rio de Janeiro); Clodoaldo Silva – (Medalhista Paralímpico); Dani Petti – (militante do Comunismo e Liberdade – PSOL e da Frente de Esquerda Socialista); Gabriela Moreira – (Repórter e diretora da Abraji). Além desses, compareceram mais de 70 pessoas e diversos movimentos sociais, como ‘O Maraca é nosso’, ‘Botafogo antifascista’, os ‘Tricolores de esquerda’, entre outros. O dia também marcou a entrega da medalha Pedro Ernesto ao grande João Saldanha, que foi um grande técnico de futebol, jornalista e militante do PCB.

O debate teve um alto nível, conseguiu demonstrar que podemos e devemos pensar o esporte a partir de uma perspectiva crítica, afinal este se relaciona intimamente com a vida da maioria dos brasileiros, como cultura e instrumento de inclusão social. Traçando um panorama histórico desde 1989, quando ocorreu a tragédia de Hillsborough, na Inglaterra, que funcionou como um catalisador para a elitização do futebol naquele país (por meio das medidas da então primeira ministra Margaret Thatcher), e posteriormente nos principais países onde o futebol é popular e que sofreram a chamada “Arenização” dos estádios e todo o pacote do famigerado “padrão FIFA”.

Foto: Divulgação Se o estado do Rio fosse nosso

O Brasil e, principalmente, o estado do Rio de Janeiro, não passaram imunes a essa onda de “modernização” do esporte e este foi o principal foco do debate. Com a realização dos grandes eventos iniciados no Pan de 2007 e culminando na Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas do Rio em 2016, o Maracanã e a própria região e cidade em que está inserido sofreram uma série de desmandos por parte de interesses comerciais nem sempre esclarecidos.

O Maracanã, que sempre foi um palco acessível de grandes jogos acompanhados por milhares de pessoas, se transformou em uma arena padrão FIFA, palco de mais uma final de Copa. E, como lembrou a jornalista Gabriela Moreira, “é empurrado para cada vez mais distante da gente”. Administrado pelo consórcio liderado pela Odebrecht, o uso do estádio se tornou mais caro para os clubes e, consequentemente, menos frequentado e acessível, já que esse preço em sua maioria acaba repassado ao ingresso dos torcedores. Isso vem sendo um problema bastante visível nos últimos anos, que tiveram bem menos jogos do que o usual em tempos anteriores. Atualmente, o Flamengo tenta a assinatura de um contrato de administração do estádio, mas com uma série de condições duvidosas, como manter todos os contratos e os valores firmados pela Odebrecht com firmas de limpeza, segurança, entre outros.

A criminalização das torcidas organizadas também é parte dessa elitização, como lembrou Carol Castro. Hoje não existem políticas públicas para o esporte, e a relação do estado se expressa por meio da polícia militar (especificamente do GEPE – grupamento especial de policiamento dos estádios), que faz o policiamento interno, escolta das delegações e até mesmo tem o poder de censurar bandeiras das torcidas organizadas, que necessitam de prévio aviso de seu conteúdo.

Além do futebol, os esportes olímpicos foram lembrados por seu papel na resistência das instalações do parque aquático Julio Delamare e do estádio de atletismo Célio de Barros, que sofreram ameaça de destruição no período dos grandes eventos e hoje não são mais abertos e acessíveis para a população do local. O medalhista paraolímpico Clodoaldo Silva deu sua contribuição contando como o esporte o ajudou, apesar de o seu potencial de inclusão da população com deficiência ainda ser muito aquém de seu potencial.

Tarcísio Motta relembrou junho de 2013, toda a resistência contra esses ataques e, em especial, a palavra de ordem: “Da copa eu abro mão, quero é dinheiro para a saúde e educação”. Mostrou a lucidez desse momento, trazendo dados relevantes como a comparação entre investimentos nos megaeventos e na saúde e educação. Nos 10 anos que culminaram na Olimpíada de 2016 foram R$ 56 bilhões em investimentos, com pelo menos 90% desse montante vindo de dinheiro público. Já os investimentos em obras do estado do Rio nas áreas da saúde e educação somam apenas R$ 1 bilhão e 400 mil, cerca de 50 vezes menos.

A conclusão é de que se gastou muito, e o tal legado foi de enriquecer empreiteiras, favorecer a especulação imobiliária e afastar o povo das instalações esportivas do estado. De positivo nesse balanço fica a lição da necessária unidade entre todas essas lutas e a resistência desses lutadores indispensáveis que apreciam o esporte e lutam para que ele seja um patrimônio popular acessível e mais democrático.

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