Nos últimos dias, o mundo tomou contato com a face mais cruel da política antimigratória do governo Trump (EUA), ao se multiplicarem imagens de algumas das milhares de crianças separadas de seus familiares e mantidas em jaulas. As pressões internas e externas fizeram com que o presidente assinasse na quarta-feira, 20, uma ordem executiva suspendendo as medidas de separação. Esse pequeno recuo, entretanto, não significou o abandono da chamada política de “tolerância zero”, que prevê que todos os imigrantes adultos que não tenham visto sejam processados criminalmente, nem levou os EUA a retornarem ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, do qual haviam se retirado no dia anterior. O “recuo” de Trump evita que as crianças sejam separadas de seus pais, mas todos ficarão em campos de detenção, lembrando cenas como o tratamento dado às famílias japonesas durante a Segunda Guerra Mundial.
Essas medidas do governo Trump constituem apenas mais um exemplo, ainda que particularmente dramático, do esforço da extrema-direita em muitos dos países centrais do capitalismo, que mobiliza ideias racistas e xenófobas para culpar os imigrantes pela escassez de empregos e pelas dificuldades econômicas. Essa postura, no entanto, não encontra nenhum respaldo em dados objetivos. Por um lado, essa posição oculta a crise econômica capitalista mundial que se desenrola desde 2007-8. Tendo como epicentro, justamente, os países centrais, a crise já se estendeu ao conjunto do globo, atingindo com grande força os países dependentes, cujas economias são estruturalmente mais frágeis.
Por outro lado, o último relatório Tendências globais da ACNUR (Agência da ONU para os Refugiados) indicou que, até o final de 2017, cerca de 85% dos 68,5 milhões de deslocados forçados (pessoas que fogem de guerras e perseguições) encontrava-se nos países dependentes e/ou mais pobres. Indo além, grande parte dessas pessoas são oriundas de países como Afeganistão e Síria, devastados por guerras que tiveram participação decisiva das principais nações imperialistas.
Portanto, longe de serem responsáveis pelos problemas enfrentados pelas populações dos países mais ricos, os migrantes são alguns dos principais atingidos pela dinâmica da crise capitalista mundial e pelo belicismo imperialista. Esta política de Trump e de líderes xenófobos na Europa é uma face da opção política que parte significativa do imperialismo adota para enfrentar a grave crise capitalista.
A crise venezuelana e os refugiados no Brasil
Também no Brasil, não é incomum verificarmos a presença de pessoas que buscam abrigo de situações dramáticas. Na última década, foi especialmente significativa a chegada de haitianos e sírios, fugindo, respectivamente, das devastações relacionadas a um terremoto e uma guerra civil.
Mais recentemente, vem aumentando continuamente o número de imigrantes oriundos da Venezuela, que buscam escapar da crise política e econômica que atravessa aquele país. Apenas Boa Vista, capital de Roraima, já conta com 25 mil refugiados venezuelanos, correspondendo a 7,5% da população da cidade. Muitos em situação precária, como atestou a caravana recente da CSP-Conlutas. De 2015 a abril de 2018, já foram apresentados mais de 30 mil pedidos oficiais de refúgio por venezuelanos ao governo brasileiro.
Tal como nos EUA e nos demais países centrais, a direita brasileira busca explorar politicamente essa situação. Não são incomuns, por exemplo, os pronunciamentos que responsabilizam direta e unicamente o governo venezuelano de Nicolás Maduro por essa situação. Trata-se de uma posição absolutamente unilateral. Mais uma vez, se desconsidera a dinâmica global de crise capitalista, além de apagar o papel ativo dos EUA no financiamento e no apoio às forças mais reacionárias da oposição venezuelana, que atuam abertamente para aprofundar a desestabilização do país, e no bloqueio criminoso, que, premeditadamente, acelerou o desabastecimento naquele país.
Diante desse cenário, algumas das propostas mais cruéis, como não poderia deixar de ser, saíram da boca de Jair Bolsonaro, pré-candidato à Presidência pelo PSL. Em entrevista concedida em março de 2018 ao jornal Estado de São Paulo, Bolsonaro afirmou que o Brasil já teria problemas demais e não deveria se responsabilizar pelos refugiados. Segundo ele, a solução seria apenas revogar a lei de imigração e construir campos de refugiados, o que aproximaria o país das medidas implementadas nos EUA. No dia 20, o deputado federal Marco Feliciano (PSC), defendeu Donald Trump, dizendo que ele “estava apenas cumprindo a lei”.
Um programa da classe trabalhadora para a imigração
Em face da gravidade da situação dos imigrantes em nível mundial, é preciso retirar esse tema das mãos da direita e da extrema-direita. Toda e qualquer saída repressiva deve ser repudiada.
Além de ser ponto de chegada para haitianos, sírios e venezuelanos em busca de melhores condições, o Brasil é, ao mesmo tempo, grande ponto de partida para milhões de emigrantes. Enfrentando os efeitos de uma grave crise econômica, política e social, 62% dos jovens entre 18 e 24 anos do país declararam, em recente pesquisa, que deixariam o país se pudessem.
Não é a toa que, neste momento, 49 crianças brasileiras estão separadas de seus familiares, em abrigos nos EUA. O caso mais grave é de um menino de cinco anos, em um abrigo no Texas.
O governo Temer permanece alinhado e submisso ao governo Trump, cúmplice de atitudes como essa. Devemos exigir que se posicione a favor da condenação dos Estados Unidos na ONU, por gravíssima violação dos direitos humanos.
Em linhas gerais, uma política migratória a serviço das lutas da classe trabalhadora e dos setores oprimidos deve se pautar pela solidariedade irrestrita aos migrantes e pela constante denúncia do capitalismo e do imperialismo. Partindo da palavra de ordem “Nenhum ser humano é ilegal”, já levantada por movimentos sociais em diversos países, deve-se defender a completa abertura das fronteiras nacionais a todos que buscam fugir de guerras, perseguições e dificuldades econômicas.
A circulação dos imigrantes não pode, entretanto, se converter em uma fonte de força de trabalho precária e mal remunerada para os capitalistas. Por isso, é preciso, também, defender, em todos os países, o completo acesso de todos os imigrantes aos direitos sociais e garantir a equidade das condições de trabalho e remuneração em relação aos trabalhadores nacionais.
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