Ao abrir a página do jornal “El País”, deparo-me com o seguinte título de reportagem: “Cortes em saúde e educação ajudarão a pagar diesel mais barato para caminhoneiros”, do dia 01 de junho[i]. A matéria produzida por Felipe Betim contribui para revelar quem pagará a conta da privatização da Petrobrás e a natureza da greve que em uma semana desestabilizou a circulação de mercadorias do país.
Cortes nos setores da educação, da saúde, em políticas voltadas à repressão e prevenção ao tráfico de drogas e no enfrentamento à violência contra as mulheres foram anunciados e a economia de tais recursos contribuirão para pagar a conta das medidas tomadas para encerrar a greve dos caminhoneiros, dentre elas a redução de R$ 0,46 do preço do diesel e o congelamento da tarifa por dois meses. Portanto, para compensar a concessão que atende, aparentemente, as reivindicações de uma categoria de trabalhadores, Michel Temer realiza cortes em políticas públicas que garantiam o acesso a direitos a classe trabalhadora.
Sublinha-se que tais medidas não atendem apenas as reivindicações de uma categoria de trabalhadores, pois o que está em jogo para além disso é a negociação entre setores do capital nacional com o capital especulativo e estrangeiro, cujas medidas de liberação dos preços executados a partir de 2016[ii] os favorecem diretamente e por pelo menos dois motivos: 1) a liberação dos preços encerra uma política de subsídios, típica de uma empresa cujos princípios era o de promover o desenvolvimento nacional, e a deixa adequada às necessidades do mercado e ao processo de sua privatização que mais dia, menos dia irá ocorrer; 2) a liberação dos preços garante uma rentabilidade aos acionistas de maneira imediata (portanto, ao capital financeiro/especulativo) que associada às políticas macroeconômicas desenvolvidas após o Golpe de 2016 contribuem para a valorização da empresa na bolsa de valores.
Portanto, o que estamos assistindo por meio das políticas executadas na Petrobrás é o processo de liberação adequado às demandas estrangeiras e imperialistas que há muito cobiçam a empresa e sua produção diária, mas que pode incomodar setores do capital nacional, em destaque o produtivo, que dependem direta e/ou indiretamente do preço do petróleo, em especial, do diesel. Um país que se expandiu territorialmente por meio de sua malha rodoviária está refém dos custos de transporte. Nesse sentido, é sintomático que após alguns dias de bloqueio das estradas, montadoras tenham anunciado que parariam a produção – o toyotismo é dependente de um sistema de logística eficiente de transporte, uma vez que as empresas com tal sistema não funcionam com largo estoque –, e esse fato demonstra o quanto é fundamental o transporte rodoviário para o setor citado bem como para o todo o processo produtivo industrial e o sistema de circulação de mercadorias. Ou seja, ao executar uma política de liberalização dos preços, preparando para a sua privatização, a Petrobrás presenteia o processo de mundialização do capital financeiro e pune os setores nacionais.
Como a burguesia brasileira nunca foi nacionalista, não há um questionamento da privatização da Petrobrás[iii], mas há a necessidade de negociação dos termos dessa venda. Em outras palavras, ao longo de quase duas semanas deu-se o embate entre setores do capital nacional negociando com o Estado os termos da privatização. Os caminhoneiros, principalmente os autônomos, apresentaram suas demandas decorrentes de suas necessidades imediatas, questionando, essencialmente, o custo que a oscilação do diesel traz para suas vidas. A partir daí um jogo de forças iniciou-se com grupos políticos diferentes disputando a liderança do movimento[iv]. Esperava-se uma saída justa e não violenta ao impasse que esses trabalhadores trouxeram como há tempos não se via, afinal estava em questão negociações que não se esgotavam na superfície da realidade.
O Estado que emerge como o mediador da relação capital e trabalho e também como “comitê da burguesia”, nesse caso tem atuado de maneira exemplar para atender as demandas internas e externas dos diferentes setores do capital em tempos de crise de acumulação intensa. Afinal de contas, foi para cumprir esse papel que o Golpe em 2016 ocorreu no país.
Tendo a discordar dos que afirmam que o governo Temer está em crise ou que foi inábil no processo de negociação. O embate que ele enfrentou não foi pequeno, pois a política de preços da Petrobrás deve ser mantida ao mesmo tempo em que o Estado brasileiro teve que arcar com parte do custo da privatização – o que é uma marca das privatizações do país. O Temer e seus aliados não estão preocupados com popularidade, portanto, que a população tenha ficado imediatamente ao lado dos caminhoneiros e que haja um descontentamento com os custos econômicos e sociais de suas medidas não é algo que importa, afinal, quando um governo ilegítimo é popular?[v]
Uma evidência de que as negociações das semanas anteriores não eram voltadas às demandas da classe trabalhadora, mas a de setores do capital, também se revela pela inexpressiva preocupação com a oscilação do preço da gasolina e do gás. Dois combustíveis fundamentais para a classe trabalhadora tanto para se deslocar, tendo em vista a precariedade do transporte público e as longas distâncias percorridas devido a ineficácia de uma política habitacional e urbana, como para se alimentar.
O Estado brasileiro cumpriu seu papel em tempos de crise, implementando medidas que contribuem para os processos de acumulação do capital e/ou sua recuperação às custas da classe trabalhadora. Estamos assistindo, portanto, a um processo que consolida o neoliberalismo no Brasil.
[i] Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/31/politica/1527790717_851019.html>. Acesso em: 03/06/2018.
[ii] A alteração da política de preços executada pela Petrobrás a partir de setembro de 2016 é motivo de orgulho do governo federal, vide nota publicada no site do governo. Acesso em: 03/06/2018.
[iii] Isso quem fará serão os setores da classe trabalhadora sufocados pelo golpe.
[iv] Interessante notar que apesar do alarde da mídia dominante quanto aos produtos que começavam a faltar e o impacto da greve no cotidiano dos indivíduos, não se viu de maneira generalizada mensagens criminalizando o movimento.
[v] O presidente Michel Temer é tido como o presidente mais impopular do mundo. No entanto, podemos questionar quem assim o considera, pois aos setores dominantes do capital sua popularidade parece em alta. Disponível aqui. Acesso em: 03/06/2018.
Foto: Cidades do Meu Brasil
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