No último dia 10 de maio, veio à tona na imprensa brasileira documentos liberados pela CIA, a Agência de Inteligência dos EUA, que confirmam que execuções sumárias de líderes da resistência contra a ditadura militar foram autorizadas pelo alto-escalão militar, inclusive pelo ex-ditador Ernesto Geisel, que ocupou a Presidência da República.
Nos documentos liberados pela CIA, constava um Relatório de número 99, do ano de 1974, que narrava que Geisel teria avalizado as execuções sumárias durante o governo o presidente militar anterior, Emilio Médici. O texto do Relatório fala em 104 execuções sumárias e que Geisel concordou também em seguir com a essa política de assassinatos durante seu governo.
O referido relatório foi elaborado pelo então diretor da CIA, William Egan Colby, e foi endereçado ao secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger. Embora sua liberação data do início do ano, ele foi divulgado mais amplamente agora, pelo jornalista e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Matias Spektor.
A importância deste relatório é oferecer uma comprovação cabal de que as execuções partiram do centro do poder dos militares brasileiros. Uma prova muito relevante, vinda de uma fonte insuspeita. Afinal, a CIA e o governo dos EUA apoiaram abertamente o golpe de 1964 e a ditadura no Brasil e na maior parte da América Latina.
Diante da forte repercussão negativa e da pressão da opinião pública, em especial das entidades democráticas que lutam pelos direitos humanos e pela punição dos crimes da ditadura, quatro dias depois o governo brasileiro, através de sua Embaixada em Washington, solicitou oficialmente ao Departamento de Estado dos EUA o acesso a estes documentos.
Nesta quinta-feira, dia 24 de maio, a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal vai realizar uma Audiência Pública para discutir os crimes e assassinatos praticados pelos agentes do Estado Brasileiro durante a ditadura militar. Esta atividade vai abordar também o relatório da CIA e sua implicância na discussão sobre a memória e a punição destes assassinatos, de seus executores e mandantes.
Mas, como já era de se esperar, a postura do governo ilegítimo de Temer está longe de ser positiva. O ministro da Defesa, General Joaquim Silva e Luna, fez essa afirmação absurda: “Para o Ministério da Defesa esse tema aí, ele se esgota na Lei da Anistia. A partir daí é uma atividade de historiadores e, se houver demanda, para Justiça”.
Apesar de revoltante, a declaração do ministro de Temer (o primeiro militar na Defesa após muitos anos) nos coloca de frente da grande discussão envolvida na divulgação deste Relatório da CIA: é necessário e urgente rever a Lei de Anistia, que data do ano de 1979, quando ainda perdurava a ditadura militar em nosso país. Essa Lei tem um grande mérito: anistiou os presos, perseguidos e exilados políticos. Mas, ao mesmo tempo, carrega em si uma grande contradição, extremamente reacionária: essa mesma Lei anistiou também os militares que praticaram crimes, perseguições, torturas e assassinatos durante o “período de chumbo” da ditadura militar.
Não é só a esquerda socialista e os ativistas dos direitos humanos que levantam a discussão sobre a revisão da Lei de Anistia. Recentemente, em fevereiro desse ano, a própria Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, nomeada por Temer, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que desarquive o caso do assassinato do ex-deputado Rubens Paiva, na prática questionando a abrangência da aplicação da Lei da Anistia, de 1979. De forma imediata, a cúpula das Forças Armadas reagiu violentamente contra a iniciativa, defendendo que nada seja revisto e a impunidade mantida.
No dia 15 de maio, já depois da divulgação do Relatório da CIA, a Procuradora Geral da República, enviou um recurso ao STF para que seja aceita a denúncia contra o coronel reformado Audir Santos Maciel, por assassinato e ocultação de cadáver, durante o período da ditadura militar. No seu Parecer, Raquel Dodge pede que o STF analise a ação movida pelo PSOL, que discute a revisão de elementos da Lei de Anistia.
Por isso, devemos aproveitar toda a discussão aberta pela divulgação dos documentos da CIA, para retomar e fortalecer o importante debate sobre a revisão da Lei de Anistia de 1979. Para que o Brasil deixe de constar, de forma vergonhosa, na lista de países que não puniram nenhum dos torturadores e assassinos do período tenebroso da ditadura militar. Muito diferente de outros países do Cone Sul, como Argentina e Uruguai, que vem de forma paulatina, mais ou menos rápida, realizando punições a estes criminosos de Estado.
Bolsonaro apoia novamente os crimes da ditadura
Jair Bolsonaro, deputado federal e pré-candidato do PSL a Presidência da República, aproveitou toda a discussão referente ao relatório da CIA para mais uma vez destilar seu ódio e demonstrar total comprometimento e apoio a ditadura militar brasileira.
O líder atual da extrema-direita chegou a insinuar de que o relatório teve a motivação de atingir a sua candidatura ao Palácio do Planalto. E, dando novamente demonstrações inequívocas de suas inclinações fascistas, comparou as graves informações de execuções contidas no relatório a tapas numa criança: “Quem nunca deu um tapa no bumbum de um filho, e depois se arrependeu?”
As declarações de Bolsonaro, além de criminosas, são mais uma demonstração de que a sua candidatura é uma ameaça às já parcas liberdades democráticas que o povo trabalhador tem direito. Portanto, enfrentar seu projeto político, de forma combativa, mobilizada e unitária, é uma das grandes tarefas da esquerda socialista na conjuntura atual brasileira.
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