Desde o último domingo (20), quando uma paralisação de 24 horas retirou 100% da frota de ônibus das ruas de Salvador, a greve dos rodoviários se transformou no principal assunto de todas as rodas de conversa da cidade. Ontem, dia 22, todos os veículos de imprensa deram grande destaque para aquela que seria a derradeira rodada na mesa de negociação entre trabalhadores e patrões, mediada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). No entanto, o sindicato patronal se retirou da negociação e não apresentou sequer uma proposta de índice. Com isso, a própria procuradoria do MPT teve que reconhecer que a greve era o único e constitucionalmente legítimo caminho a ser seguido diante da intransigência dos patrões.
O SETEPS, sindicato patronal, preferiu o caminho da judicialização e conseguiu uma liminar para impor “frota mínima” de 50% dos ônibus nas ruas. Pagaram para ver, e se deram mal. Hoje, quarta-feira (23), Salvador e as maiores cidades do Estado amanheceram sem ônibus. Na capital, a adesão da categoria foi de 100%, uma demonstração da coragem desses trabalhadores e trabalhadoras, e também da força da mobilização que foi construída ao longo de toda campanha salarial.
Entendendo a greve
De toda a pauta apresentada pela categoria, o centro do litígio é justamente os dois pontos principais: reajuste salarial de 6% e no ticket alimentação de 10%. Após várias rodadas de negociação mediadas pelo MPT, os patrões mantiveram-se irredutíveis na absurda proposta de reajuste zero, com o argumento de que o sistema é deficitário e as empresas não suportariam qualquer acréscimo na folha. Já a Prefeitura de ACM Neto (DEM), responsável pela licitação que concedeu em 2014 a operação do sistema por 25 anos para estas mesmas empresas, apresentou como alternativa de mediação um reajuste pífio de 2%, que não atende às reivindicações da categoria. Porém, nem isso os patrões aceitaram.
Toda intransigência do sindicato patronal é alimentada pela situação política atual. Se sentindo amparados por medidas como a reforma trabalhista, os patrões têm assumido uma postura ainda mais dura frente às campanhas salarias das mais diversas categorias em todo o país. No caso dos donos das empresas de ônibus de Salvador, existe ainda um outro elemento mais profundo. Os patrões querem renegociar os termos do contrato de concessão que firmaram em 2014, e torná-lo ainda mais vantajoso para eles, de modo a garantir a fórmula investimento mínimo e lucro máximo. Os patrões querem ainda mais isenções e subsídios, querem restrição nas gratuidades de idosos e deficientes físicos, entre outros, e querem, acima de tudo, uma tarifa mais cara. Defendem que a atual tarifa dê um salto de R$3,70 para R$4,30.
Cercar a greve de solidariedade: rodoviários e população não devem pagar a conta
No momento em que foi informado sobre a existência da liminar com a imposição da frota mínima de 50%, o sindicato dos rodoviários se manifestou dizendo que os ônibus rodariam sem cobrador e praticando a tarifa zero. Que caberia aos empresários, portanto, apresentar uma escala desses 50% de linhas que circulariam para que a liminar fosse cumprida. Essa escala, obviamente, não foi apresentada. O discurso demagógico dos empresários em prol “do direito de ir e vir do cidadão” caiu por terra. Os empresários fizeram as contas, pensaram na única coisa que lhes interessam, o lucro, e mantiveram os ônibus nas garagens.
O reajuste de 6% reivindicado pelos rodoviários, diante do que foi a inflação no último ano, é o mínimo necessário para garantir um ganho real e evitar que as perdas da categoria sejam ainda maiores. Ano após ano, com a conivência da Prefeitura, os patrões têm forçado índices rebaixados e agora, não satisfeitos, querem impor reajuste zero. Pior: querem renegociar o contrato de concessão para aumentar ainda mais os seus lucros.
É preciso cercar essa luta de apoio e solidariedade. A batalha encampada pelos rodoviários é de todo o povo trabalhador de Salvador, que necessita diariamente do sistema de transporte coletivo. Essa luta arranca da defesa por melhores salários e condições de trabalho para rodoviários e rodoviárias, mas coloca também na mesa o debate sobre o sistema de transporte coletivo em si. O transporte coletivo em Salvador já tem uma das tarifas mais caras do Brasil, com uma frota velha, suja, que já é insuficiente e tem ficado pior com a suspensão de linhas sem nenhum debate com a população. É preciso reivindicar a imediata suspensão do contrato de concessão firmado em 2014, retirar das mãos do SETPS o controle do sistema e retomar o debate sobre a criação de uma empresa pública de transporte que opere o sistema. Enquanto estiver sob controle dos empresários e tratado como mercadoria, o transporte jamais será um direito.
Foto de capa: Bocão News
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